Depois do Clichê escrita por Carolina Amann


Capítulo 2
Capítulo 2 - Clichê: Os Jogos do Destino


Notas iniciais do capítulo

♡ E aí, chuchus? Como estão? Preparados para mais um capítulo de Depois do Clichê? Aqui as coisas começam a esquentar - em todos os sentidos da palavra -, bora ler? Então aproveitem! >u<
P.S.: Perdoem possíveis erros de digitação, mas me avisem da existência deles para que eu os conserte! ♡



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Acordei às oito horas e quinze minutos da manhã, com meu celular vibrando incessantemente em minha orelha. Ainda meio zonza, encarei o display do aparelho, que exibia a foto de minha mãe, sem pensar mais, atendi a chamada.

– Alô? – perguntei, soltando um bocejo.

– Bom dia, filhota! – a voz do outro lado da linha parecia animada – Que bom que está acordada! Seu pai ganhou uma folga neste sábado, pensamos em passear pelo museu que fica no Parque do Bonsai… - levantei-me com um salto. Papai estava em casa! Só os céus sabiam como aquilo era raro, o laboratório de pesquisas onde trabalhava sugaria até sua alma se ele permitisse.

– Okay! Chego ao parque daqui a uns dez minutos! – exclamei, desligando o telefone.

Tirei às pressas o pijama que Rachel havia me emprestado, vestindo novamente a roupa do dia anterior. Em seguida, penteei os cabelos curtos e escovei os dentes – sempre levava alguns itens de higiene e primeiros socorros na bolsa, escova de dentes era um deles –, acordando minha amiga quando estava pronta. Ela me encarou sonolenta.

– O que foi? – perguntou com um bocejo.

– Meu pai conseguiu uma folga hoje, estou indo com eles até o museu. – disse, empolgada – Não se esqueça de tem o ensaio das lideres às nove, ou seja, tem quarenta minutos para se arrumar.

– Caramba, Minerva! Por que não me acordou antes? – ri de sua reação exagerada, enquanto a negra me acompanhava até a porta, ela demorava séculos para se arrumar. Dei-lhe um beijo no rosto e segui para o ponto de encontro.

Rachel morava a mais ou menos cinco quadras de distância do parque que, de modo que não achei necessário pegar um metrô e decidi ir andando. Caminhava animadamente, estava feliz com o fato de poder passear com meus pais como uma família normal. Meu pai, George Petterson, era um famoso cientista, tendo um vasto conhecimento dentro das áreas de química, física e biologia. Ele já havia feito zilhares de viagens para fins de estudos e catalogação de espécies – das quais ninguém além dos especialistas podiam participar – e passava a maior parte do seu tempo numa espécie de “laboratório-apartamento” designada para os cientistas que trabalhavam para o governo. Rachel não tinha sombra de dúvidas de que ele devia prestar serviços na Área 51, mas não tínhamos como saber. Ele era proibido de comentar sobre o que fazia em seu trabalho.

Minha mãe, Elizabeth Petterson, além de professora de história em algumas universidades famosas do país, também era uma renomada arqueóloga e só estava em casa agora por terem encontrado sítio arqueológico aqui perto, com alguns fósseis de ancestrais do homo sapiens que poderiam ser a resposta para alguns elos perdidos – embora minha mãe não estivesse muito confiante sobre isso. Em resumo, meus pais viajavam muito e eu passava a maior parte do tempo em que estava em casa acompanhada por Anne, a cozinheira e empregada rechonchuda, e Sidney, o jardineiro semanal. Embora parecêssemos uma família estranha aos olhos da maioria, esses contratempos não diminuíam em nada a forma como nos amávamos, pelo contrário, só aumentava, pois valorizávamos ao máximo o tempo que possuímos juntos, planejando diversas viagens familiares quando as férias dos dois coincidiam. Já havíamos conhecido quase toda a Europa e as Américas, tendo ido também à África do Sul recentemente. Por sermos adeptos da “slow travel”*, acabávamos demorando mais para conhecer os lugares, mas no final das contas compensava. Ainda estavam em nossa lista de “lugares para conhecermos antes de morrer” o Japão, a Índia, a China, a Austrália e a Rússia, sendo que algumas dessas viagens poderiam levar meses.

