Depois do Clichê escrita por Carolina Amann


Capítulo 1
Capítulo 1 - Clichê: Um namoro Imperfeito


Notas iniciais do capítulo

♡ Olá, chuchus! Este é o primeiro capítulo de "Depois do Clichê" e por isso, estou bem empolgada! Como vocês vão perceber, nenhum casal é perfeito, nem mesmo o mais clichê de todos, mesmo assim, espero que minha estória não destrua seus sonhos-românticos, mas os motive a persegui-los com "os pés no chão", pois ninguém é perfeito como nos romances de Nicholas Sparks. Boa leitura! ♡



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/576471/chapter/1

Andei calmamente pelos corredores silenciosos da Western High School, ainda era cedo. Gostava disso, de poder caminhar sozinha pela escola vazia, observando a calmaria dos armários enfileirados, tão oposta à balbúrdia que se instala depois das 07h30 a.m., já que as aulas se iniciam às oito. Vir para a escola mais cedo e sair bem mais tarde costumava ser meu refúgio, eram os únicos horários em que podia permanecer na instituição sem ser incomodada. É difícil ser inteligente quando a moda entre os jovens é ser ignorante e irresponsável. Eu particularmente nunca me encaixei neste padrão, sempre me dediquei muito em tudo, dei meu máximo para ser a número um, a preferida entre os pais e professores. Ingenuamente, não percebi que isso significava não ser querida pelos colegas e quando notei já era tarde demais, estava entre os excluídos. Não que isto seja de todo ruim, na verdade, conheci muitas pessoas boas, amigos verdadeiros com quem sempre poderei contar, além disso, me encontro em uma excelente posição como futura universitária, minhas notas permitem que eu escolha em qual universidade entrar, mas, naquela época, o bullying realmente me chateava. De qualquer forma, isto não importa mais, ficou no passado desde que o conheci.

Frederick Burke. Meu namorado e, surpreendentemente, o garoto mais popular da escola. Não vou mentir, tudo começou com uma aposta. Duas, para ser sincera. Estava discutindo com Rachel, minha melhor amiga e futura engenheira espacial da NASA, se o limite de inteligência de um ser humano era o mesmo para todos considerados “normais” ou variava de pessoa para pessoa, quando fui desafiada a fazer uma experiência: um trabalho em grupo com alguém que eu considerasse muito babaca. Se conseguisse motivar esta pessoa a aprender, estaria certa e ficaria provado que todos possuímos a mesma capacidade, apenas a estimulamos de formas diferentes. Do contrário, ela vencia a aposta. Era bobo, mas aceitei, de qualquer forma, fazer com que um dos populares topasse fazer alguma atividade escolar com alguém considerado “nerd” não era difícil, já que eles normalmente precisavam de nota. Ao mesmo tempo, Fred apostou com os amigos que conseguiria fazer a garota com as maiores notas do ensino médio se apaixonar por ele. Foi assim que começamos. Tortos, mas começamos. Às vezes penso que já estava escrito, a palavra “destino” tem andado em minha cabeça ultimamente.

Deixando os devaneios de lado, rumei para o meu armário, pegando algumas folhas de papel reciclável do fichário e o livro de física e, em seguida, colocando-os na mochila vermelha que continha apenas um estojo pequeno e uma agenda. Ao encarar o elegante caderno, com sua capa de couro marrom e quinas douradas, lembrei-me de algo importante. Abri-o no dia de hoje e retirei dali dois ingressos para assistir o live-action de Suki-tte Ii na Yo*, nos cinemas. Eu havia ganhado o par ao acertar um “quiz” na internet e estava tentando convencer Fred de ir comigo há algum tempo, só que, graças à final do campeonato interestadual de futebol americano, ele esteve ocupado na últimas semanas. Eu entendia isso, sabia que era algo importante para ele, tanto que, mesmo odiando qualquer esporte que não fosse xadrez, fui assisti-lo, torcer por ele e vê-lo vencer. Porque o Fred sempre vence, quando é importante para ele, ele dá seu jeito. Foi assim que ele me conquistou. Enfim, agora a competição havia acabado e, curiosamente, hoje era o último dia em que o filme estaria em cartaz, assim, peguei as entradas na mão e fechei a porta de meu armário. Estava prestes a ir esperar Fred na entrada, já que ele deveria chegar em cerca de cinco minutos, quando fui interrompida por minha melhor amiga.

