P.O.V Mike

Estávamos todos reunidos na sala de estar. Emanuel estava caminhando de um lado para o outro e uma vez ou outra parava na janela para procurar pela garota com roupão rosa e assassina de guardas. Bem, nem tanto, ele já estava bem. O outro teve que aguentar a fúria e quase foi demitido. Mamãe estava bem, bem chorando, se é que me entende. Louis e Pietro já haviam ido embora. Aquilo iria logo sobrar para mim. Emanuel finalmente parou e se sentou na sua poltrona.

— Porque aqueles mimadinhos tinham que fazer isso com a minha princesa?! Se eles não fossem um golpe tão importante para eu fechar o melhor e maior negócio da empresa eu já teria arrebentado a cara deles! — Disse ele cerrando o punho e batendo na mesa ao seu lado.

— Querido, por favor, deixe o resto da casa em paz e se concentre em relaxar. Amanhã você terá uma longa reunião. — Falou mamãe engolindo o choro e tomando um gole de sua xícara de chá.

Emanuel deu um longo suspiro e me encarou. Chegou minha hora no abatedouro do Sr. Faço-tudo-por-dinheiro.

— Querida, pode sair para eu ter um conversa a sós com o Mikhael? — Perguntou, mesmo estando mais para mandando ela vazar. Ela me olhou um pouco preocupada, mas pegou sua xícara e foi para a cozinha. — Você é idiota! Como deixou isso acontecer com a sua irmã? Você não tem a mínima responsabilidade sobre nada. Você é um vagabundo, transviado que nem para cuidar de suas notas na escola serve! Você deve se espelhar mais em sua irmã, ela sim é uma ótima filha. Estudiosa, comportada, dedicada, gentil e mais um milhão de qualidades!

— Ok, pai, todos nós já sabemos o quanto ela é perfeita. Até o cachorro sabe disso. Agora me diz que droga de culpa eu tenho nisso tudo?

— Oras, você não defendeu ela!

— Você me empurra para amigos falsos, me faz ser legal com eles para se dar bem com a sua empresa falida e me ameaça para conseguir que eu faça isso. Quer que eu vá contra eles como?

— Se ao menos fosse um pouco mais como Helena e menos como aquele viado maconheiro...

— NÃO FALA ASSIM DO MEU IRMÃO! — Gritei, assustando ele. — ELE VIVEU UM INFERNO NESSA CASA POR SUA CULPA. NÓS NÃO TEMOS A MÍNIMA NOÇÃO DE ONDE ELE ESTÁ PORQUE VOCÊ É UM VELHO IDIOTA QUE SÓ LIGA PARA O PRÓPRIO RABO.

Minha mãe e Graça apareceram, com a mesma expressão de Emanuel. Essa casa viraria uma zona se mais uma pessoa tivesse um ataque de pelanca e saísse correndo quase sem roupa pela cidade. Eu preferi me acalmar, respirando fundo. Minha mãe estava tentando me dar um abraço, mas tudo o que menos queria agora era isso. Nenhum afeto faria meus pensamentos psicopatas com o meu pai se afastarem.

— Melhor eu ir atrás de Helena ao invés de ficar chorando que nem criancinhas esperando ela como vocês. Com licença. — Fui para a porta que dava acesso a frente da casa. Corri para a rua. Os guardas já haviam voltado para seus postos. Parei na calçada, cruzei os braços e observei a rua silenciosa. Estava frio essa noite, muito frio. Pelo menos estava com um moletom quentinho. Mas meus pensamentos logo voltaram a Helena, onde ela estaria? Bem, ela não tem muitos lugares para pensar, um deles é a praia, outro é seu próprio quarto e o último era a pracinha. A pracinha!

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~Mike e Helena com 6 anos~

Aline e seu filho passeavam por uma pequena pracinha depois de ter ido tomar sorvete, quando avistam uma figura encolhida ao lado do banco. Aproximaram-se mais um pouco e uma pequena garota, vestida com trapos os olhou. Seus olhos refletiam o medo que estava sentindo.

— Ei, menininha, o que aconteceu? — Aline perguntou, se ajoelhando na frente dela.

— Por favor, não... — A menininha começou a falar, mas a voz foi substituída por um soluço de choro. Aline com seu instinto maternal quis abraçar ela, mas a menina empurrou com pouca força Aline.

— Eu não vou te machucar. Como é o seu nome? — Aline perguntou com um sorriso carinhoso.

— Eu não sei direito, mas me chamam de Helena. — Ela falou ainda um pouco assustada.

— Quer um chocolate? — Mike estendeu uma trufa de chocolate para a pequena. Ela hesitou por um momento, mas a fome que estava sentindo era maior.

— Obrigado. — Ela deu um pequeno sorriso. O primeiro e mais sincero. Deu uma primeira mordida. Se maravilhando com o sabor novo que estava sentindo.

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Foi a primeira vez que nós a vimos. Depois de um tempo finalmente adotamos ela. Ela adorava aquele lugar, mesmo que trouxesse algumas recordações ruins. E foi para lá que eu corri. Não era tão longe dali, passava toda vez que ia para escola por lá, ao menos antigamente. Quando cheguei, um pouco ofegante. Avistei uma única sombra. Que estava de pé em cima de um banco no centro, com os braços levantados. Não preciso fazer nenhuma piada aqui, porque a imagem de uma garota com roupão rosa, no meio do inverno, em pé no banco e de vez em quando gritando “Eu sou uma farsa”, já diz por si.