Perdida em meus pensamentos, andava distraída e parei de supetão ao ver que o sinal para pedestres estava fechado, sem querer, um homem alto, de pele e olhos claros, cabelos castanhos e profundas olheiras, trombou em mim.

– Desculpe! – pedi assustada com o choque, afinal não era sua culpa e sim da minha distração! Meu coração batia acelerado.

– A culpa é minha, eu estava muito perto. – comentou ele, encarando-me profundamente. Senti um arrepio, suas órbitas pareciam estar vazias, de algum modo.

Virei-me de frente para o semáforo, esperando-o ficar verde com impaciência, queria acabar com aquele encontro constrangedor o mais rápido possível. Um movimento me chamou atenção do outro lado da rua, Frederick estava lá. Vestido com seu shorts de corrida branco, uma regata azul clara extremamente provocativa, tênis esportivo e uma garrafinha de água na mão. Eu havia esquecido completamente de que ele morava perto de Rachel e praticava corrida todas as manhãs. Ele me encarou surpreso, parecia disposto a dizer algo, mas eu virei o rosto na direção oposta, com o canto dos olhos, vi-o abaixar a cabeça e socar o poste de leve. Quando o sinal abriu, passamos um pelo outro como se fossemos desconhecidos: ele correndo a trote, de cabeça baixa, e eu pisando firme, com o pescoço reto e rígido. Aquela situação não estava me fazendo bem, não gostava de tratá-lo assim, mas meu orgulho não permitia que eu agisse de forma muito diferente. Atrás de mim, os passos do moço com quem eu havia trombado prosseguiam ritmados e eu os usava como desculpa para não sair correndo atrás de Fred: não queria trombar com o homem mais uma vez. Balancei a cabeça como que para desanuviar a mente, estava disposta a me concentrar no final de semana maravilhoso que estava prestes a ter com a minha família.

Entrei numa padaria que havia na esquina seguinte e comprei algumas baguetes, seis croissants de presunto e queijo, algumas carolinas de chocolate e uma garrafa de chá de pêssego com limão. Surgira em minha mente a ideia de um piquenique, coisa que não fazia desde que era criança. Ao sair do estabelecimento, notei que o homem alto com quem havia trombado encostara-se ao poste, encarando o relógio como se esperasse alguém. Então ele ergueu os olhos e sorriu para mim, como se me convidasse a continuar minha caminhada. Meu coração deu um salto e congelou, sentia-me paralisada enquanto era encarada por aqueles frios olhos azuis. Fui tirada de meu estupor por uma senhora idosa que tentava deixar a padaria, mas não conseguia sair devido ao meu corpo estacado em frente á porta do local. Engoli em seco e continuei minha jornada, agora mais consciente dos passos que me seguiam. Por duas vezes olhei para trás e por duas vezes o homem sorriu para mim, meus batimentos cardíacos eram apressados e descompassados, o medo estava me dominando. Acelerei o passo e, pelo barulho de seus sapatos, percebi que ele fazia o mesmo. Tentei ser fria, racional, não podia deixar minhas emoções me dominarem. Sabia que mais à frente existiam duas entradas estreitas, uma delas daria em uma rua paralela a que eu estava e a outra seria uma beco sem saída. Em vão, procurei recordar qual delas era a passagem e qual o beco. Infelizmente, eu não tinha mais tempo para pensar, os passos estavam se tornando mais próximos a cada segundo. Respirei fundo em entrei na primeira, com passos largos. Era o beco. Pensei em voltar, mas, quando me virei, vi a silhueta daquele que me seguia esperando por mim na entrada do pequeno espaço entre os prédios comerciais. Ele avançou em minha direção e eu caminhei para trás, amedrontada pelo canivete que ele rodava na mão esquerda. Algo me dizia que ele queria mais do que minha bolsa ou a sacola de quitutes. Alguns segundos depois, bati com força na grade de ferro que ficava ao final do beco, já não havia para onde correr, o perseguidor continuava caminhado até mim, cada vez mais próximo. Fechei os olhos com força e molhei a garganta, estava prestes a gritar por socorro quando ouvi o baque seco de um corpo sendo empurrado para a parede, seguido de um gemido abafado de dor. Abri os olhos e pude ver Frederick dando uma chave de braço no meu perseguidor, o canivete caído no chão.