– Olá, senhorita Velma! – exclamou Rachel, ao que respondi virando os olhos, odiava quando ela me chamava desta forma – Ah, qual é Minerva! Nós duas sabemos que “Velma” combina muito mais com você do que seu verdadeiro nome! – comentou ela, um tanto indignada, Rachel sempre achou meu nome horrível e não media esforços para mudá-lo.

– Bom dia para você também – respondi com um sorriso – E a culpa não é minha se tenho uma mãe viciada em mitologia, converse sobre o meu nome com ela – continuei, dando de ombros. Na verdade, gostava de Minerva. Era a deusa da sabedoria do panteão romano, correspondendo à Athenas. Minha mãe era uma historiadora famosa e, atualmente, andava viciada em mitologia hindu, o que significava que eu deveria agradecer por ter nascido mais cedo: se viesse agora, poderia acabar me chamando Lakshmí.

Rachel encarou os ingressos que estavam em minha mão.

– Ainda não foram? – perguntou, incrédula. Ela não era contra o nosso namoro, só achava que não ia funcionar. De qualquer forma, eu estava disposta a lhe provar o contrário – Sério, Mi, quantas desculpas ele já deu?

– Não eram desculpas, sua estraga prazeres. Ele estava ocupado com o campeonato, é o capitão do time, você sabe, então... Ele meio que tem que participar de tudo – torci o nariz, realmente era ruim aceitar que, muitas vezes, ele passava mais tempo com seu time do que comigo, mas eu precisava entender. Ela deu de ombros.

– Você que sabe. Por falar nele, olha seu namoradinho aí.

Virei-me e pude vê-lo. Os ombros largos, os músculos definidos, o cabelo loiro bem cortado que lhe dava um falso ar de seriedade, os olhos escuros e profundos... E o sorriso. Aquele sorriso que ele abria toda vez que me via. Queria correr até ele, mas Rachel me segurou.

– Menos, né Minerva? Ele está vindo para cá, já teve sua cota de clichê, não precisa sair correndo para encontrá-lo também – não pude deixar de rir deste comentário. A negra sempre fora totalmente contra clichês e agora era obrigada a conviver com um diariamente.

– Bom dia, Rachel, e bom dia, mozão – vi minha amiga segurar uma risada. Okay, eu confesso, também odiava “mozão”, sempre o considerei o apelido mais brega e corta-clima do planeta, mas não tive tempo para reclamar, porque segundos depois já estava com seus lábios nos meus.

– Hm... Te vejo no segundo horário, Mi! – despediu-se ela, constrangida, e saiu. Na verdade, eu não gostava daquilo: ficar me agarrando na frente de todo mundo. Era discreta, sempre fui.

– Fred! – disse arfando, quando consegui me afastar minimamente do seu 1 metro e 80 de pura gostosura – Eu já te disse que não gosto dessas coisas! – exclamei meio sem jeito, corada. Ele cruzou os braços em minha frente.

– Mas eu estava com saudades, princesa – comentou, fingindo estar bravo, em seguida me deu um sorriso largo, daqueles de descompassar o coração – Relaxe, nenhum inspetor vai brigar conosco – conclui ele com uma piscadela, dando ênfase na última palavra. Realmente, não chamariam a atenção dele: o orgulho esportivo da instituição.

– Não é isso, eu só... Não gosto quando todo mundo fica nos encarando. Eu... Acho que prefiro um pouco mais de privacidade – esclareci, torcendo o nariz.

– Mimimi... – zombou ele, me atacando com sucessivos selinhos – Pare de ser tão careta!

Revirei os olhos, empurrando-o com as duas mãos. Em seguida, me lembrei dos ingressos.

– Ah! Lembra do filme que te falei? – coloquei os ingressos na frente do rosto, deixando apenas os olhos a mostra – O campeonato acabou, você venceu, que tal irmos assistir hoje para comemorar? – indaguei com um sorriso no rosto, certa de que ele ia concordar. Mas ao invés disso, ele coçou a sobrancelha e abaixou o tom de voz.

– Sinto muito, prometi para os caras do time uma comemoração no boliche... Só homens, você sabe... – ele parecia sem graça. Senti meu rosto murchar.

