A primeira vez que Effie dormiu em meu quarto foi há mais ou menos uns oito anos, fazia pouco tempo que trabalhávamos juntos, e conhecíamos muito pouco um do outro, mas já brigávamos muito desde aquela época.

“As crianças daquele ano eram uma garotinha que havia acabado de completar doze anos e um rapaz de dezesseis. Estávamos no prédio dos tributos, e era uma noite de tempestade. Meus sonhos estavam agitados.

– Fique viva!- gritei para Maysilee, ela estava em meus braços, estraçalhada pelas bestantes, em seus últimos suspiros. E então eu abri os olhos e descobri que estava no meu quarto. A poltrona que ficava ao lado da cama estava jogada no chão e o abajur estava em pedaços.

– Haymitch, está tudo bem?- perguntou Effie colocando a cabeça para dentro para espiar, então torceu o nariz ao ver a bagunça – Você não está bêbado, está?

Tombei no chão, recostando-me a poltrona caída. Effie Trinket entrou e fechou a porta atrás de si, aproximou-se de mim e estendeu a mão.

– Vamos. Eu te ajudo a se levantar – diz ela.

Concordo, e nos sentamos na cama. Percebo que, mesmo a essa hora da noite, Effie ainda está de peruca, mas usa um roupão roxo.

– O que aconteceu?- ela perguntou - Estava gritando por Maysilee. De novo.

– Pesadelos.

E então um silêncio perturbador domina o quarto.

– Bom, tem algo que eu possa fazer para ajudar?

– Poderia me fazer um café. Acho que não vou conseguir dormir, enquanto estiver escuro, pelo menos.

– Porque a escuridão te perturba tanto?

– Estava escuro quando... atacaram ela. Eu não conseguia encontrá-la e cheguei tarde demais.

Effie balança a cabeça, concordando e então, surpreendentemente, ela me puxa para perto e me abraça, uma de suas mãos em meu ombro e a outra na lateral de meu rosto.

– Por que está fazendo isso?- pergunto.

– As vezes, precisamos de um abraço. E tenho a impressão de que você não é abraçado há um bom tempo – diz ela, e sinto-a apoiar o queixo em minha cabeça.

– Bom, o que podemos fazer quando o abraço de somente uma pessoa pode curar todas as dores e essa pessoa é inalcançável?

– Sinto muito, deve ser horrível.

– É, é sim – concordo.

– Hm, você ainda que um café? Ou quer que eu fique aqui, sabe, até você conseguir dormir?

– Isso não vai atrapalhar seu sono da beleza?- pergunto, irônico. Olho para ela, olho realmente para ela, Effie está sem maquiagem. A pele dela é clara, sem manchas, sardas ou pintas, seus olhos são azuis e seus lábios tem um tom rosado natural - Seu marido é um homem de sorte – digo. – Onde ele está? Em casa?

– Não, ele costuma... costuma sair nas noites em que fico aqui no prédio dos tributos – diz Effie, olhando para os próprios pés.

– Ah, sinto muito.

– Pois é, digamos que ele também seja inalcançável para mim, apesar de tudo. E esse é o meu erro, esperar muito dele, e exigir sentimentos que ele simplesmente não é capaz de sentir.

Balanço a cabeça, concordando.

– E você, Effie Trinket? Também não precisa de um abraço?- pergunto, depois de algum tempo, em que Effie fica apenas enrolando meus cabelos em seus dedos finos.

Ela da de ombros.

– Acho que vou aceitar sua sugestão e pedir para que você fique aqui comigo, mas caso se sentir cansada, pode voltar para seu quarto, ou dormir aqui, você que sabe – digo, recostando-me a cabeceira da cama.

Effie concordou e eu a puxei comigo, abraçando-a, e ficamos ali, vendo a chuva cair sobre a Capital adormecida lá fora.”

– Vocês precisam salvar Peeta, a Capital vai matá-lo!- diz Katniss.

– Sim, assim que possível, por enquanto temos outros planos para você – diz Coin, extremamente calma, uma calma que chega a irritar de tão fria e calculista.

– Vocês não estão entendendo! Ele não tem tanto tempo – explodiu Katniss – Ele precisa ser resgatado o mais rápido possível! Entendam isso!

– Katniss, ele não vai ser morto, ele é a arma deles para destruir você – digo.

– E o que você entende disso?- ela se virou para mim- Não tem ninguém com quem você se importe! Eles já mataram todos que você amav...

– CHEGA!- levanto-me e bato na mesa, Katniss recua, assustada - Você pode ser o símbolo desta Rebelião, mas o mundo não gira em torno de você!- digo, alterando o tom da minha voz – Acha que é a única que tem alguém a proteger na Capital? Pois não é. Você não é o centro do universo!

Todos na sala ficam olhando para mim, e sei que acabei de acabar com qualquer chance de Coin mandar um resgate para Effie, principalmente agora. Saio, socando portas e paredes, procurando algo que eu pudesse quebrar.