– Se importa de deixá-la em paz? – perguntou friamente – A dama é minha acompanhante – disse Frederick, chutando o canivete para longe. Pude vê-lo socar o corpo do homem na parede do beco, abusando de sua extraordinária força – Não se aproxime dela novamente. – ele sussurrou. Fred soava ameaçador. Na sequência, largou o homem, permitindo que ele corresse desajeitado para fora do beco. O loiro me encarou com seus olhos castanhos preocupados.

Eu tremia dos pés a cabeça. A sacola da padaria jazia caída no chão e o meu corpo escorregava lentamente, apoiado nas grades de ferro, enquanto as lágrimas caíam. Não conseguia dizer qualquer coisa ou emitir qualquer som que não fosse um soluço abafado. Fred andou até mim, apanhou a sacola e me estendeu a mão.

– Você está bem? – indagou ele, visivelmente preocupado, já que eu não possuía nenhuma reação além do choro.

Sem pensar, levantei de uma vez, me atirando em seus braços ao invés de dar-lhe a mão. Ele perdeu o equilíbrio momentaneamente com o choque e, assim que o recuperou, eu enterrei minha cabeça em seu peito, permitindo que o choro tímido se tornasse bem audível.

– E-eu tive t-tanto me–-–do! – comentei com a voz trêmula que escapava entre soluços.

– Shhh! Eu estou aqui, está tudo bem agora. – ele repetia como um idiota enquanto me abraça forte. Frederick nunca soube como lidar com choros. – Está tudo bem…

– E-eu nã-não ia conseguir fazer nada, eu sou uma medrosa! Se não fosse você… – funguei novamente.

– Shhh, passou, passou. – ele respirou fundo, alisando meus cabelos – Está tudo bem em sentir medo, Minerva, eu também senti. – disse ele, me apertando com mais força – Nunca tive tanto medo de perder você como na última noite, mas o que aconteceu agora foi ainda pior. – sua voz estava travada. Tentei me afastar para encará-lo, mas ele me segurou fortemente em seus braços. Senti algo quente cair em minha testa e percebi que ele estava chorando, me abraçava com força para que eu não visse suas lágrimas.

Aquilo era algo extraordinário. Frederick Burke, capitão do time de futebol americano da escola, escolhido o rei do baile de inverno por dois anos consecutivos, o filho do prefeito, conhecido por ter partido os corações de mais de metade das garotas da Western High School e instituições próximas e, atualmente, meu namorado, estava chorando por minha causa.

Afastei-me devagar, senti seus braços afrouxarem e o encarei. Os olhos estavam vermelhos, bem como a ponta do nariz, cujas narinas estavam levemente dilatadas. Ele olhava para cima, como se não quisesse que eu o visse chorar. Fiquei nas pontas dos pés e segurei seu rosto com as mãos, fazendo-o olhar para mim, em seguida beijei-o devagar. Foi um beijo tranquilo e gostoso, eu sentia que todo o meu amor estava sendo transmitido por ele e só parei de beijá-lo quando senti todos os seus músculos relaxados.

– Eu estou bem, okay? – sussurrei baixinho, os lábios a poucos milímetros de distância dos dele – Está tudo bem, você me salvou – dei-lhe um selinho, e pude ouvi-lo soltar uma risada rouca.

– Salvei mesmo não foi? – ele piscou para mim, voltando ao estilo brincalhão de sempre – Já te disse que sou parente do super-homem?

Dei-lhe um soco no braço e saímos rindo, de mãos dadas, do beco sombrio.

– Estou indo ao museu com a minha família, meu pai finalmente conseguiu uma folga. Pensei em fazermos um piquenique, quer ir junto? – perguntei animada, já esperava sua recusa, mas não custava convidar, não é mesmo? Então, fui surpreendida.