– É a quinta vez que você tem algo desse tipo – resmunguei – Não dá pra desmarcar, só dessa vez? – Rachel dizia que eu era compreensiva demais e eu estava começando a acreditar nela, não iria desistir tão facilmente hoje.

– Desculpe... Por que não vai com a Rachel? Ela curte mais esse tipo de coisa do que eu... – ele se esquivou mais uma vez e foi então que eu entendi: ele não queria ir. Aquilo me deixou com raiva, eu fazia várias coisas de que não gostava por ele, tudo o que queria em troca era um pouquinho mais de empenho de sua parte também.

– Porque é um romance. E eu quero assistir com você, foi por isso que me esforcei para ganhar – encarei-o séria. Estava sendo infantil, mas não ia desistir. Nós nunca saíamos para fazer os programas de que eu gostava, às vezes, era como se esse namoro girasse em torno dele e de suas obrigações como o garoto “mais popular do colégio”.

– Vamos amanhã, que tal? É sábado mesmo, passamos o resto do dia juntos! – Frederick parecia satisfeito com sua solução, mas eu não estava.

– Sai hoje de cartaz, então, não tem como... Porque você não remarca o boliche para amanhã? – pisquei. Antes que ele pudesse responder, saí, andando em direção à classe. Já a alguns passos de distância, virei para trás, dizendo – Sete horas, na entrada do cinema!

Cheguei à classe punindo a mim mesma, eu estava praticamente obrigando-o a assistir o filme comigo. Suspirei. Não era isso que eu pretendia fazer no começo, mas, de alguma maneira, as coisas tomaram esse rumo esquisito. Agradeci internamente por não ter nenhuma aula com Fred hoje, dessa forma ele não conseguiria desmarcar comigo durante elas e, no almoço, eu arranjaria uma maneira de me manter longe. Torci o nariz mais uma vez, pensar desse jeito só fazia com que eu parecesse ainda mais idiota.

– Qual o problema, Mi? – perguntou Loren, cutucando-me nas costas enquanto o professor não chegava. Encarei o loiro cabeludo.

– Ah, hm... Nada. Eu acho. É só... Não sei se estou lidando com as coisas direito, elas não estão saindo como eu quero – torci o nariz novamente, essa velha mania jamais me abandonaria, eu acho.

– Bem, na física, quando o resultado não é correto geralmente foi você quem errou a conta. Mas no amor eu não sei não, Mi. Desculpa aí, não sou muito ligado nessas coisas... – soltou meu amigo das exatas. Ri de sua resposta e baguncei seus cabelos.

– Está tão na cara assim que foi algo com o Fred? – indaguei com um sorriso cansado. Ele fez um bico enquanto passava as mãos nas madeixas desarrumadas.

– Na verdade foi só um chute. Bem, o que posso dizer, vocês são muito diferentes, não? Acho que é normal que não dê certo de primeira – Loren deu de ombros – Não se preocupe tanto, vocês vão dar um jeito. – sorri para ele e a aula começou.

Confesso que estava mais calma agora. Loren estava certo, eu quase havia me esquecido: Fred sempre vence, quando é importante para ele, ele dá seu jeito. E eu era importante, certo? Então ele arranjaria um modo de ir, por mim.

Quando o segundo horário chegou, fui para o meu armário, fiz a troca de livros, organizei meu fichário e voei para o laboratório de biologia, sentando-me ao lado de Rachel na mesa dupla.

– E aí? – perguntou ela – Como foi? – rapidamente expliquei o ocorrido, ela levantou a sobrancelha – Acha mesmo que ele vai? – balancei a cabeça em afirmativo.

– Acho. Quer dizer, ele não tem muita escolha, não? – mexi as mãos, nervosa. E se ele realmente não fosse? O que eu ia fazer? Eu não conseguia lidar muito bem com esse tipo de coisa, nunca tive um namorado antes. Não sabia quando estava sendo chata ou legal, fofa ou irritante, o que podia ou não pedir. Era sincera com ele, mas às vezes isso apenas parecia apenas piorar tudo.

– E se ele cancelar por telefone? – perguntou ela, mexendo no cabelo cacheado. Minha boca se abriu, em choque.

– Ele não faria uma coisa dessas! Isso é errado, Fred não é esse tipo de garoto! – soltei na defensiva, ela deu de ombros, em seguida, suspirou.

– Espero que não faça mesmo. Qualquer coisa me ligue ou vá dormir lá em casa, okay? – concordei com um resmungo, não queria pensar naquela hipótese.

