Se o Amor é uma Ilusão, Deixe-me Ser Iludida escrita por snow Steps


Capítulo 29
Capítulo 28


Notas iniciais do capítulo

Dedicando este pequeno trecho a todas vocês novamente, em especial para Little Sugar Cube que fez uma recomendação linda.
Muito obrigada por todo o carinho de vocês, que me inspiram a continuar escrevendo mesmo após a resposta negativa de uma editora.
Amo escrever, e amo mais ainda quando tenho um reconhecimento tão incrível quanto o e vocês :)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/575472/chapter/29

O jantar está acabado. Nathalie e eu ainda estamos à mesa, revirando o salmão frio de um lado para o outro, enquanto Marco está conversando com Tomas na varanda dos fundos. Pela entrada da sala de jantar, posso avistar uma parte da porta de correr que leva ao lado de fora da casa, e observo a sombra dos dois amigos sentados nos degraus que interligam a sacada ao gramado. Hipnotizo-me com a cena, e imagino o que eles podem estar conversando:
Allais é uma piranha, sai fora cara!
Você está certo, Marco. Mas o que será de mim agora?
Eu sei qual é a melhor alternativa para você. Sabe a minha namorada? Pois é, ela não é minha namorada porque eu sou gay. É uma cilada, Bino. Agora entre naquela sala de jantar e a tome nos braços, pois vocês se merecem.
_ Qual é a sua? – Questiona Nathalie vagamente, interrompendo-me do transe. Ela está com os olhos semicerrados e sobrancelhas franzidas, com a taça de vinho cheia estacionada no canto da boca. Provavelmente chegou a um estado de embriaguez.
_ O que quer dizer? – Contraponho, engolindo em seco. De perguntas sugestivas já bastava as de Allais.
_ Aquela esnobe disse que você gosta do loirinho. Mas não faz sentido porque está em relacionamento sério com um gay, e a não ser que seja uma assexuada você não conseguirá um namorado de verdade tão cedo assim.
_ Já pensou na hipótese de que talvez eu não goste do loirinho? – Argumento, dando uma risada programada.
_ A pergunta correta é por que não gostar do loirinho. Ele não parava de olhar para você. O jantar inteiro. Quando a Alia ou Alaia, seja lá o que for, lançou aquela indireta percebi no mesmo instante que existiu um lance entre vocês. Um lance sério. Um lance forte. – Ela diz com o olhar perdido para a cortina que se debate com o vento noturno.
Torço o nariz, concluindo que Nathalie deve parar imediatamente com as taças de vinho.
_ Bem, nós éramos amigos. Antes de toda essa bagunça. – Respondo, perdendo o tom de voz para um sussurro.
_ Amiiigos... seeei... – Ela debocha, com uma gargalhada estrondosa. – Aquele tipo de amigo que a gente faz uma tchaca tchaca na butchaaca...
Solto o ar pelas narinas e meneio a cabeça lentamente.
_ Não. Só amigos mesmo.
_ Ah, que sem graça. – Nathalie critica, virando duas goladas desajeitadas e fazendo com que uma gota rubra escorra pelo queixo.
_ Mas... sim, rolou um lance entre nós. Ele me deu uns moles.
Nathalie franze a testa e faz uma expressão confusa.
_ Querida, posso estar bêbada, mas ainda sei que quem dá mole é a mulher e quem dá em cima é o homem.
_ Você entendeu – Digo rispidamente.
_ E por que vocês não estão de mãos dadas agora?
_ Porque eu estava ocupada demais babando pelo seu irmão.
_ Hmm... entendo. É um erro muito comum, caso sirva de consolo. E deixe-me adivinhar: agora você está caidinha pelo loirinho. – Ela palpita, em tom meloso.
_ Não... exatamente. Ele é um sonho de padaria, mas eu o desprezei e ele deve possuir uma imagem péssima de mim agora. Não ficaria surpresa se ele me dissesse que todas as nossas chances estão acabadas. É por isso que não irei correr atrás dele, seria apenas mais humilhação para a minha vida.
_ E se você estiver enganada?
_ Não estou.
_ Então por que ele te olha tanto? Por que ele procura qualquer oportunidade nas mínimas frações de segundo para estuda-la com tanto zelo?
_ Porque você está bêbada, e não sabe direito o que vê – Retruco com rudeza, enterrando-me nos meus braços cruzados. Estou cansada de ir atrás dos homens, procurando um pouco de atenção ali e aqui. Comentários esperançosos somente servem para me iludir, e de desilusão já estou farta no momento.
