Nothing Else Matters escrita por Miss Vanderwaal


Capítulo 9
Temos um encontro | parte 2 |




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Última aula daquela tarde de sexta-feira. Apenas pouco mais de vinte e quatro horas para o tão esperado baile de “sejam bem-vindos a mais uma tortura, que atende também pelo nome de ano letivo”, ou ao menos era assim que alguns ali diriam.

Quase todos os nerds do ensino médio de Rosewood Day se encontravam concentrados no ginásio – incluindo Emily e Toby – , decorando-o para a noite seguinte, mas era óbvio que mais de noventa por cento das pessoas trabalhando ali não seriam as que desfrutariam do baile. Alguns, como Spencer Hastings (a Embaixadora Nerd de Rosewood Day), trabalhavam no anuário escolar e passariam a noite toda tirando fotos do evento ou escrevendo artigos sobre tal no jornal da escola; outros trabalhariam na comissão de contagem de votos para a eleição de Rei e Rainha do Baile. E era assim na vida real também, não era? Os ratos davam duro para que os gatos fizessem a festa (ou seria ao contrário?).

O lugar estava um quase completo desastre. Pessoas como Andrew Campbell – concorrente de Spencer quando o assunto era “vamos ver quem é melhor nesta sala de aula” – gritavam ordens para outros alunos, com pranchetas em mãos. Todos agiam como se a nação norte-americana estivesse em guerra. Emily sabia que, se virasse para trás, iria ver Toby recostado em uma parede, olhando para tudo aquilo distante enquanto revirava os olhos. Mas Emily não podia virar-se porque estava suando para se equilibrar em uma escada de metal bamba, enquanto segurava o lado direito de uma grande faixa azul que dizia “Sejam bem-vindos ao 87º Homecoming de Rosewood Day”, tentando pendurá-la. Susan Randall, uma garota de cabelos vermelhos encaracolados, colega de Emily na equipe de natação, estava à outra ponta da faixa. As duas estavam sob a mira severa de Spencer, que parecia ter não menos de trinta anos ao exibir toda aquela autoridade.

– Mais alto, Emily – ordenou Spencer.

– Estou tentando – rebateu Emily, sentindo as panturrilhas doerem.

– Não tente, faça! – gritou ela, lutando para ser ouvida naquele mar de gritos.

Emily bufou e ficou na ponta dos pés, porém se desequilibriou e teve um mini ataque cardíaco pensando que ia despencar dali e ter sua coluna partida em dois. Ela então soltou instintivamente a faixa e se segurou no arco da escada, suspirando em alívio ao ganhar estabilidade.

– Ah, meu Santo Deus! – grunhiu Spencer dando dois passos a frente e pegando a ponta da faixa de plástico que Emily deixara cair – Desça daí, vamos.

Emily obedeceu, feliz em tocar o solo liso do ginásio novamente, e Spencer tomou seu lugar no topo na escada.

Spencer Hastings era outra das várias garotas com quem Emily gostaria de desenvolver uma amizade. Sem segundas intenções, é claro. Emily apenas admirava a postura de Spencer em relação aos estudos. A figura esguia da garota e os cabelos crespos, longos e castanhos, de alguma forma combinavam com seu espírito de liderança. Emily nunca conversara muito com Spencer, mas imaginava que seria bacana ter alguém como ela em um grupo de amigos.

Ela estava certa, afinal. Toby se encontrava recostado à parede, parecendo bastante entediado. O garoto olhou para Emily e lançou-a um sorriso travesso.

– Achei que foi bem feito o seu quase tombo mortal – ele fingiu desinteresse – Vai te ensinar a nunca mais me arrastar para trabalhos voluntários desse tipo.

Emily deu de ombros e se pôs ao lado de Toby para observar o movimento. As arquibancadas, à direita deles, estavam vazias exceto por um ou outro aluno preguiçoso. Pessoas corriam de um lado para o outro prendendo balões azuis, brancos e prateados (as cores de Rosewood Day) nas paredes e o pequeno palco à esquerda, usado apenas para ocasiões como aquela, era um emaranhado de fios grossos e grandes caixas de som.