Ao final da aula, a negra me perguntou.

– Vai no Clube de Iniciação Científica à tarde?

– Que horas as atividades terminam hoje? – eu gostava de frequentar o clube, mas estava preocupada com o meu horário. Eu raramente me arrumava ou colocava alguma maquiagem no rosto, mas queria estar bonita para hoje à noite.

– Às seis. – neguei com a cabeça, fazendo cara de cachorrinho que caiu do caminhão de mudança. Ela revirou os olhos e levantou as mãos para o alto, como se estivesse sendo obrigada pelos deuses a fazer algo – Céus! Quer ajuda com o figurino, Minerva? – abri um sorriso enorme, minha amiga havia finalmente compreendido.

– Si–––m! – exclamei alegre, prolongando o “i” da palavra.

– Okay, estarei na sua casa às cinco. – disse ela, colocando a mão na testa como se já estivesse cansada.

Abracei os livros e rumei feliz para o meu armário. Rachel era ótima com essas coisas, o extremo oposto do esperado, porque, bem, ela realmente odeia clichês. Além de incrível em exatas – com o raciocínio mais rápido que já vi na face da terra – e expert em humanas e biológicas, Rachel também era incrível nos esportes, principalmente handball, sem mencionar o fato de que era líder de torcida. Como se não bastasse, ela poderia passar por uma Regina George mais bronzeada – e menos má –, pois estava sempre na moda, sabendo de todas as tendências, e entendia de maquiagem e cabelo melhor do que ninguém. Eu sempre brincava, dizendo que se suas notas ultrapassassem as minhas eu teria que mudar de escola, pois não haveria nada em que pudesse ganhar dela. Enfim, mais importante do que isto: ela sabia qual era meu estilo, ou seja, eu não ia me sentir deslocada ou “menos eu” independente de como Rachel me vestisse.

Passei o almoço com ela, na biblioteca, planejando o que vestir, o resto dia passou voando e, de alguma forma, senti que o Universo conspirava ao meu favor, pois não encontrei com Frederick e ele não me mandou nenhuma mensagem dizendo que não iria. Algo em mim dizia que ia dar tudo certo.

Voltei para casa com o ônibus da escola, assim que o sinal bateu, algo que não era de meu costume. Estava inquieta. Fiz o dever correndo e tentei ler algum livro, mas nada prendia minha atenção, eu estava empolgada demais para me concentrar em alguma coisa. Algumas horas depois, Rachel chegou, eu havia acabado de sair do banho de modo que não notei sua chegada.

– E aí? – disse ela escancarando a porta da minha suíte e a fechando em seguida, ao notar que eu só usava um roupão – Graças a Deus, você ainda não fez nenhuma besteira com o seu cabelo!

Ri de sua atitude e permiti que ela me arrumasse. Os cabelos negros e lisos tiveram o seu corte chanel e franja ajeitados com uma escova caprichada, em seguida, Rachel começou a revirar o meu closet.

– Pelo amor, Minerva! Você só usa moletom e calça jeans? – perguntou ela e eu ri.

– As saias e vestidos estão do outro lado – apontei e vi seus olhos brilharem.

Quando percebi já estava quase pronta. Um vestido curto que tinha como estampa vários livros, um laço preto amarrado na cintura, sapatilha preta e uma bolsinha transversal completavam meu “look”. No rosto, apenas um rímel realçando os olhos azuis e um batom para deixar meus lábios mais rosados, Rachel se recusava a passar algo em minha pele, pois dizia que as sardas eram meu charme, o que era péssimo, já que eu preferiria escondê-las. Encarei-me no espelho, estava bonita. Não que me achasse feia, na verdade, não pensava nisso na maior parte do tempo – física quântica é tão mais legal do que moda –, mas de fato eu estava muito bonita. Sorri para o reflexo e esmaguei minha melhor amiga.

– Obriga–––da! – agradeci espremendo-a, ela se desvencilhou sem graça, já que não lidava muito bem com contatos físicos afetuosos.

– Não tem de quê. Agora vamos, vou com você até a estação. Já são 18h40 e eu sei que você não quer se atrasar.