– Acha que não tem problema, mesmo se eu estiver com essa roupa? – ele me interrogou, nitidamente preocupado – Qualquer coisa passamos na minha casa para eu me trocar…

Ri de suas dúvidas infantis, ninguém lá de casa ligaria para isso.

– Você está parecendo a Rachel com ela preocupação toda! – exclamei. Ele revirou os olhos e disse com a voz anasalada.

– Eu tenho uma reputação a zelar, Mi! Não posso andar por aí de qualquer jeito! – sua imitação ridícula me fez gargalhar.

– Babaca! – soquei seu braço – Pode ir assim mesmo, a gente explica o que aconteceu… - comentei, a voz estremecendo um pouco no final. – Como você me achou? – perguntei um pouco mais séria.

– Logo depois de termos passado um pelo outro no sinal eu fiquei com você na cabeça. Não pretendia voltar, sabe que sou teimoso, mas aquilo não estava me fazendo bem. Achei que precisávamos conversar, então voltei. Foi quando eu vi você saindo da padaria e aquele maníaco te seguindo. – ele fechou os punhos com raiva – Mas eu estava longe e não consegui pará-lo antes que ele entrasse no beco. Quando vi o que estava acontecendo, corri mais rápido que podia. Francamente, Minerva, ninguém te ensinou a como se comportar quando estiver sendo seguida?

Fred parecia levemente irritado com minha “burrice”, balancei a cabeça em negativo. E ele suspirou, passando boa parte dos minutos seguintes do trajeto me explicando o que eu deveria fazer caso isso acontecesse novamente. Eu era muito boa em tudo que envolvia a escola ou lógica, mas quando o assunto era a vida real, combate ou qualquer coisa que exigisse ações rápidas e defensivas, eu acabava me tornando simplesmente imprestável.

– Vou te ensinar alguns golpes de autodefesa qualquer dia desses, ficou óbvio que você precisa aprender a lidar com esse tipo de coisa, eu posso não estar por perto da próxima vez. – sorri com sua preocupação paternal e dei-lhe um beijo na bochecha.

Depois do sermão, liguei para minha mãe para avisar que Fred iria conosco, fato que pareceu animá-la bastante, já que eles ainda não o conheciam. Ela me lembrou pela décima quinta vez de que estariam nos esperando na entrada do museu e não na do parque e, só então, desligou. Estávamos quase chegando ao parque, quando me lembrei de Oliver.

– Hmm… Fred, sobre o cinema… - ele pôs os dedos em meus lábios, interrompendo-me.

– Precisamos mesmo falar sobre isso agora, Minerva? O dia está tão bom…

– Mas… – ele me calou com um beijo.

– Segunda, okay? – meio impotente, acabei concordando.

Minutos depois, entramos no parque. Eu adorava aquele lugar. O Parque do Bonsai possuía aquele nome por possuir como vegetação unicamente bonsais. Eram florestas e jardins das mais curiosas espécies de bonsais possíveis, todos etiquetados e catalogados. No centro do local, havia um museu em memória a cultura japonesa e oriental, com vários artigos e obras importantes da história desses povos. Era possível também, agendar a visita com um guia, que narrava e explicava algumas lendas, tradições e fatos importantes que moldaram a identidade cultural desse povo. Bem, com minha mãe ali para tagarelar sobre tudo e um pouco mais e meu pai para explicar um pouquinho sobre cada planta do local e material das peças, não acho que precisaríamos de um guia. Ao nos aproximarmos da entrada do museu, minha mãe começou a acenar freneticamente, enquanto meu pai – sempre discreto – tentava contê-la, o que só deixava a cena ainda mais cômica.

O passeio foi incrível. Começamos com um animado lanche em frente ao museu, onde foram feitas as devidas apresentações e no qual explicamos os acontecimentos daquela manhã. Mamãe gostou de Fred logo de cara, me dando vários cutucões e sussurrando de forma nada discreta o quanto ele era “bonitão”. Obviamente, ele ouviu tudinho, o que só serviu para inflar o seu ego que já era elevado. Meu pai, de início um pouco desconfiado, acabou se derretendo todo depois de saber que ele havia me “salvado”, dando-lhe vários apertos de mão, enquanto batia em suas costas elogiando a atitude. Eu revirei os olhos de leve ao ver aquela cena e Fred piscou para mim como quem diz “não te falei que sou incrível?“. Na verdade, eu adorava esse lado dele, esse carisma. A forma como ele era capaz de conquistar as pessoas com poucas palavras me causava certa inveja, mas também me fazia admirá-lo cada vez mais.

