Eu deveria ter escolhido fugir , libertando-me então de tudo aquilo que vem acontecido . Estar cercada por eles , mesmo que tenham me acolhido , não parece certo . É como se eu tivesse traido a mim mesma , como se até respirar tenha se tornado uma tarefa difícil . Mas , o pior , é que os olhos azuis dele estavam ali exatamente para me lembrar de tudo aquilo que eu havia feito de errado , estavam ali para me fazer desejar fazer tudo de novo , pedindo-me para enlouquecer ... um pedido simplesmente não convincente , que possuo medo de não poder ter forças para negar .

– Existem dois lados da história , estamos divididos por eles - Disse enquanto novamente lia os meus pensamentos .

– Sinto que tudo me deixará maluca - Suspirei me entregando por completo . Eu não suportava viver junto a ele , mas não poderia o deixar .

– Você já é - Riu alto . Eu precisava ver mais daquele lado dele . Creio que na verdade todos precisavam .

– Eu deveria deixar de ser - Levei a mão a cabeça e continuei fitando a estrada que estava a nossa frente .

– Se não fosse louca , estaria morta ... e eu não quero que morra - Disse sem sequer olhar-me nos olhos , simplesmente focado no caminho que seguíamos .

– Eu pretendo ir embora assim que o ano acabar - Ignorei o que ele havia dito , eu não precisava ficar melhor , precisava colocar em ordem tudo aquilo que havia acontecendo em minha cabeça .

– Pra onde ? Com que dinheiro ? - Bem , coisas que eu ainda não havia pensado .

– Para onde não ajam Greys - Sorri .

– Não pode fugir de tudo aquilo que a assusta . - Disse colocando um fim em tudo aquilo o que pensava . Me assusta ?

Em frente ao nosso prédio senti o impacto do poder que ele possuía e não pude deixar de me sentir pequena diante a tudo . Parte de mim o odeia , não apenas por ter feito o que fez , mas por jamais ter voltado . Eu ainda era a filha dele , ainda precisava de um pai , minha mão havia morrido chamando pelo nome dele e ele simplesmente escolhera nunca mais voltar . Como posso me permitir ficar se ele nem sequer se importa ? Eu ainda possuía o sangue dele , o nome dele e de certa maneira o rosto dele , mas de isso nada significava comparado a sua outra família . Um filho perfeito e uma mulher que poderia ser o rosto da industria da beleza , não posso o perdoar ... simplesmente não posso .

Ao abrir a porta , ignorei meu pai sentado ao sofá e subi as escadas . Ele havia errado profundamente em ter clamado a minha guarda , eu não sabia os seus motivos e não desejava saber , mas sabia que tinha sido uma péssima escolha ... eu jamais seria novamente a sua filha , jamais poderia novamente o olhar nos olhos e sentir que o amo .

– Filha - Sem sequer bater na porta , entrou em meu quarto e se sentou ao meu lado . Ignorei a maneira como havia se dirigido a mim , ele havia abrido mão do direito de me chamar de tal maneira quando decidiu nunca mais aparecer depois daquela noite . - Alice - Disse novamente .

– Sim ? - O respondi por pura educação . Até a sua presença me incomodava .

– Não acha que ao menos deveria me dar a oportunidade de explicar tudo ? Ou sequer tornar tudo isso mais agradável , eu a amo tanto ... - O olhei incrédula . Se ele me amava , eu sinceramente já não sabia mais o que o amor era .

– E para que ? - Eu sinceramente não via razão para que continuemos conversando , ou que troquemos palavras pela manhã . Não éramos uma família .

– Somos uma família . - Ri alto me levantando depois disso .

– Não somos - respondi , me virando e permanecendo de costas .

– Me desculpe - disse me impedindo de deixar o quarto como eu pretendia . Tal palavra simplesmente prendera meus pés ao chão . - Por deixar sua mãe ... por deixar você . - Completou .

– Por que ... nos deixou ? - Perguntei ainda de costas , eu não permitiria que me visse chorar .

– Por medo de que jamais pudessem me perdoar - Disse ele . Me virei a ele completamente enfurecida .

– ELA MORREU ! - Gritei - ELA MORREU EM MEUS BRAÇOS ... e você nem sequer foi vê-la - Disse por fim saindo correndo .

Ao chegar no fim do corredor , a porta em frente a minha se abriu e eu então fora puxada para dentro . Me puxou para seus abraços e me apertou forte , eu não precisava de luz para ver o seu rosto e saber que de fato era ele ... apenas precisava dele ali e lá ele estava . Depois de não mais suportar , parti-me ao meio em lágrimas e chorei alto . Suas mãos envolta de mim , seu silêncio respeitando-me e seu fôlego batendo contra minha pele , eu jamais fui tão grata por não estar só .

– Não tenha medo de chamar ... Dessa vez alguém irá ao seu encontro - E foi como se ele tivesse me visto naquele dia ... no dia em que ela se foi . Me visto correndo pela lama , chorando desesperadamente procurando por ajuda , gritando pelo meu pai , mas ninguém veio .

Pode ter sido loucura , mas naquela noite eu havia adormecido em seus braços . Não por não ter acordado , mas por saber que eu não conseguiria passar aquela noite sozinha . Eu sabia que voltar traria tudo de volta , mas não sabia que voltaria a ter os mesmos medos , os mesmos pesadelos ... sendo assombrada pelos mesmos fantasmas . E ali , nos braços dele , nada mais me incomodava ... como se meu gritos daquele dia , finalmente houvessem sido escutados e atendidos , parando então de ecoar pelos cantos aonde vou ... como costumavam ecoar todos os dias , a cada vez que eu olhava aquele homem aos olhos .