Parecia que tinha perdido os sentidos. As frases não se formavam, o corpo não mexia e as bocas, que ela via, não emitiam um som razoavelmente alto o suficiente para se sobrepor aos seus pensamentos . Percebia o olhar assustado do namorado, o sorriso debochado da inimiga e a preocupação da irmã, que a balançava freneticamente. Era a missão de Bianca acorda-la toda vez que se perdia nela mesma.

Poderia ter ficado imersa nessa latência infinita...mas não era do seu feitio sucumbir à passividade.

–Eu acho melhor você ter um motivo muito bom para ter atrapalhado a minha aula. –A professora, por outro ângulo, não era uma pessoa que esperava ou entendia alguns sintomas da síndrome do pânico.

A moça de olhos azuis direcionou o olhar para a senhora que esperava uma resposta decente e tentou lembrar do motivo de sua aparição repentina.

–Jeff- a voz de Karina saiu sufocada e ela então percebeu que estava realmente prendendo a respiração.

Todos na sala trocaram a atenção que davam para o guitarrista e passaram a revezar olhares entre a lutadora e o dançarino.

– Eu?- o garoto apontou para si mesmo. Não era pra ser diferente. A calmaria nunca dura o tempo necessário para que a turbulência torne-se saudosa portanto, o garoto ja se preparava para algum tipo de problema.

A garota não desgrudou os olhos do namorado e despejou todo a razão da sua vinda em uma frase simples e sem complicações.

–O bebê tá nascendo.

O garoto ,que estava se tornando pai, sentiu o corpo todo amolecer e procurou a barra para se equilibrar. Foram breves segundos de fraqueza que em nada afetaram seu julgamento. Segurou com mais força o ponto de equilíbrio e se atirou para fora da sala sendo seguido pela professora e a grande maioria dos alunos curiosos.

–Ka! Ka! – a voz do garoto saia fraca e tremida, a falta de gritaria ou qualquer tipo de violência por parte da namorada o deixava ainda mais preocupado.- Ka...não é nada disso que você ta pensando. A gente só tava fazendo um passo da coreografia da Lucrécia e ai..

A menina não deixou o namorado continuar. Estava mentalmente cansada. Não era a primeira e nem a última vez. O problema é que ela sabia que a culpa não tinha um destinatário certo.

–Pedro...eu... eu preciso voltar pra academia ta? Depois a gente conversa.

Varreu a sala em uma ultima suplica de volta a realidade e esquecimento da cena observada ali e caminhou apressadamente para fora do local .Seria muito fácil escapar mais a voz da inimiga a fez para no meio do caminho para saída. Resolve então ficar por lá, escondida e observando atentamente os movimentos da dupla que agora engatava uma conversa tensa.

–Nossa! Nem acredito que sobrevivi...acho que a sua namora ta aprendendo a se acostumar com a minha ....presença.- a moça de olhos marcados e maquiagem perfeita se aproximava cada vez mais do rapaz que ainda estava confuso com as reações derivadas do susto.

–Olha Vicky...eu ja te falei pra você ficar longe de mim e da Ka...eu não garanto a sua integridade física até lá e vamo combinar que esse seu papinho ja encheu.

–Mas vai dizer que você não sente alguma coisa..nem um pouquinho...- A moça ja estava deslizando os dedos na fábrica do tecido da camisa dele. A proximidade o deixava zonzo mas também enojado pela atitude dela.

–Eu não vou dizer que você não é bonita...mas você só não é o meu tipo...

–E o seu tipo é o que? Aquela lutadora que faz cosplay de garoto? Que não sabe usar um vestido e tem aversão por maquiagem? A por favor Pedro...eu não acredito que você tem estomago para aquilo.

A realidade a atingia de maneira cruel. Não poderia negar nenhuma das acusações da cantora e sentia que poderia estar perdendo terreno para a curiosidade e a insegurança. Precisava fazer algo sobre aquilo tudo...e resolveu que não teria a frieza necessária para descobrir a resposta do namorado. Saiu dali decidida...precisava mudar...só não sabia exatamente o porque.

Enquanto isso, Pedro tentava acalmar suas reações biológicas com pensamentos sobre o futuro sogro. Amava a namorada mais do que qualquer coisa...mas era homem...e jovem...a luta que acontecia era entre seu corpo e sua mente. Nada muito justo já que os hormônios circulavam mais rápido do que as conexões neuronais no momento.

Sentiu a menina o cercar e se preparar para beija-lo até que ele segurou firmemente nos braços dela e a fez entender que a batalha seria bem mais difícil do que pensava ser.

–O meu tipo é a Karina. E só ela. Vê se entende isso de uma vez por todas!

Ele a largou e saiu da sala com a respiração acelerada e repetindo mantras aprendidos em algum programa de tv sobre tranquilidade e equilíbrio. Procurava soluções e só encontrava desafios.

*

O resto do dia transcorreu entre nervosismos e boas noticias. Jeff e Mari ja estavam mimando muito o recém chegado. As aulas na ribalta foram canceladas devido a dispersão total dos alunos e a academia não parou seu funcionamento mas também não exigia muito dos alunos, ja que os mesmos buscavam noticias dos mais novos papais.

As irmãs Duarte resolveram que o aconchego da casa seria a melhor opção do dia. Ficariam perto do telefone e disponíveis. Cada som de mensagem e barulho de notificações elas pulavam de susto e de adrenalina. Até que uma estranha mensagem fez Bianca gritar de emoção assustando a irmã ao seu lado.

–Aii eu não acredito!

–O que foi? Foi alguma coisa com o Jeff e a Mari? Foi com o bebe?

–Não Ka! Eu....eu fui escolhida pra desfilar pra nova coleção daquela estilista super belga naturalizada brasileira sabe?

–Não

–É...eu devia saber...mas enfim...eles viram meu currículo e as fotos que eu fiz pra coleção de sapatos e agora querem que eu desfile pra eles.

–É serio isso Bi?

–É sim olha aqui!- a garota mostrou o email para a lutadora que não sabia ao certo o que dizer. Estava feliz, claro, mas gostaria de poder entender toda a complexidade que envolvia o universo da irmã.

–Mas isso é seguro Bi?

–É sim olha aqui...o email e deles e esse outro que veio com copia é o email da dona da loja de sapatos.

–Nossa...então...Parabéns irmã...você merece.

–Aii obrigada!!- as duas se abraçaram no mais apertado dos abraços...uma cumplicidade tão bonita que seria uma pena se acabasse...e Bianca bem sabia disso.

–Olha eu vou ligar aqui pra ruiva e qualquer novidade do Jeff você grita.

–Ta.

Karina observou a jovem atriz e modelo sair do quarto entre gritinhos histéricos e muitas risadas empolgadas.

Voltou-se para o computador e pesquisou sobre a tal estilista, viu alguns vídeos de desfile, observou as roupas ousadas e elegantes e o poder que emanava das modelos a cada clic fotográfico, a cada passo dado com firmeza na direção da plateia. O olhar de superioridade e a sedução evidente. Desejava ser uma delas e não sabia ao certo o porque. Passou o resto do dia assim...Sentindo falta do que nunca teve, matando curiosidades recentes e cobiçando uma nova pessoa dentro dela. Uma nova Karina.