Depois disso, fizemos uma longa visita ao museu, com minha mãe explicando cada artefato detalhadamente. Achei que meu namorado ficaria entediado com esta parte, mas ele parecia curiosamente interessado, o que era estranho. Não sabia dizer se estava fingindo ser tão curioso por educação ou se realmente gostava da maneira como minha mãe expunha os fatos. O mesmo aconteceu quando meu pai catalogava os bonsais, havia nas atitudes de Frederick o mesmo entusiasmo científico que eu jamais vira na escola. Por volta das três da tarde, Fred se ofereceu para me levar para casa, já que meus pais não conseguiam disfarçar o fato de que queriam ficar a sós – para, provavelmente, fazer coisas que eu não gostava de imaginar os dois fazendo –, já que tinham pouco tempo para isso. Pegamos um metrô incrivelmente lotado e, no caminho da estação até minha casa, não perdi a chance de perguntar.

– Escuta aqui, você é sempre bom aluno assim e disfarça ou só estava sendo simpático? – indaguei-o, a curiosidade transbordando de meus olhos.

– Hm… Não sei, o que você acha? – ele perguntou, atiçando meu interesse. Quando eu fechei a cara, ele soltou um riso rouco, piscou para mim e me deu um selinho – Normalmente, eu não me interesso por nada disso, você sabe. Não é o tipo de coisa que eu procuraria saber. Mas seus velhos explicam bem, apesar das palavras complicadas. Até que não foi chato…

Torci o nariz. Aquilo não havia respondido a minha pergunta, mas, de qualquer modo, me deu uma ideia.

– Acha que se tivesse professores assim, seria mais fácil acompanhar as aulas? Quero dizer, eu sei que o esporte por si só já te garante uma boa universidade, mas não é desculpa para pecar nas matérias que não são educação física… - disse baixinho, incerta. Não queria que ele ficasse ressentido, não estava dizendo que Fred era incapaz, só que precisava de um pouco mais de ajuda. Ao invés de uma explosão de queixas, como seria esperado, ele sorriu para mim, o que me deixou em choque.

– Obrigado por se preocupar – agradeceu ele, beijando minha testa em seguida – Tenho certeza que adoraria ter aulas particulares, caso você fosse a professora – ele piscou e eu fiquei vermelha. Muito vermelha. Em seguida pus a mão em sua testa.

– Está com febre? – perguntei, fingindo preocupação – Onde estão a revolta e as afirmações do tipo “não preciso da ajuda de ninguém e blábláblá”?

– Aqui dentro, em algum lugar – ele beijou minha mão que estava entrelaçada à sua – Hoje o dia foi bom demais para estragá-lo com uma coisa dessas…

Havíamos chegado em frente à minha casa, as cortinas e janelas estavam fechadas, o que significava que Anne já havia ido embora, deixando o jantar congelado, já que nos sábados ela ia para casa às 15h30 e nos domingos não trabalhava. Como se soubesse que estaríamos sozinhos, Fred se encostou no batente da porta.

– Posso entrar? – perguntou o loiro com um sorriso irresistível. Levemente corada, apenas balancei a cabeça de forma afirmativa e abri a porta para que ele entrasse.