Corremos até a estação de metrô e, por sorte, consegui pegar um que havia acabado de parar ali. Cerca de dez minutos depois estava deixando o apertado trem subterrâneo e entrando no shopping pelas escadarias da estação. Caminhei até os cinemas conferindo se os ingressos estavam comigo, em seguida, sentei-me no sofá de espera, com o celular na mão. Estava bem perto da fila de compra, então podia ouvir os casais conversando entre si, ao que parecia, a sessão seria cheia. Ao meu lado, um garoto ruivo estava inquieto, espremendo seus tickets promocionais. Sem graça, desejei silenciosamente que a garota dele viesse, assim como tinha certeza de que o meu namorado viria. Conferi no relógio, 19h01, ele estava atrasado. Dei de ombros, acalmando a respiração, odiava ficar esperando, mas algum imprevisto poderia ter acontecido. De qualquer forma, o filme começava apenas dali nove minutos. Senti o celular vibrar, Fred havia me passado uma mensagem, provavelmente para esclarecer o atraso. Abri-a afoita e, confesso, li-a cinco vezes antes de compreender seu significado.

Não vai dar, sinto muito, sei que devia ter avisado antes. Prometo te compensar por isso.”

E em seguida uma carinha triste.

Não respondi, apenas desliguei o aparelho, controlando o choro. As palavras de Rachel voltaram em minha mente. “Sério, Mi, quantas desculpas ele já deu? (…) E se ele cancelar por telefone? (...) Qualquer coisa me ligue ou vá dormir lá em casa, okay?”. Sabia que não conseguiria vê-la agora, seria humilhante ter que admitir que havia sido deixada de lado desta forma. Respirei fundo. Contei meus batimentos cardíacos até chegar à 237. Soletrei “pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico” três vezes. Só então abri os olhos, ainda ardidos. Não importava o que eu fizesse, ainda queria chorar. Sem querer, ouvi o último casal da fila conversando com a atendente.

– Não tem mais acentos?! Mas essa é a última sessão! Por favor, confira mais uma vez! – pedia ele, a garota ao seu lado fazia biquinho.

– Sinto muito, senhor, mas realmente, não há mais lugares vagos. – desculpou-se a mulher de trás do balcão.

– Está tudo bem – disse a loirinha que estava ao seu lado – Vamos procurar outra coisa para fazermos, o que importa é estarmos juntos, certo? – ele balançou a cabeça. Confesso que fiquei tocada.

Eles haviam acabado de perder a última chance de ver um filme que queriam, mas, ao invés de se irritarem e serem egoístas, apenas decidiram buscar outra coisa para fazer, algo que ambos gostassem e que os deixasse mais próximos. Isso não acontecia comigo e com Frederick, sempre um – eu – tinha que ceder. Sempre alguém acabava se sentindo prejudicado. Me perguntava se o amor era mesmo tão mesquinho. Decidida, andei até eles e lhes estendi os ingressos.

– Podem ficar com esses! Ganhei em uma promoção, mas meus planos para hoje mudaram – disse com um sorriso, encobrindo a mágoa. Anos se esquivando de valentões e garotas mimadas haviam me dado certa prática em ocultar sentimentos.

– Ah! Sério?! Obrigado, não sei nem como agradecer! – exclamou o menino, feliz.

– Apenas aproveitem ao máximo! – expandi meu sorriso e me virei – Até mais!

Quando estava quase descendo as escadas rolantes, a garota me puxou pelo braço.

– Espere, me passa seu número. – pediu ela – Você fez algo tão legal por nós, vamos nos tornar amigos, sim? – disse a loira com um sorriso extremamente fofo. Senti o rosto corar, sem graça.

– Hm... Claro, anota aí – passei meu número para ela – Sou Minerva, prazer.

– Dorothy. E aquele é o Roger, meu namorado. – Dorothy me abraçou e saiu correndo, acenando – Até mais!

Virei-me de costas, ser tratada de forma tão doce, quando tudo o que eu queria era me esconder, me fez baixar a guarda e deixei algumas lágrimas caírem, pelo menos havia conseguido deixar alguém feliz. Desci as escadas rolantes e entrei na livraria que havia em frente a elas. Rumei para a sessão de astrofísica quântica – nunca vira ninguém consultar algo ali – e fingi examinar os títulos enquanto permitia que o choro viesse com seu silêncio conhecido.

