Posso dizer que viajei nas sombras. Literalmente.

Foi uma experiência inesquecível, com certeza. Não conseguia ver nada, apenas ouvir murmúrios lamentosos que uma parte de meu cérebro me dizia que eram de mortos. Estava frio, e eu sentia como se estivesse me deslocando há 100kmh. Me sentia em choque e fraca, e me sentia grata pelo garoto ainda estar me segurando firmemente.

Quando novamente senti meus pés firmarem no chão, pude ver que estava escuro, mas a lua ainda não estava alta. Senti meu estomago embrulhar... não me agrada dizer o que fiz em seguida, mas eu vomitei.

Sim, vomitei.

Eca.

Mas eu estava mesmo me sentindo mal. Senti o garoto de preto me segurar quando cambaleei, e quase cai no chão. Ele passou meu braço por seu ombro e me firmou pela cintura.

— A viagem te afetou mais do que o comum... - o ouvi sussurrar para si mesmo e eu o olhei, encontrando seus olhos escuros.

— Para onde você está me levando? - perguntei, me assustando em seguida por conta de quão fraca minha voz soou.

— Para o Acampamento Meio-Sangue. - ele respondeu - Estamos quase lá.

Notei que estávamos subindo uma colina, mas não conseguia prestar atenção ao meu redor. Estava tonta.

— O que é Acampamento Meio-Sangue? - perguntei, tentando me distrair.

O garoto pareceu entender o motivo de minhas tagarelices.

— É um lugar para pessoas como eu e você. - ele respondeu - Meios-sangues. Semideuses.

Senti o ar ficar preso em minha garganta. Ele havia dito...

E então comecei a ouvir vozes... estava semi consciente, não conseguia entender muito bem, mas me agarrei ao garoto que me ajudara. Pelo menos nele de certa forma eu poderia confiar... ele havia evitado que eu fosse morta por uma criatura mitológica.

— Nico...

— Ela é a meio-sangue que precisei buscar...

— Vamos leva-la à Quíron... - parecia a voz de uma garota.

— Não... enfermaria... coitada.

— Esperem, o que...

Tinha consciência de que alguém me segurava, mas eu permanecia grudada no garoto de preto. Não abria meus olhos... eles se recusavam a abrir, mas senti uma claridade em minha direção... me fez sentir um pouco melhor, mas ainda estava fraca.

— Apolo. - reconheci a voz do garoto de preto.

— Vou leva-la para a enfermaria. - abri meus olhos e vi duas imagens borradas, loiras.

E então eu perdi totalmente a consciência.

***

E foi aí que eu tive meu pior pesadelo.

Começou com uma mulher. Ela usava uma capa longa e escura, mas com pequenos pontos luminosos... como estrelas, e sua capa ondulava no vento. Não conseguia ver seu rosto, já que usava capuz, mas seus braços eram pálidos, pareciam emitir uma luz prateada. Seu sorriso era bonito, mas aterrorizante.

Ela riu. Uma risada alta, que fez o chão tremer... o céu anoitecido, escuro e cheio de estrelas, começou a cair lentamente sobre mim, como se fosse me devorar viva...

Vi as estrelas uma última vez...

***

Acordei em uma... cama, mais ou menos, parecia uma enfermaria. Estava sobressaltada.

— Calma, calma. - uma mão quente tocou meu ombro - Você está segura agora.

A voz era gentil e fraternal. Olhei para meu lado e vi um garoto loiro, alto e de olhos azuis, parecia ser uns dois anos mais velho que eu, talvez. Ele era muito bonito e vestia uma camiseta laranja que dizia ACAMPAMENTO MEIO-SANGUE. Mas o que me surpreendeu, foram as semelhanças que ele e eu compartilhávamos....

Mesmo sem me olhar no espelho agora, poderia dizer que nosso nariz era o mesmo, longo e levemente arqueado na ponta. Nossos olhos tinham o mesmo formato grande e amendoado, embora o meu fosse um azul mais para arroxeado... é, era raro, mas era azul. Nossos cabelos, apesar do meu ser escuro e o dele loiro, tinham as mesmas ondas.

— Quem é você? - perguntei, lentamente.

— Sou Will Solace, curandeiro. - ele sorriu e eu não pude evitar mas sorrir também - E você é minha irmã.

Respirei fundo, levando a mão até meu tórax.

— Quem ele é? - a pergunta me veio imediatamente - Ou você é filho da minha mãe?

— Apolo. - ele respondeu - E só por parte de pai.

Eu ri.

— Apolo? - ri mais - Você está querendo me enlouquecer? É alguma piada? Quem está por trás disso?

Will pôs as mãos em meus ombros, de certa forma isso me acalmou.

— Não, isto não é piada, Aurora... - ele me olhou nos olhos - Você tem dislexia, vê coisas que as pessoas próximas a você não veem... nunca conheceu seu pai, e aposto que sua mãe nunca falou muito sobre ele...

Eu estava assustada. Parte de mim acreditava em Will Solace com todas as forças... mas minha parte rabugenta dizia que aquilo era loucura... embora eu quisesse mesmo que aquela loucura fosse verdade.

Então Will me contou tudo.

***

Ainda estava em choque, mas decidira acreditar em Will completamente. Trêmula, ergui o néctar que ele havia me dado e tomei. Tinha gosto dos chocolates quentes que Richard fazia para mim... instantaneamente me senti melhor fisicamente, mas emocionalmente não... o que meu padrasto iria fazer quando não me encontrasse no Parque de Diversões.

— Preciso te levar até o Quíron. - Will disse do nada.

Quíron... Quíron... esse nome não me era estranho... ah, ele não era aquele cara que transportava os mortos pelo rio do mundo inferior?

Não não... aquele era Caronte...

— Como está, senhorita Goldwin? - uma voz bondosa veio da porta da enfermaria.

Um centauro! Da cintura para cima ele era um homem, e da cintura para baixo era um cavalo. Tinha barba marrom, e seus olhos eram gentis, mas mortais.

O que estava acontecendo com a minha vida?