Estas últimas semanas de namoro fake com Marco foram suficientes para me entalar de angústia até a goela. Depois de tantas noites sonhando acordada finalmente consigo o impossível, o imensurável, o ápice da vida de uma nerd que vive à base de tofu e coxinha de catupiry: um Marco Vittorelli para chamar de seu. O problema é que ele não é meu, mas preciso fingir que é. Para quê? Para apagar a noite mais desastrosa do século, que também é uma mentira.
Uma primeira vez de mentira.
Um namoro de mentira.
E mais sonhos desacordados de mentira.
Sim, inevitavelmente estive mirabolando mais encontros secretos e momentos perfeitos com Tomas Parker, em meio de tanta merda jogada no ventilador. Durante as aulas tediosas, as conversas desinteressantes com os amigos de Marco, nos minutos antes de cair em sono profundo. Lá estava eu, imaginando-me como seria criar coragem e ir até o banco em que Tomas sentava todos os dias no intervalo, e pergunta-lo se poderia me dar uma chance de lhe dizer como estava errada. Dizer-lhe como eu gostaria de voltar ao passado e desperdiçar o resto do dia naquele jardim de inverno, como eu estava cega e não era capaz de enxergar a pessoa maravilhosa que era. E após perder sabe lá quanto tempo viajando no meu mundo paralelo, eu sentia ódio de mim por nunca parar de desejar. Por sempre querer ir atrás de alguém para sofrer.
Escuto a porta de correr se abrir e os dois saem abraçados pelos ombros, Marco com um sorriso de orelha a orelha e Tomas soltando um suspiro pesaroso. Chegando ao recinto em que nos encontramos, o italiano anuncia com grande exaltação:
_ Está tudo certo, meninas! Iremos beber até o amanhecer e festejar esse término de namoro mais épico de todos os tempos!
_ Uuuhuuu... – Comemora Nathalie, pendendo para o lado e erguendo os braços tortuosamente, esbarrando na sua taça e fazendo com que líquido manche grande parte da toalha de mesa.
_ Menos você mocinha, hora de dormir – Ele determina, indo até a irmã e a carregando no colo.
Ela resmunga algumas coisas inaudíveis, e acaba se rendendo ao aconchego do colo num sono incrivelmente rápido. Marco me dá uma piscadela e se retira do aposento, deixando Tomas e eu a sós. O inglês prefere não sentar e manter o silêncio, andando sem rumo pelo lado estreito da sala com as mãos enfiadas nos bolsos. Começo a brincar com uma mecha de cabelo, o constrangimento reinando dentro de mim. Fatalmente lembro das palavras de Nathalie, e pondero se Tomas realmente estava me observando durante o jantar. Quer dizer, há uma porcentagem razoável dela estar correta. Tomas sempre me examinou de longe, desde o início das nossas conversas. E provavelmente nada o impede de também me examinar de perto.
Algo desperta a atenção do inglês e o faz parar com seus passos dispersos, e sem nenhuma palavra ele deixa a sala de jantar e vai até o outro recinto. Minha curiosidade incendeia, mas decido não segui-lo.
Concentro-me na paisagem da noite pelas janelas afora, com uma grande lua minguante enfeitando o céu sem estrelas. Ao fundo as mansões suntuosas se alastram silenciosamente, guardando seus segredos com cada família. Tudo está perfeitamente quieto, calmo, tranquilo... como se ninguém estivesse por ali, e eu fosse a única dona de todo aquele vasto condomínio. Sozinha. Talvez eu realmente seja, e não esteja sozinha.
De repente, uma melodia começa a entoar timidamente pelas paredes da casa. Logo reconheço: são teclas de piano, o mesmo som que compõe a trilha sonora da minha infância de quando mamãe ainda tocava no seu pequeno teclado as músicas de ninar para mim. A música toma mais vigor e possui um dedilhado, no mínimo, de alguém que gastou bons anos treinando. O som melancólico invade a quietude e se funde a ela, unindo os dois elementos numa harmonia de eriçar os pelos.
Posso fazer uma menção de quem esteja tocando.
Cautelosamente arrasto a cadeira e caminho até a entrada da sala de estar, a qual Tomas se dirigiu. Atrás de uma cristaleira me apoio, colando o rosto ao vidro gelado e observando felinamente o rapaz tímido sentado no banquete em frente ao piano de cauda preto reluzente, seus dedos escorregando pelas teclas brancas com uma agilidade admirável. As curvas do seu rosto de perfil acompanham as entonações da música, ganhando tons mais austeros a medida que as notas aumentam. Deixo escapar um sorriso tolo nos lábios ao assisti-lo, escondida. Para quem eu contasse sobre Tom provavelmente diria que ele é um anjo, um príncipe da Disney, logo inexistente. Mas não. Ele é inteiramente real. Apenas é pouco reconhecido, uma doce ironia para um anjo ou príncipe dos contos.