Eu me sentia fracassada, feia e idiota. Parte de mim agradeceu o fato de a maquiagem ser à prova d’água, assim eu ficaria menos patética. O sentimento de auto-piedade que me dominava causava-me ânsias, havia um nó em minha garganta que não deixava nenhum som sair. Sabia que meu nariz começaria a escorrer em breve, mas não queria fungar. Fred sempre vence, quando é importante para ele, ele dá seu jeito. "Mentira!", pensei, socando de leve a prateleira. Ou talvez eu que não fosse tão importante assim... Quantos programas ele já havia recusado? Perdemos a encenação de Romeu e Julieta, o show do Cícero, o campeonato de golfe de meu pai... Também não passeamos no parque juntos, jantamos, lemos ou fizemos qualquer coisa fora de escola que não fosse comparecer a algum jogo idiota do qual eu não entendia lhufas. E mesmo assim, eu continuara acreditando que ele viria. Eu era mesmo uma...

– Idiota. – senti alguém bater de leve com um livro em minha cabeça – Não fique chorando por um babaca qualquer na seção de astrofísica quântica da livraria mais próxima.

– Mas o quê...? – parei a frase ao ver o garoto ruivo de antes sorrindo para mim, levemente corado.

– Acho que estamos no mesmo barco hoje, não? – ele soltou um suspiro, olhando para baixo, embora tentasse parecer simpático, estava visivelmente triste. – Prazer, Oliver.

– Minerva. – respondi, estendendo a mão um tanto quanto incerta. Ele me encarou.

– Olha, sei que vai parecer estranho, mas... Eu realmente queria ver esse filme. E não queria ir sozinho, quero dizer, isso é meio que solitário demais, não? Então, pensei “aquela garota também parecia querer muito ver esse filme, por que não?” e... É isso. – ele comentou, corando ainda mais. Abri a boca devagar e fechei de novo, não sabia o que responder. Realmente, aquele era um convite estranho.

– Hm... Não sei se meu namorado gostaria disso... Não quero deixá-lo com ciúmes... – disse baixinho, secando as lágrimas que havia se esparramado pelo rosto alguns minutos antes.

– Olha, desculpa me intrometer, mas acho que se ele fosse sentir ciúmes, estaria aqui, não? – arregalei os olhos em choque e senti-os marejarem novamente, só então havia me tocado de que, de fato, eu era menos importante do que um boliche. Fred não ia sentir ciúmes de mim, porque era bem provável que nem gostasse de mim, para começo de conversa. Oliver ficou extremamente vermelho – Ah, não, espere, desculpe, não quis realmente dizer isso, não chore! – ele tirou um lenço de tecido de dentro do bolso da jaqueta que usava e tentou secar algumas lágrimas, mas acabou desistindo e me emprestando o apetrecho para que eu fizesse isso sozinha.

– Não precisa se desculpar. – comentei fungando, enquanto devolvia o acessório incomum – Você está certo, vamos? Além do que, não estamos fazendo nada de errado, apenas assistindo a um filme – respondi com um sorriso frouxo.

Ele ergueu as sobrancelhas minimamente, surpreso, acho que não esperava que eu aceitasse, mas ainda assim, concordou com a cabeça. Enquanto subíamos as escadas com pressa e corríamos para a sala de exibição ele exclamou.

– Não vamos trocar nossos contatos, okay? Assim evitamos brigas com nossos namorados. – balancei a cabeça, concordando. Uma coisa era eu dizer que um estranho havia sido simpático e me oferecido um ingresso, fazendo-me companhia. Outra coisa era dizer que ainda estava conversando com esse estranho. Por sorte, perdemos apenas os trailers.

Quando o filme terminou, saí me espreguiçando da cadeira estofada.

– Caramba, foi muito bom mesmo! – comentou ele, alegre.

– Sim, sim! Não foi superfiel ao anime, mas ficou incrível! – disse com um sorriso de orelha a orelha – Obrigada por ter me convidado, Oliver, eu provavelmente teria desperdiçado meu tempo chorando na livraria. – agradeci e vi-o corar. Ele cobriu os lábios com a mão e, em seguida, murmurou.

– Não precisa agradecer, eu fui pra lá para fazer quase a mesma coisa... – aquilo me surpreendeu, o clima agradável havia ficado estranho.

– Bom... Eu vou indo para casa, até! – acenei para ele e saí, não sabia lidar com esse tipo de saia justa.

– Tchau! – acenou ele – Boa sorte!