– Não é trabalho voluntário – Emily protestou – Eles dão nota extra para quem ajudar. Além do mais, eu gosto. Me sinto importante colaborando um pouco com tudo isso.

Toby se sentou no chão e Emily fez o mesmo.

– Bem, pode funcionar para você, mas acho que não sou o tipo de cara que colabora muito com o próximo.

Havia uma certa tristeza na voz dele quando ele terminou a frase de cabeça baixa.

– Eu discordo totalmente – afirmou Emily com um sorriso doce, pensando na última terça-feira, quando ele evitara que uma experiência traumática acontecesse entre ela e Ben.

Toby pareceu ignorar Emily por um instante e em seguida pescou de seu lado direito uma garrafa pet metade cheia de um líquido púrpura.

– Amostra grátis de ponche? – ofereceu ele.

– Não há álcool nisso, certo?

Toby negou, achando graça na pergunta e Emily fez uma careta depois de tomar um pequeno gole do que parecia ser suco de groselha morno e adoçado excessivamente.

– Viu? – disse Toby, apontando para a garrafa – Isso é provavelmente o que terá para beber amanhã à noite. E exatamente nesta temperatura.

Emily riu e eles ficaram um tempo em silêncio.

– Então... a razão pela qual você esteve em um reformatório foi porque não gosta de colaborar com o próximo? – indagou ela em tom de brincadeira, mas segundos depois se arrependeu. Toby não havia mencionado nada sobre isso e Emily não queria que ele começasse a pensar que ela era uma típica garota de Rosewood, que escuta e espalha fofocas.

O garoto riu, porém.

– Bem, eu já fui um cara bastante rebelde – disse ele apenas.

Emily olhou para os jeans folgados que ele usava, camisa xadrez preta e branca, tênis all star pretos – idênticos aos que Emily usava no momento – e por fim, para o corte de cabelo garoto-de-dez-anos que ele tinha.

– É claro que já foi – retrucou ela sem se preocupar em esconder a ironia.

Ao fim da frase, Emily viu que Spencer caminhava velozmente na direção deles, os saltos curtos ecoando no chão de madeira.

– Ei, Emily – ela jogou uma embalagem de balões nas cores azul, prateado e branco no colo de Toby – Encha-os – e depois apontou para Toby – E você, novato, ajude-a.

– Bem, então está certo – disse Toby devagar, um tanto sem entender, analisando a garota que já trotava para longe.

Depois de quase vinte balões enchidos e o gosto amargo de borracha já estar impregnado na língua de Emily, ela sente o celular vibrar no bolso da calça jeans.

– É a minha mãe – estranhou Emily, se apoiando no joelho de Toby para ficar de pé - Desculpe, eu tenho que atender.

– Sem problemas – garantiu Toby, pegando o último balão que restava para encher.

Emily abriu as portas duplas do ginásio já com o celular na orelha e se sentiu aliviada por estar em um corredor quieto.

– Mãe? O que foi?

– Oi, querida – disse Pam no outro lado da linha – Você já saiu da escola?

– Ainda não – respondeu Emily, estranhando ainda mais aquela conversa – Por quê?

– Bem, eu acabo de pedir para que te liberassem um pouco antes. Você não precisa ir ao treino hoje. E venham juntas, você e a Carolyn, para casa.

Irem juntas, a irmã e ela, para casa. Na única vez em que a mãe exigira tal coisa, fora quando a avó de Emily sofrera um aneurisma.

– Você pediu para que me liberassem? – indagou Emily, sentindo o ar se esvair de seus pulmões – Mãe, o que diabos está acontecendo? Você nunca me manda faltar aos treinos. Aconteceu algo com o papai?

– Nós conversamos quando vocês chegarem aqui, está bem?