Fui até ela. Ela não me notou. Não sabia como sequer me aproximar dela. Sabia que ela iria começar a me xingar e iria usar uma daquelas frases de efeito idiotas só para me deixar mal. Eu por fim arrastaria ela ignorando tudo que ela falasse. Bem, até que pareceu fácil.

— Leninha. — Chamei. Ela abaixou os braços e se virou para mim, cruzando eles.

— Vai pra casa, Mike! —Ela falou, tremendo de frio.

— Vamos embora, para de ser idiota.

— Para os seus amiguinhos me fazerem de otária? Muito obrigado! — Ela se virou, ignorando minha presença.

— Helena, para de agir feito criança! — Ela se virou, indignada.

— Você sabe o que está passando aqui?! — Ela colocou uma mão no coração.

— Sim, e todos já passamos por isso. Mas agora desce dai caralho!

Ela revirou os olhos e finalmente desceu, mas se sentou no banco. Encolheu os ombros.

— Me deixa, quero ficar aqui. Não quero entrar naquela casa. — Ela abaixou a cabeça. Pegou uma pedrinha e jogou ela contra uma árvore.

—Vou ser obrigado a ficar com você, então. —Me sentei ao lado dela. Ela me olhou como se eu fosse um grande idiota. É, eu acho eu que sou mesmo.

— Por quê?

— Porque eu me importo. — Dei de ombros. Ela deu um pequeno sorriso. Tirei meu moletom e dei para ela. — Veste, a menina quase nua precisa vestir algo.

—Não tenho um conhecimento muito amplo sobre moda, mas acho que roupão e moletom não é uma combinação aprovável.

Nós dois rimos. Ela vestiu o moletom. Depois de um tempo em silencio eu levantei e estendi a mão para ela.

— Vamos. — Falei sorrindo de canto. Ela segurou a minha mão e se levantou. Fomos caminhando calados até em casa.

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Estava deitado na cama. Quando chegamos em casa hoje mais cedo todos abraçaram e agradeceram a Deus por ter trazido ela de volta. Menos me agradeceram. Acho que é mais fácil eles agradeceram a Iemanjá do que eu, mas tudo bem. Peguei meu celular e os fones de ouvido ao meu lado. Meus únicos e verdadeiros amigos. Coloquei “Perfect – Simple Plan”. Era uma música que resume minha situação atual, vida e existência.

Hey dad look at me
Think back and talk to me
Did I grow up according to the plan?
And do you think I'm wasting my time
doing things I wanna do?
But it hurts when you disapprove all along
And now I try hard to make it
I just wanna make you proud
I'm never gonna be good enough for you
I can't pretend that I'm alright
And you can't change me

'Cause we lost it all
Nothing lasts forever
I'm sorry
I can't be perfect
Now it's just too late
And we can't go back
I'm sorry
I can't be perfect

I try not to think
About the pain I feel inside
Did you know you used to be my hero?
All the days you spent with me
Now seem so far away
And it feels like you don't care anymore

And now I try hard to make it
I just wanna make you proud
I'm never gonna be good enough for you
I can't stand another fight
And nothing is alright

'Cause we lost it all
Nothing lasts forever
I'm sorry
I can't be perfect
Now it's just too late
And we can't go back
I'm sorry
I can't be perfect

Nothing's gonna change the things that you said
Nothing's gonna make this right again
Please don't turn your back
I can't believe it's hard
Just to talk to you
But you don't understand

'Cause we lost it all
Nothing lasts forever
I'm sorry
I can't be perfect
Now it's just too late
And we can't go back
I'm sorry
I can't be perfect

'Cause we lost it all
Nothing lasts forever
I'm sorry
I can't be perfect
Now it's just too late
And we can't go back
I'm sorry
I can't be perfect

Eu já tentei de todas as maneiras possíveis agradar ele! Uma vez entrei no time de futebol da escola, nessa época ele gostava de futebol, mas ele não foi a nenhum jogo e nem me parabenizou quando acabamos nas finais. Doeu tanto quando ele se afastou, quando ele parou de ligar se eu me machucava quando caia brincando com meus amigos. Quando eu ficava doente. Quando eu tirava alguma nota boa, era mais minha obrigação. Quando eu tirava uma nota ruim, eram mil pedras que vinham das suas mãos. E isso continua até hoje, infelizmente.

Mas uma coisa que eu aprendi com ele, a ser frio e ignorante. Talentos que ele usava todas as vezes que eu tentava me aproximar. Agora, eu não tento mais. Eu não me torturo mais. Já não vale mais a pena. Eu já estou perdido, vivendo com um desconhecido que dizem ser meu pai. E eu estou sozinho. Sem amigos e sem nada. Nem uma esperança para um futuro melhor. Não acho nem que vou ter um futuro. Eu não vou tentar ser diferente do que eu sou para agradar nem ele nem ninguém. Eu não preciso disso, não vou me sentir melhor assim. Desculpe-me, eu não posso ser perfeito.