Gostava tanto de você escrita por Daughter of Zeus


Capítulo 8
Capítulo 8


Notas iniciais do capítulo

Olá, terráqueos.



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Evitei olhar para ele no café da manhã. Depois do incidente, corri para o meu quarto, e, com chuva ou não, medo ou não, permaneci lá. Vítor não veio atrás de mim, o que eu agradeci. Já tinha sido estranho o suficiente sem debater sobre o assunto.

Nem é preciso dizer que não consegui dormir. A chuva só deu uma trégua quando já estava quase amanhecendo, e, mesmo se não tivesse uma gota caindo do céu, eu estaria inquieta. Tocava meus lábios, imaginando por que diabos Vítor havia feito aquilo. Por algum pouco tempo, ainda pude sentir o gosto de morango (que acho que se deve ao estoque de Trident que ele mantém, encontrei vários esses dias) ao passar a língua por eles.

Admito que me deixei levar. Não sei se foi pelo choque, ou o que, mas já tinha ido bem mais longe do que gostaria. Talvez pela experiência. Não tinha sido meu primeiro beijo (obrigada Matheus, segundo colegial), mas era o segundo. Droga, mas quem é que está contando?

Ele me levou para a escola, falando mais que uma vitrola. Uma vitrola quebrada, repetindo as coisas. Não falou nada sobre ontem, mas discursava sobre minhas aulas, e como deveria começar a estudar para os vestibulares. Contava sobre as melhores faculdades, perguntando se eu já tinha escolhido um curso. Eu dava de ombros, e quando ele perguntou se tinha algo errado só disse que estava memorizando o caminho, já que voltaria para casa sozinha a partir de segunda. Não sei se Vítor engoliu muito bem, mas ficou quieto durante o resto do trajeto.

Ao parar diante do prédio, abri a porta do carro e teria disparado para se fora se meu irmão não tivesse segurado meu braço. Olhei para ele. Ele ia falar alguma coisa. Ai, meu Deus, o que eu responderia? E se...

— Você esqueceu o dinheiro - Disse, somente.

— O que?

— O dinheiro, Mia. Para comer no intervalo - Vítor me passou umas notas amassadas, pelas quais agradeci rapidamente, e, depois de responder seu "bom dia", me dirigi aos degraus de entrada. Júlia estava lá, e me pegou pelo braço animadamente quando me aproximei, puxando-me para dentro. O que foi bom; mostrava à Vítor que eu não era completamente solitária.

— Quem era aquele? - Ela perguntou assim que me colocou no meio dos corredores.

— Quem?

— O cara que te trouxe para cá. Era seu namorado? - Os olhos dela brilhavam.

Não! - ri - Era meu irmão.

— Porque eu achei ele muito gato. Tipo, ai meu Deus— Júlia fingiu se abanar, entrando na sala - Apresenta para as amigas, cretina - eis a questão. Amiga, ou amiga-refeitório? - Enfim - continua ela, daquele jeito de sempre, impossível de se calar - meu primo chega hoje.

— Hm - Fiz, sentando-me em minha carteira, completamente desinteressada na vida do primo dela.

— Ele não é meu primo tipo primo de verdade - ela se sentou ao meu lado - É algo como primo de trocentésimo grau - Trocentésimo? Isso existe mesmo?

— Legal - Falei.

— O nome dele é Lucas. Ele está na nossa classe. Estava viajando, mas deve chegar daqui a pouco.

— É?

— Poxa, Mia. Você não facilita mesmo, hein. A gente tenta conversar com você, mas está sempre calada. Não fala direito, e nem conta sobre você mesma. Parece que estou conversando com uma parede.

— Desculpe - Digo, completamente absorta em pensamentos. O tempo ainda estava nublado, o que me trazia algumas lembranças nem tão agradáveis da noite anterior. Ou foram? Nem sabia mais o que pensar.

— Desisto - Júlia atira as mãos para cima, levantando seu colete. Aparentemente apenas o uniforme não é bom o suficiente para ela, já que sempre o complementa com alguma peça no mínimo, digamos, diferente. O look de hoje contava com uma calça e um colete de couro. Devia estar bem quente e desconfortável lá dentro. Torci para que não fosse verdadeiro. Quer dizer, não sou ambientalista ou defensora ferrenha dos animais, mas tirar a pele de um só para fazer uma peça de roupa era meio... cruel.

Mas ela não tinha desistido, não. Após alguns segundos disse, numa tentativa óbvia de continuar tentando puxar assunto:

— Seus pais devem gostar disso. De você ser quietinha assim, digo.

— Eu não tenho pais - Falo, esquecendo-me de que não contaria nada à ninguém. Tive que me controlar para não cobrir a boca com os dedos.