A sala de estar era grande e espaçosa, um enorme sofá de veludo na cor creme decorava contornava as paredes à direita, fazendo o canto, com uma mesinha para revistas em sua frente que estava sobre uma colorida tapeçaria indiana. Na parede de frente para o sofá e a porta, havia uma televisão de tela plana fixada a um painel de madeira bruta lixada e envernizada, fruto de umas pesquisas de meu pai sobre o desmatamento na costa oeste dos Estados Unidos. Aquilo era parte de uma Sequoia que os ambientalistas não conseguiram salvar dos madeireiros clandestinos. As paredes da escada – à esquerda da televisão – eram as únicas do recinto que não estavam pintadas de branco, possuindo a cor amarelo ouro. Nenhum móvel se destacava naquele espaço, pois era decorado com porta retratos fixados à parede, eles contavam nossa história. Ali, havia desde fotos da época em que meus pais frequentavam a faculdade, até as de nossa última viagem aos fiordes noruegueses, nos quais acampamos no verão passado. Ao lado da televisão, estava uma passagem para a sala de jantar que se separava pela cozinha por uma elegante bancada americana. O mais diferente naquilo tudo era a berrante geladeira vermelho-sangue. Fred observava o local com atenção, virando-se para mim em seguida.

– É muito bonita… - comentou ele.

– Obrigada, a irmã de minha mãe que decorou, é especialista nisso e conseguiu deixar tudo com a nossa cara… Apesar de já termos modificado algumas coisas que ela fez – comentei rindo, apontando para a geladeira que se destacava no ambiente seguinte. Ele riu comigo.

Dei as costas para ele e fechei a porta, no instante em que havia terminado de trancá-la, prestes a me virar e convidá-lo para assistir a um filme, senti-o me encochar contra a madeira da porta, passando o nariz e a boca por meu pescoço, aspirando meu leve perfume até chegar ao lóbulo de minha orelha.

– Confesso que estava precisando ficar sozinho com você… – sussurrou ele com sua voz rouca e grave, fazendo com que a minha coluna virasse gelatina – Esse seu cheiro simplesmente me enlouquece.

Prendi a respiração involuntariamente, sem saber o que dizer. Uma de suas mãos segurava a minha cintura e a outra tinha os dedos entrelaçados em meus cabelos curtos, deixando o meu rosto corado de perfil. Ele desceu da orelha até meu pescoço novamente, sugando a pele enquanto pressionava seus quadris contra os meus. Eu sabia que ficaria com uma marca roxa perto da nuca, mas no momento, não liguei, era quase outono, afinal. Podia sentir seu órgão rígido de encontro ao meu corpo, despertando em mim um tipo de desejo que só ele conseguia acordar. Virei-me de frente para Frederick e puxei-o para perto, beijando-o com força. Seu hálito de canela, a respiração ofegante, os músculos contra meu corpo, tudo isso só me deixava com vontade de tê-lo mais perto. Esquecendo-me do fato de que estava de vestido, passei a perna direita por trás de seu corpo, esfregando o quadril no dele como o meu lado selvagem ordenava. A minha calcinha rendada e o seus shorts de corrida eram finos o suficientes para que estivéssemos completamente cientes do corpo um do outro. Uma de minhas mãos arranhava suas costas, por baixo da regata colada, a outra fazia o mesmo com a nuca. Uma de suas mãos massageava minha coxa, por vezes brincando com o cós da calcinha a outra tentava abrir os botões que estavam na parte de trás do vestido. E foi em meio a toda aquela afobação que eu percebi que, mesmo que quisesse muito, ainda não era a hora.

– Fred, - chamei num sussurro que mais parecia um gemido – nós temos… Temos que parar por aqui. – a voz saía ofegante, a respiração era cortada por alguns gemidos.

– Por quê? – perguntou ele, os convincentes olhos castanhos a centímetros dos meus – Você não está gostando? – como que para reforçar a pergunta, ele pressionou seu membro contra minha calcinha com um pouco mais de força, fazendo com que eu mordesse os lábios na tentativa vã de não soltar um gemido fraco.

– Porque é muito cedo. E eu não quero me arrepender depois… - eu disse, de olhos fechados, sem conseguir encará-lo. Quando os abri, supliquei – Por favor…

Frederick me soltou, afastando-se depressa até que suas costas encontrassem a parede oposta. Fez isso em respeito ao meu pedido, se permanecesse perto, não conseguiria parar, eu sabia. Ficamos ofegantes por alguns minutos, eu podia ver que ele ainda queria meu corpo, o volume entre suas pernas denunciava isso. Eu também o queria, mas algo me dizia que não precisava ser agora. Ele me encarou, frustrado.

