Garota Camaleão escrita por Aurora


Capítulo 14
Arrependimento


Notas iniciais do capítulo

Mais uma dose de drama puro pra vocês.



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Alison,

É natal, querida. É natal e pra mim essa época é tempo de esquecer um pouco das promessas que fizemos, natal é época de coisas boas,e só, pelo menos deveria ser. O natal é brilhante, existe muito brilho no natal, temos as luzes brilhantes, os brilhos nas bolinhas que enfeitam a arvore, o brilho no olhar. Seu natal está sendo brilhante, meu amor? O meu não.

Acho mesmo que a culpa é minha, por ter resolvido quebrar minha promessa e por esses meus conceitos tolos, eu poderia impedir se não fosse tão teimosa, tão burra e tão ruim em planejamentos. Mas eu queria entregar meu presente de papel brilhante para Lucas, e ele disse que estava com saudades e não entendia o porquê de eu ter me afastado, eu também não entendo, Alison, mas me pareceu muito necessário, eu deveria ter continuado desse mesmo jeito. E hoje é dia vinte e cinco de dezembro e deveria ser um dia bom e brilhante, mas eu não vi nada de brilho quando aquele carro atingiu o corpo de meu amigo Lucas na rua de trás da minha casa. Eu o vi flutuar, cair no chão e se contorcer, meus olhos quase não suportaram tamanha dor, eu queria ter ajudado, mas meu corpo travou e eu só vi o carro fugir daquela rua.

Aquela rua que agora carrega ainda mais sofrimento, essa rua, Alison, o que tem de tão errado com ela? Queria saber para poder tentar concertar, talvez se eu conseguisse o corpo de Lucas não precisasse ter esfriado ali. E tudo que eu conseguia fazer era chorar, e as lágrimas já parecem fazer parte de mim, e eu ouvia os gemidos de dor de Lucas e queria mais do que tudo poder acabar com aquilo. Eu fui até ele, jogado naquela rua, com um presente em mãos e uma única lágrima escorrendo pelo seu rosto, e então eu percebi que o amava. Eu amava Lucas e continuo amando, mesmo ele não estando mais aqui, eu amava aquela bondade e insegurança, amava aquele sorriso e os cabelos pretos, amava como ele gostava de mim e amava todo o seu arrependimento, e eu o amei quando se fez silêncio na rua, eu o amei quando ele finalmente parou de tentar lutar, e amei até mesmo aquele sangue que descia de sua cabeça, porque eu queria amar cada parte dele como única. Eu queria dar-lhe todo o amor que houvesse nesse mundo, mesmo que a minha cota de amar estivesse esgotada, eu queria poder dizer para ele o quanto eu o amo, e queria não ter percebido isso tarde demais.

Mas agora ele se foi, e tudo o que eu sinto é culpa, culpa porque sou uma pessoa horrível demais, culpa porque tive medo do que poderia acontecer para mim nessa manhã. Culpa porque não consigo parar de chorar, como se fosse eu a causadora de tudo isso, eu acho que sou, Alison. Um fato é que Lucas não merecia morrer, Lucas merecia uma vida longa só por ser tão boa pessoa, Lucas merecia esquecer aquele amargo que já teve e merecia um bom amor, um amor muito melhor que o meu. Você deve entender que eu sou meio mal amada, não posso amar muito bem sem exemplos então. E aquela rua me pareceu ainda pior e eu não tive forças para tirar Lucas de lá, e tudo o que eu consegui fazer foi ligar para aquela ambulância e ver seu corpo sair do campo da minha visão naquela maca. E então eu tive certeza que não aguentaria mais nada. Minha paciência, minha força e minha sanidade parecem ter escorrido como nunca agora. Você já teve a sensação de que está por um fio, mas algo aparece e faz querer mudar isso? Lucas foi esse algo, mas o pior é que quando você sustenta seu peso nisso e ele vai embora a dor se multiplica. Apesar de eu ter sido tão ruim eu percebo agora o quanto o amo, e tenho certeza que faria diferente se pudesse voltar atrás. E a culpa foi minha por ele ter passado naquela rua nesse dia vinte e cinco de dezembro com aquele presente, e eu sou a causadora do caos, sou o caos em pessoa, e Lucas não merece a morte assim como não merece alguém como eu. E agora eu choro também por culpa multiplicada, porque sei que eu poderia ter impedido, mas agora não há nada a fazer.

E é natal, Alison, mas nada brilha por aqui, só apaga. Apaga assim como Lucas se apagou e morreu, apaga do pior jeito que pode existir. E eu queria que não fosse natal, assim eu não compraria o presente e nem descumpriria minha promessa, e eu queria que você estivesse aqui para me consolar, porque você seria forte por mim. E eu temo que você tenha tido o mesmo destino de Lucas, e eu choro por isso também. Eu choro já nem sei por que, Alison. Mas hoje meu coração se apagou assim como aquela única luz brilhante na rua de trás da minha casa quando o carro acertou em cheio o corpo de Lucas, e a luz continuou apagada quando ele caiu, e só se acendeu quando eu fui corajosa o suficiente para correr até ele. E eu derrubei minhas lágrimas por cima daquele rosto, e quando senti seu corpo relaxar eu fechei os olhos dele como se ele estivesse apenas dormindo, e tentei acreditar naquilo enquanto olhava para aquela luz brilhante, mas ela também parecia meio apagada em meio a tanta tristeza. E eu me sinto horrível, e meu desejo nesse natal é sair de mim, desistir desse meu resto, desistir dessa pessoa que já desistiram tanto, todos vão embora no final, ninguém fica. E Lucas teve o pior jeito de se ir, se é que eu posso sofrer ainda mais com alguma partida. E eu tenho certeza que a culpa disso tudo é minha, por ser assim tão horrível. E eu já não me sinto mais em mim, espero que papai Noel seja um homem bom e faça o resto do trabalho me tirando de mim de vez.

Eu acho que não vou aguentar, desculpe. Nunca fui boa em promessas, Alison, mas vale lembrar que ainda te amo. E agora sou a campeã em sentir saudades, e ganhei um abraço de minha mãe. Quando eu cheguei chorando em casa gritando palavras sem sentidos, ela me segurou e me abraçou, como as mães devem fazer. E eu chorei ainda mais por ela, por nós. E não vou ao velório de Lucas, pois não acho que vou aguentar alguma coisa sequer nesses tempos. E eu estou muito cansada, eu quero parar de chorar e parar de escrever essas cartas, mas esses são meus únicos refúgios em meio a tudo isso, eu só tenho dezesseis anos e existe vida pela frente, mas esse caminho me parece tão obscuro que tenho certeza que não vou conseguir continuar. E sorrir já não é mais uma opção aceitável, eu quero voltar no tempo. E o rombo no meu coração só aumenta, e tenho a impressão de que isso vai me engolir.

Com saudades, dúvidas, confusão, leveza, mais saudades, felicidades, amor, descobertas, dor, desespero, tentativas, muitas saudades, promessas e arrependimento,

Lúcia.


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Notas finais do capítulo

Desculpem-me por isso.