Aquele final havia sido meio esquisito. Por um lado, sentia-me triste por Oliver, mas parte de mim agradecia o fato de ter tido alguém com quem compartilhar minha tristeza. Alguém que não me conhecia e que não ia ficar jogando isso na minha cara depois.

Na estação de metrô, decidi ir para a casa de Rachel. Quando toquei a campainha, ela atendeu afoita.

– Minerva! – exclamou, me dando um abraço, algo incomum – Eu fiquei tão preocupada! O que aconteceu com o seu celular? – encarei-a confusa.

– Meu celular...? Eu desliguei. – disse, sem entender nada. Ela me fez entrar, cumprimentei seus pais e me levou até o seu quarto. Chegando lá, trancou a porta e disse.

– Frederick não conseguia falar com você e me ligou. – olhei-a com raiva ao perceber que ela estava com pena – Sinto muito, Mi, mas se quer saber, ele parecia realmente preocupado, deve ter tido bons motivos para não ir.

Dei de ombros, ignorando o que ela havia dito. Estava com raiva de Frederick o suficiente para não desejar saber de suas razões para me deixar esperando feito uma palhaça. Estava cansada de compreendê-lo o tempo todo, então, permiti a mim mesma uma folga de um final de semana.

– Não quero falar sobre ele. E você não deveria estar com pena de mim, na verdade, foi bem divertido. – comentei, atiçando a curiosidade de minha amiga.

– Como assim? Me conte tudo, já! – sorri, às vezes Rachel parecia apenas uma daquelas patricinhas sem conteúdo, mal dava para acreditar que era tão inteligente. Talvez, o fato de ser líder de torcida e coordenadora do grêmio escolar, ao mesmo tempo, que conferisse a ela esse jeito descontraído de humor misto que me fazia tão bem.

Peguei o telefone e pisquei para a negra impaciente.

– Somente depois de avisar meus pais que dormirei aqui – ri do modo como ela revirou os olhos, tamborilando os dedos impaciente.

Depois de contar tudo a Rachel, observei-a enquanto ela refletia sobre tudo aquilo.

– Vai contar ao Fred? – balancei a cabeça, dizendo que sim – Bem, acho que você não fez nada de errado, mas sabe como ele é. Vai sentir ciúmes.

Ponderei aquilo. Ela tinha razão – novamente –, Fred tinha ciúmes até de meus amigos nerds e cheios de espinha, porque, segundo ele, qualquer dia desses, eu poderia decidir trocá-lo por alguém mais inteligente. Era ridículo, já que ele não era burro, nem um pouco, apenas tinha dificuldade para se concentrar por possuir um leve TDAH – Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade –, além disso, embora eu gostasse de caras inteligentes não era só isso que contava e enfim... De qualquer forma, nós nunca brigamos de verdade por ciúmes, apenas tivemos algumas discussões acaloradas nas quais ele percebeu que eu não iria trocar meu grupo antigo de amigos por um novo, embora gostasse de fazer novas amizades, valorizava as minhas e não ia permitir que tratassem mal os únicos que sempre estiveram ao meu lado. Suspirei e, quando estava para responder Rachel, me lembrei do que Oliver disse.

– Se ele estivesse tão preocupado assim, teria ido não? – disse, ligando, relutante, o celular – Não acho que ele tenha o direito de sentir ciúmes, estou sendo honesta. Estranho seria se eu não contasse e um dos milhares de amigos dele tivesse visto. Isso sim iria parecer outra coisa... – concluí e a morena concordou.

Assim que meu aparelho telefônico ligou, começou a vibrar incessantemente. Zilhões de mensagens e ligações perdidas de Frederick chegavam sem parar. Respondi sua preocupação de forma fria, fugindo ao usual, já que geralmente eu me derretia toda.

Segunda nos falamos. Até lá, me deixe em paz.

Depois disso, não fui mais incomodada e passei o resto da noite e parte da madrugada assistindo Senhor dos Anéis com Rachel, tentando não pensar em como eu lidaria com aquele namoro tão esquisito e, de certo modo, unilateral.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

* Suki-tte Ii na yo é um mangá shoujo escrito por Kanae Hazuki. Ele também possui sua versão como anime e live-action (Say I Love You).♡ E então, chuchus, gostaram? Espero que sim! Beijinhos e até o próximo capítulo ♡



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Depois do Clichê" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.