– Sabe, Minerva, você vai acabar me enlouquecendo qualquer dia desses… – soltou ele, meio irritado – Não precisa me provocar daquele jeito se for pra me dispensar depois. – concluiu bufando, não podia tirar sua razão.

– Desculpe, – pedi – mas eu não estava pensando direito… Você sabe ser bem persuasivo quando quer…

– Não persuasivo o bastante, ao que parece – ele resmungou e se jogou no sofá, o tesão diminuindo aos poucos – Às vezes eu acho que não confia em mim, Mi.

– Não é isso – cortei-o rapidamente, embora soubesse que talvez fosse, em partes – Eu só… Tenho o meu tempo para essas coisas, é… Importante para mim, entende? Ainda não estou pronta. – afirmei envergonhada, embaralhando as palavras. Ele balançou a cabeça como se entendesse, estava preste a dizer algo, quando seu celular tocou, Fred o atendeu prontamente.

– Pois não? Sim, o que houve? – seus olhos se arregalaram um pouco – Estou indo. – disse ele, levantando-se do sofá com um salto e desligando o celular.

– Aconteceu algo? – perguntei, ainda junto à porta.

– Meu pai. Hipertensão de novo. Não deve ser nada, mas prefiro ficar com ele. – balancei a cabeça em afirmativo e abri a porta, Fred me deu um beijo na testa – Até segunda, gatinha.

Acenei para ele enquanto o via fechar o portão e tranquei a porta novamente. Entendia sua preocupação. Frederick perdeu a mãe, Helena Burke, com apenas sete anos de idade, graças a um câncer maligno cujos sintomas foram percebidos tarde demais, assim, era compreensível que se importasse tanto com o pai que, embora ausente, era a única presença familiar que possuía, já que seus avós eram falecidos e ele não tinha tios ou irmãos. Rumei para a cozinha, apanhando um dos cookies que Anne devia ter feito pela manhã, encarei o relógio do micro-ondas. 16h23. Aquele seria um longo final de semana.

Na segunda pela manhã, acabei acordando um pouco mais tarde que o habitual, pois havia virado a noite lendo “Um Amor para Recordar” de Nicholas Sparks. Vesti uma saia preta com bolinhas e um suéter mostarda às pressas, calcei um mocassim marrom, apanhei a mochila vermelha e os óculos de grau, que tinham chegado da ótica sábado pela manhã, e desci as escadas correndo. Roubei alguns cookies e tranquei os portões. Iria de bicicleta hoje, pois se pegasse o metrô, chegaria atrasada.

Estacionei a bicicleta afobada, enquanto a acorrentava no local apropriado, para que não fosse roubada. Em seguida encarei o enorme relógio analógico que decorava a instituição. 07h45. Havia chegado a tempo. Nem consegui soltar um suspiro de alívio antes de sentir o baque de um livro pesado contra minha cabeça.

– Idiota. Não fique me perseguindo. – virei para trás e me deparei com os olhos castanhos de Oliver sorrindo para mim.

– Mas o q…? – não tive tempo de terminar a frase, pois braços fortes me abraçaram por trás.

– Quem é esse, amor? – perguntou Frederick atrás de mim, dando ênfase no apelido. Pelo seu tom, sabia que estava com ciúmes e recordei-me amargamente de que, graças a sua recusa a comentar sobre o cinema, não havia conseguido contar a ele sobre o ruivo. Eu estava encrencada. Merda!



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Notas finais do capítulo

*O Slow Travel propõe desfrutar da viagem em si, para além da ansiedade do chegar. São viagens mais longas onde se aproveita e conhece melhor o local, fugindo das programações e paradas ocasionais dos turistas.

♡ Gostaram, chuchus? O que será que vai acontecer agora, será que vai ter barraco? E o Frederick, afinal de contas ele é bonzinho e impulsivo ou malvado e manipulador? O que o Oliver foi fazer lá na Western High School? Será que ele já estudava lá e Minerva nunca o havia notado? Para saber, só acompanhando os próximos capítulos! Ah, um extra: no próximo capítulo tentarei postar uma planta simples do primeiro andar da casa de Minerva, o motivo? Me bati muito para descrever o ambiente e não sei se ficou suficientemente compreensível ♡