Emily pensava estar ficando paranóica, mas ouviu a voz da mãe tremer enquanto dizia a última frase. E ela quase deixou cair o celular.

Ah, meu Deus! Era isso. Alguma coisa tinha acontecido com o pai. Teria ele sido beleado e estariam mandando-o agora em estado grave de helicóptero para algum hospital no Afeganistão? Pelo que Emily já lera na internet, os hospitais do país eram decadentes.

Emily gostaria de se auto estapear para manter-se calma. Voltou ao ginásio e por um segundo achou que tivesse perdido Toby de vista. O garoto se levantou, na certa percebendo o olhar assustado no rosto de Emily enquanto ela corria na direção dele, pegando a mochila que estava junto com outras ao pé do palco.

– Ei, o que foi? Está tudo bem? – perguntou Toby, preocupado.

Emily tentava juntar as palavras, mas estava realmente dificil.

– Eu não sei – gaguejou ela, tentando não chorar – Minha mãe mandou eu ir para casa. parecia que... – ela engoliu em seco – Pode ter acontecido alguma coisa com meu pai.

– Quer que eu te acompanhe?

– Não precisa, obrigada. Eu tenho que achar a minha irmã.

Emily não tinha certeza se já havia falado de Carolyn para ele, mas no momento não havia como. Ela atravessou correndo a escola até chegar a ala do ensino fundamental, onde alguns alunos desciam as escadas vagarosamemente. Esperou por pelo menos um minuto ali, andando de um lado para o outro, antes de pegar o celular e ligar para a irmã. Estava aflita demais até mesmo para chorar. A ligação caiu imediatamente em correio de voz.

– Carolyn, sua desgraçada! – irritou-se Emily – Essa é a pior hora para você bancar a boa aluna e desligar o celular na aula.

– Meça suas palavras, maninha – disse Carolyn por trás, o que fez Emily pular.

Emily virou-se para a irmã e esta franziu as sobrancelhas ralas e cor-de-laranja.

– O que deu em você?

Emily revirou os olhos e, com uma mão atrás das costas de Carolyn, empurrava-a para fora da escola. Contou-a apenas o necessário para não assustá-la, afinal, uma pessoa à beira de um ataque de nervos já era o suficiente.

Enquanto caminhava apressadamente junto de Carolyn, Emily entendeu o que Toby queria dizer com, teoricamente, “não gostar de colaborar com o próximo”. Se o pai de Emily morresse (ela se proibia de pensar tal coisa), seria tudo culpa do exército e dessa maldita sensação que Wayne dizia sentir a respeito de “servir à nação”. Que se dane a nação!, pensava Emily, dizendo a si mesma que se fosse vê-lo no hospital e ele estivesse consciênte, iria proibi-lo de continuar servindo ao exército. E fim de papo!

Ao abrir a porta da frente, Emily sentiu que suas articulações estavam enferrujadas. Um leve sorriso congelou-se em seu rosto e uma lágrima desceu de seu olho esquerdo enquanto Carolyn corria para se jogar nos braços de um homem de farda verde de camuflagem que estava sentado ao balção da cozinha.

– Papai! – a irmã gritou.

– Aí está a minha princesinha! – Wayne tirou os pés da filha mais nova do chão.

Ouvir a voz do pai fez Emily dar um passo a frente. A bagagem cor-de-areia dele estava junto ao sofá da sala. Ela adentrou cautelosamente a cozinha. E lá estava ele. E a mãe também, arrumada, de vestido preto e verde – combinando com a farda do marido – e saltos. Provavelmente fora buscá-lo no aeroporto. Seus lábios se curvavam de forma doce e tênue, e diziam “sinto muito por ter te assustado”. Emily a perdoava. E lá estavam também os distintivos na farda do pai, dos quais Emily sentia tanto orgulho. Seus olhos se encheram de lágrimas ao ler “C. Fields” – o C para Coronel – numa plaquinha de metal presa ao lado esquerdo do peito dele e abaixo, outra: U.S. Army – Exército dos Estados Unidos – , com uma minúscula bandeira americana ao lado.