— Ah - é engraçado como esse é o tipo de assunto que faz até mesmo alguém como Júlia se calar - Sinto muito.

— Não sinta.

Pelo menos ela me deixou em paz por um tempo.

Havia uma coisinha que Júlia esquecera de mencionar sobre seu primo de trocentésimo grau: ele era lindo. Como aqueles dos filmes adolescentes, que sempre eram exibidos e se achavam a última bolacha do pacote, além de namorar uma guria loira que sempre é a arqui-inimiga da personagem principal. Mas Lucas era até que legal. Digo, não conversamos muito, mas parecia ter muitos amigos, e não namorava nenhuma Regina George, daquele filme que assisti em umas das poucas tardes quentes e tediosas no apartamento. Ele parecia inteligente, também. Mal voltara da tal viagem e já haviam pessoas pedindo sua ajuda em diversas matérias. Fiquei tentada em pedir uma mãozinha em química ou matemática, mas me acanhei no último segundo.

Seus olhos eram de um castanho tão claro que parecia mesclado com raias verdes. Não costumo ficar reparando nas bocas de garotos, mas ele tinha lábios grossos e bonitos. Ele sorriu para mim algumas vezes e eu juro que senti como se minha barriga estivesse esquentando.

— Mia? Mia, estou falando com você - Júlia beliscou meu braço, sentada ao meu lado na mesa da cantina. De um tempo para cá, isso vinha acontecendo bastante. Ficava tão absorta em pensamentos que pessoas vinham e falavam comigo, mas era como se nem existissem - Você é muito desligada.

— Deixa a menina, Jú - disse uma garota bonitinha, amiga de Júlia, que se não me engano se chamava Luísa - Ela parece estar cansada. Não dormiu direito, querida? - Ela falava como se fosse bem mais velha, e estivesse cuidando de todos ali. Cuidando de mim.

Balancei a cabeça. Não admitiria a uma estranha que tinha medo de tempestades, não é mesmo? Faça-me o favor.

— Pare de bancar a psicóloga, Lu - falou Júlia - Terá muito tempo para isso na faculdade. Enfim. Mia, quer sair com a gente hoje? Estamos torcendo para ser mais extrovertida fora de escola, porque né...

— Júlia - Repreendeu Luísa, levemente.

— Que foi? Ah, deixa pra lá. Você quer vir?

— Acho que meu irmão não vai deixar - Respondi, hesitante. Eu não sabia se ele deixaria ou não. Estava com ele há menos de uma semana, e nunca chegara perto de pedir alguma coisa assim. Além de que planejava evitá-lo mais um pouco.

— Mas você quer? - Era esse o problema. Eu queria? Nem os conhecia direito, e provavelmente só estavam me convidando porque a Júlia devia ter contado sobre a "pobre garotinha sem pais". Mas, pensando bem, era uma oportunidade de se promoverem de amigos-refeitório a colegas.

— Quero - Respondi, não totalmente certa.

— Então eu falo com seu irmão.

— Você faria isso mesmo?

— Falar com ele? Mas é claro — Ela abriu um sorriso malicioso. Revirei os olhos. Seria legal ver Júlia, com suas roupas diferentes e ocasionais manchas de tinta pelo corpo, dando em cima do meu irmão. Para não dizer engraçado.

O resto do recreio se passou com ela contando a todas as garotas (e alguns garotos pareciam interessados, também) que quisessem ouvir sobre a beleza estonteante de Vítor. Ela só tinha visto-o no carro, quando me trazia ou me buscava. Simplesmente não podia saber sobre "músculos maravilhosamente desenvolvidos". Tive que controlar meus olhos, para que não ficassem rolando. Ri em algumas partes inapropriadas da história, mas Júlia me olhava de um jeito que parecia querer dizer "posso continuar, por favor?", e eu me calava. Foram longos vinte minutos.

—_________________________________________________________

E não é que ela falou mesmo com meu irmão? Percebi que tinha jogado os cabelos curtos para trás, em um aspecto natural, e reaplicado o gloss. Puxava Lucas atrás dela como se fosse um acessório, dizendo que Vítor sentiria que eu estaria mais protegida se tivesse um cara saindo conosco. Fechei a cara com o comentário machista, mas não disse nada.

A coisa é que, quando Vítor parou o carro na frente da entrada do colégio, Júlia disparou para lá tão rápido que acabamos ficando para trás. Lucas estava com uma expressão contrariada, e eu com medo do que a doida falaria. Será que mandaria umas diretas no pedido para que eu os acompanhasse até o barzinho em que iriam a noite? Chegamos lá, e parei ao lado dela, que estava debruçada na janela aberta.