_ Gosta de Bach? – Ele pergunta suavemente sem levantar o rosto das teclas, surpreendendo-me.
_ Como sabia que...
_ Há um espelho aqui na minha frente e vi seu reflexo. Calma, não tenho sexto sentido ou algo parecido – Ele explica com um sorriso cansado, retirando os dedos habilidosos do tablado de teclas.
_ Essa foi boa. Conheço muito pouco sobre música clássica. Tudo o que sei sobre piano é voltado para adormecer crianças. – Brinco, saindo sorrateiramente detrás da cristaleira e aparecendo à luz dos lustres.
_ Então sabe tocar alguma música?
_ Não, minha mãe sabe. Quer dizer, ela me ensinou uma partitura muito boba quando eu era pequena, e nem sei se ainda a lembro.
_ Custa nada tentar – Ele diz, abrindo um espaço no banquete para que eu sente ao seu lado.
_ Definitivamente eu não lembro – Rapidamente tento escapar da situação.
_ Tente. Assim que lembrar o som das notas, a melodia fluirá.
Pela insistência do inglês, sento-me acanhadamente ao seu lado no minúsculo banquete, não conseguindo evitar que nossos quadris se toquem. Estudo o mar de teclas iguais diante a mim, tentando recordar por onde começava. Ouço a respiração de Tom acalentar meu ombro, e sua mão se apoia atrás das minhas costas, fazendo com que metade de seu torso encoste no meu corpo retraído.
_ A música se chama o Bife. Vulgo: música propaganda da Chambinho. – Explico, rindo de mim mesma.
_ Ãh, eu não conheço a música e muito menos o que ser Chambinho. Por acaso é um cantor?
_ Não, esse é o Chimbinha. Chambinho é um iogurte de morango cremoso.
Nós rimos prolongadamente, e assim começo a tocar as primeiras notas.
Mi, Mi, Mi, Dó, La, Si e assim por diante. Até que erro poucas vezes para quem não a toca desde os dez anos de idade.
_ É uma música familiar. Gostei dela. – Elogia Tomas, a proximidade de sua voz provocando cócegas no meu ouvido.
Viro meu rosto para ele e levo um susto pela grande proximidade de nossas faces. Não o vejo deste ângulo desde os beijos na bochecha em que dávamos nas nossas caronas.
_ É uma música boba. Nada comparado a Bach. – Menosprezo, enfeitiçada pelo azul de sua íris.
_ A beleza não tem nenhuma relação com a complexidade. Muito pelo contrário, quanto mais simples, mais bonito soa. – Ele argumenta, fitando-me sem piscar e deixando-me embaraçada. – Desculpe-me por hoje. Actually, por tudo. Sim, eu contei a Allais sobre aqueles boatos terríveis. Mas só o fiz por estar com a raiva subindo a cabeça.
_ Por que raiva? – Indago, quase num murmúrio.
_ Por vê-la com Marco. Por achar que estive numa competição com ele, e acabei perdendo. Mas saiba que agora tenho uma diferente visão sobre tudo. Você merece ser feliz, Noura. E seria muito egoísmo da minha parte ficar chateado por vê-la ao lado de quem ama.
Rapidamente meneio com a cabeça, mergulhada em sorrisos.
_ E se eu falar que talvez os boatos estejam certos?
O rosto de Tomas se converge numa expressão reflexiva, ponderando a minha pergunta.
_ Quer dizer... é tudo uma... mentira? – Ele interroga, pasmo.
_ Sim! – Afirmo, nunca antes tão feliz de dizer tal palavra. – Você não sabe o quanto sonhei em lhe dizer a verdade.
_ E você não sabe o quanto eu sonhei em voltar para as nossas conversas.
Nossas bocas emergem em sorrisos bobos e frouxos. Sinto meu corpo entrar num transe enérgico, cada toque entre nossos corpos se aflorando numa intensidade mil vezes mais forte que a comum. Talvez este seja um momento perfeito para...
_ Que tal abrirmos essa belezura de champagne, crianças?!
Ah, Lorenzito. Sua dívida comigo é maior do que todos os seus boatos juntos.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Escrito ao som de "Stand on the Horizon", de Franz Ferdinand :)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Se o Amor é uma Ilusão, Deixe-me Ser Iludida" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.