Wayne pôs Carolyn cuidadosamente no chão e colocou os olhos na filha mais velha.

– Meu Deus, Emy, você está linda! – ele parecia estonteado – E cresceu tanto!

– Foram seis meses, papai – Emily se aproximou, rindo levemente e se sentindo um tanto encabulada ao olhar naqueles olhos naturalmente estreitos, devido à descendência filipina. Ele parecia mais velho.

– Não interessa! – disse Wayne, puxando a filha para um abraço – Quando eu saí daqui você ainda tinha catorze anos. Sinto tanto por ter perdido o seu aniversário, meu amor.

Com isso, Emily se entregou àquele abraço e às lágrimas. “Eu não ligo”, ela queria dizer. Mas o que saiu de seus lábios em um sussurro foi uma recomendação inocente e desesperada.

– Nunca tire o colete à prova de balas, papai. Nunca!

A família tinha uma única regra que era absolutamente infalível: depois que Wayne chegava de uma missão, falar sobre guerras ou sobre quantas pessoas morreram ou ficaram feridas em tal, era terminantemente proibido. Sendo assim, eles falavam sobre coisas felizes. As meninas contavam coisas sobre a escola e Pam o mantinha informado sobre o que acontecia na cidade no momento.

E desta vez não havia sido diferente. Com Carolyn recostada na perna direita do pai, Emily na esquerda, e Pam com os pés de alguma das duas em seu colo, eles matavam a saudade uns dos outros, isto é, porque se sentiam um tanto distantes durante o tempo que Wayne ficava fora, e ele parecia uni-los novamente. E aquele jantar havia sido um dos melhores para Emily em muito tempo.

Ela já estava entre as cobertas e um tanto sonolenta quando ouviu o celular tilintar no criado-mudo. Era uma mensagem de Toby. “Queria ter perguntado antes” – ele dizia – “Tudo bem com seu pai?”. “Sim” – ela respondeu – “Posso te ligar”? Emily sentia que precisava conversar sobre tudo aquilo. Porém foi Toby quem ligou. E Emily seu desabafo da madrugada concluiu com um:

– Estou tão feliz agora! – e afundou confortavelmente no colchão, o quarto já estava escuro e muito quieto.

– E eu estou muito feliz por você – disse ele docemente.

Emily riu de leve querendo dizer “obrigada”.

– E que bom que estamos ambos felizes – continuou Toby – porque eu tenho uma proposta de negócios para você.

Emily achou graça da voz zombeteira dele. Com certeza não iriam falar de negócios.

– Diga.

– Que tal se, bem, digamos que eu vá ao Homecoming amanhã. Você iria comigo? Como meu, hã, par?

O nervosismo na voz de Toby dizia claramente que ele nunca havia convidado uma garota para um baile, ao menos não formalmente. Emily sorriu, pensando ser a coisa mais fofa do mundo, mas em seguida franziu uma sobrancelha e deitou sobre seu lado esquerdo.

– Ué – começou ela – , até hoje você dizia que Homecomings eram besteiras.

– Bem, e são. Mas pensei que talvez fosse uma besteira que pudéssemos fazer juntos.

Emily corou e pensou abruptamente na proposta que Maya fizera-a na quinta-feira. Se dissesse sim para Toby, teria que ir a dois bailes em uma noite e ainda chegar em casa antes que seus pais chamassem a polícia. E principalmente, seria doloroso deixar um par, para ir ao encontro de outro. Então, Emily fechou os olhos e sorriu, sentindo uma confiança rara tomando conta de si. Ela conseguiria fazer isso. Iria aos dois bailes, agradaria aos seus dois pares e seria fabuloso!

– Você me convenceu – concluiu Emily, animada.

– Ótimo. Então eu te pego amanhã às nove?

– Mas começa às sete e meia.

– Que besteira! – Toby riu antes de desligar.


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