— ...é tranquilo, não sei se você conhece, já que acabou de se mudar, mas só vamos no Chaplin - Dizia ela. Nem eu sabia que Vítor havia acabado de se mudar. Pensara em perguntar, mas sempre me esquecia.

— Não é um bar? - Perguntou ele, franzindo as sobrancelhas.

— É, mas é um lugar bem legal. As pessoas e tudo mais, gente boa.

— Não são novos demais para frequentarem bares? - Júlia abriu seu melhor sorriso, e fez um gesto com a mão como se dissesse "que é isso".

— Temos dezessete. E a coisa lá é calma mesmo. É como um restaurante, só que mais animado. Tem música ao vivo, também.

— Não sei não - ele olhou para mim, atrás do ombro da garota - Não sei se Amélia já te contou, mas somos só nós dois. Sou meio superprotetor.

— Nós vamos lá quase toda sexta e nada aconteceu conosco ou com qualquer outra pessoa enquanto estivemos lá dentro. Não tem bêbados desagradáveis falando alto, ou molestando garotas nem nada disso. Aliás, não tem ninguém "molestando" a gente mesmo, graças ao nosso cão de guarda aqui - ela apontou para o primo, que lhe lançou um olhar mais que assassino - Sério, ela vai ficar bem.

— Tudo bem. Mas eu a levo, e busco. No horário que combinarmos.

Júlia soltou um gritinho de alegria e deu um tapinha no meu braço, se afastando para que eu entrasse no carro. Quando ia fechando a porta, ela interrompeu:

— Ei, Mia, passe o número do celular, para combinarmos certinho, e tal.

Antes que eu dissesse que não tinha celular, Vítor ditou um número que imaginei ser o seu. Esperamos anotar em seu próprio aparelho, e Vítor ligou o carro. Antes de nos afastarmos o suficiente para não mais ouvir suas vozes, consegui escutar Júlia dizendo para Lucas:

— Eu sabia que você seria uma presença forte, cãozinho - Se o garoto pudesse realmente latir, a hora era agora.

— Parece que você fez sim amigos - Constatou Vítor, após alguns minutos.

— Pois é - Falei.

— Que bom.

— Pois é - Repeti.

Queria falar com ele, mas sempre que abria a boca memórias da noite anterior brilhavam por trás de minhas pálpebras. Meu Deus, isso me perseguiria para sempre. Por que ele fizera aquilo? Eu queria saber, mas não tinha um pingo de coragem para abordar o assunto. Que vergonha! O segundo beijo de toda a minha vida havia sido com meu irmão. Ai. Apesar de ele beijar relativamente bem (talvez, com toda minha falta de experiência, não fosse difícil me impressionar), simplesmente não parecia certo. Não era certo. Não é mesmo?

— Você não disse que tinha se mudado há pouco - Foi a primeira coisa que me veio a cabeça quando tentei pensar em algo para conversar. Algo para tirar meus pensamentos daquele assunto.

— Ah, então. Sim, me mudei uma semana antes de te buscar.

— Uma semana antes de me buscar? Por que?

— A cidade que eu morava era menor. Bem menor. E consegui um emprego mais lucrativo aqui com um... amigo.

— Joaquim? - Quis saber.

— É.

— Ah. É.

— Está silenciosa hoje. O que houve? - Olhei para ele, com a descrença óbvia em meu rosto.

— O que houve? - Repeti.

— Está parecendo um disco riscado, Mia - falou Vítor, rolando os olhos - Vai, o que foi?

— Nada - Disse, com a voz exalando incredulidade. Deixando o "tudo" implícito no tom. Ou o "ontem a noite".

Ele parecia saber exatamente o problema. Só estava se fazendo de desentendido, aparentemente. Queria me fazer falar. Mas. Que. Maldade! Um meio sorriso estava em seus lábios, expressando mais malícia no pequeno gesto do que eu conseguiria com mil tentativas de caras e bocas.

— Que bom - finalmente respondeu, depois de alguns segundos - Aquela sua amiga, qual o nome dela mesmo?

— Júlia - Talvez, se ele dissesse que achou-a bonita ou algo assim, e eu os apresentasse, conseguiria para de relembrar a sensação de seus lábios nos meus.

— Alguém precisava ter avisado a garota que tinha uma mancha enorme de tinta azul no pescoço dela - afundei no banco, desapontada - Que foi? - ele olhou na minha direção - Você é estranha.

Ah, obrigada, pensei, quando entramos no estacionamento do prédio. Muito obrigada.


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Notas finais do capítulo

Espero que estejam gostando! Me contem suas opiniões, e o que precisa ser melhorado :) beijos



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