Gelei por completo assim que os meus olhos encontraram os dele . Olhar para ele fizera com que uma enorme pancada de lembranças me acertassem em cheio e naquele instante foi como se eu jamais tivesse esquecido aquele rosto . Seu cabelo ainda era castanho começando a ganhar o seu grisalho , seus olhos ainda cintilavam entre o castanho e o verde musgo e neles eu ainda podia ver as sombras daquele que eu costumava chamar de pai . Assim que ele abriu seu sorriso costumeiro de quando chegava em casa após sua " viagem de trabalho " , senti que fosse desmoronar . Bastara apenas um sorriso e então a barreira emocional que eu demorara anos para erguer fora reduzida a entulho .

– Ali - disse ele se levantando e então caminhando em minha direção . Me esquivei tentando o fazer entender que estar ali me incomodava mais do que ele seria capaz de prever . Fiquei feliz ao perceber que ele hesitara ao mesmo momento .

– ...Pai - disse depois de uma longa pausa . Eu odiava ter de o chamar assim , mas a verdade é que eu não sabia o seu nome . Pai , era a única maneira que eu me dirigia a ele desde que me entendera por gente .

– Sempre gostei quando lhe perguntavam o meu nome e você pensava e então dizia sorrindo " pai ué " - disse ele sorrindo . Aquela havia sido uma das lembranças que eu fizera questão de bloquear .

– Não me recordo - disse tentando não estabelecer um silêncio que eu me recusaria a quebrar . Quanto mais rápido tudo se desenvolvesse , mais confortável aquela experiência se tornaria pra mim .

– Bem ... Teremos muito tempo para nos lembrar e compensar os anos perdidos - Naquele momento , morrer teria sido muito melhor do que ouvir aquilo . Compensar os anos perdidos ? Espero que ele não diga que sentiu minha falta , já que nem sequer me procurara .

– Provavelmente - disse abrindo o melhor sorriso que pude .

– Matilde a levará ao seu quarto e em seguida lhe dirá tudo que precisa saber - disse ele colocando sua mão em meu ombro - Não quero que você aqui seja algo ruim - disse ele em um sussurro .

Fui conduzida pelo apartamento que parecia não ter fim em suas diversas curvas , portas e corredores . Os tons de cinza padronizados davam um certo ar de sofisticação em cada um dos cômodos , mas não mudava o fato de passar uma imagem gélida e vazia . Meu quarto era ao fim do corredor a direita logo ao fim da escadaria , em frente a ele havia uma porta entreaberta mas pude perceber que ninguém se encontrava ali , na verdade o silêncio ali me indicava que minha nova família não se incomodara em montar um comitê de boas vindas . Matilde abriu a porta e em seguida senti o choque apenas ao notar o tamanho do meu quarto .

Possuindo um leve tom de vinho em contraste com alguns detalhes em preto , mostravam que ao menos minhas cores preferidas ele não havia esquecido . Os móveis todos em madeira escura davam ao cômodo um certo toque rústico e o carpete aveludado rose que cobria o chão trazia apenas ainda mais a sensação de aconchego . Suspirei colocando no chão a pequena mala que trazia junto a mim e naquele momento agradeci por ao menos possuir um lugar para onde fugir .

– Infelizmente tenho de informa-la que a escola começa amanhã . Esteja pronta as sete e será levada até la . Seu uniforme está no closet junto com novas roupas , sua mochila está na outra sessão e o regulamento sobre a cama , talvez devesse lê-lo . - disse ela enquanto apontava para cada um dos lugares - A uma pequena campainha instalada e assim que uma refeição estiver preparada para ser servida ela soará - disse ela se conduzindo a porta .

– Obrigada - disse enquanto guardava tudo em minha cabeça .

– Ah e senhorita ... Não culpe tanto o seu pai , em todos esses anos não houve um só dia em que ele não pensasse na senhora - disse ela então fechando a porta .

Bem , saber disso havia ao certo causado certo abalo . Mas nada mudaria o que ele fizera a minha mãe ou a mim , não mudaria a grande mentira na qual nos envolvera . Caminhei até o closet e vi que realmente estava repleto de roupas , mas nada daquilo do que eu jamais usaria , ao começar pelo uniforme ... Não havia nada nesse mundo que me forçaria a usar aquela saia . Suspirei enquanto tentava esquecer o que havia sentido quando vi meu pai e aos poucos sem perceber , o sono me tomou .

Na manhã seguinte levantei assim que a luz do sol apontara janela . Esfreguei os olhos e ao perceber que estava estava atrasada , apenas passei a camisa branca do uniforme pelo corpo , coloquei o primeiro par de calças que encontrara e depois de calçar os mesmo alistar que me acompanharam durante a viagem eu estava pronta . Escovei os dentes e desci as escadas ignorando a mesa de café que havia sido posta , acenei assim que ouvi meu pai me chama e então me dirigi ao hall de entrada e em seguida ao motorista , tentando ignorar os olhares e sussurros que novamente surgiram .

Novamente me desliguei pelo caminho tentando não me focar nas coisas que pudessem me fazer voltar aos tempos de antes . O que mais dói é perceber que a verdade sempre esteve próxima , porém em alguns andares mais altos . Quando senti o carro reduzir a velocidade e por fim parar , passei a mochila de couro pelo ombro e desci rapidamente antes que alguém pudesse associar o carro ao meu pai e por fim a mim , quanto menos soubessem sobre mim , mais fácil seria me desfazer de tudo . Ao abrir a porta e sair do carro , acabei me desequilibrando com a distância da calçada e teria ido ao chão se não tivesse sido apanhada , levantei os olhos e me deparei com olhos azuis ... Tão azuis que por muitos segundos me perdi entre eles , mas não pude deixar de notar o brilho conhecido que possuíam .