Burning Red escrita por Nymeria


Capítulo 2
Amaya Suzukaze




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BAM. BAM. BAM.

– Abre esta merda, abre esta merda, abre esta merda... - murmurava Hideki enquanto batia na porta de Hikaku.

O garoto ficou dois minutos batendo fervorosamente na porta (os dois minutos mais longos de sua vida), esperando que Hikaku aparecesse. Os pais do amigo estavam viajando, então não se preocupava em ser discreto. "Ele está de sacanagem com a minha cara, esse filho da puta...", pensou Hideki consigo mesmo.

Não conseguia tirar aquela menina dos canudos da cabeça. "Suzukaze. Amaya Suzukaze", ela lhe disse. Se seu raciocínio estivesse certo, por Amaya morar na casa abandonada (não tão abandonada agora), era ela a responsável pelos gritos. Mas por que todas as noites, às nove horas? E por que tantos gritos? E quem eram as outras mulheres que gritavam? Tantas perguntas...

Esmurrou a porta de Hikaku sem dó, até que ela rangeu em protesto. As mãos de Hideki estavam cortadas, mas pouco importava. Ele precisava falar com seu amigo e...

– Seu puto! - sussurrou Hikaku para Hideki da janela de seu quarto - Eu tenho um telefone! Sabia disso?

Hideki deu dedo para Hikaku, que riu e sumiu da janela. Alguns segundos depois, apareceu na porta, com cabelos molhados e os óculos que costumava usar de noite. Cruzou os braços para o amigo e olhou-o de cima a baixo, como que para mostrar que a) era mais alto que Hideki e b) estava sem saco para brincadeiras.

– O que voce quer? Já são quase nove da noite, os gritos já já vão começar e...

– Eu conheci uma garota! - interrompeu Hideki. Pela expressão que o rosto de Hikaku tomou, aquele provavelmente não foi o melhor jeito de começar a conversa.

– Você esta me dizendo que esmurrou a porra da minha porta por causa de uma...

– E ela mora na casa abandonada! - interrompeu Hideki mais uma vez. Agora sim, tinha conseguido 200% da atenção de Hikaku. O mais alto fez um sinal para que Hideki prosseguisse - Fui comprar minha barra de chocolate. Beleza? Beleza, de boa. Quando eu cheguei lá, a menina estava comprando canudos.

– Canudos?

– Sim! Um punhado de canudos. Eram MUITOS canudos cara, você não tá entendendo! - respondeu Hideki - Enfim, comecei a conversar com ela sobre músicas e tudo mais e eu me toquei de uma coisa: ela tinha que morar na rua, por que só quem mora nessa rua vai no mercadinho do sr. Furui, certo? - Hikaku fez que sim com a cabeça - Então! Mas a gente conhece todo mundo da rua e eu nunca tinha visto aquela menina mais gorda!

– Ela é gorda? - perguntou Hikaku, claramente desapontado.

– Não não, ela é gostosa. Só tem uma cicatriz enorme na bochecha e usa óculos de armação. Mas é bonita sim.

– Ah sim.

– O nome dela é Amaya - continuou Hideki - E ela foi direto pra casa abandonada quando comprou os canudos dela.

Hideki parou de falar e percebeu que estava arfando. Claro, afinal ficou falando por minutos seguidos sem nem mesmo puxar uma quantidade descente de ar para respirar. Hikaku tinha uma cara pensativa, olhava para a casa abandonada (muito mais assustadora de noite do que de dia) e pensava. Pensava com tanta vontade que Hideki quase conseguia ver as engrenagens rodando na cabeça do colega. Por fim, Hikaku disse:

– Pra que canudos?

Hideki ficou em silencio, encarando Hikaku.

Foda-se os canudos - Hideki disse baixo e com vontade, olhando nos olhos do colega, fazendo com que Hikaku desse um passo para trás - Nós precisamos entrar lá. Agora!

Hikaku sacudiu a cabeça, como se despertasse de um devaneio. Então riu de si mesmo. Que comentário ridículo ele havia feito. Olhou para Hideki, que estava com uma expressão perplexa, e disse:

– Entra aí parceiro. Vamos arrumar nossas coisas e caçar uns fantasmas.

~#~#~

Faltando cinco minutos para as nove, os dois garotos encontravam-se na frente da casa abandonada, com lanternas e barras de cereais. Telefones ligados, mas no silencioso. Hikaku olhou no relógio e levantou o polegar para Hideki. Estava na hora. Tinham exatos cinco minutos para entrar e dar o fora dali.

Então os dois correram para dentro, entraram pela janela sem fazer nenhum barulho. Pararam por alguns segundos, olhando ao redor para ter certeza de que não havia ninguém por perto. Os dois se olharam no escuro e Hideki apontou para trás de Hikaku. A janela pela qual os dois entraram dava no final de um corredor. As portas estavam todas fechadas então, para não correr o risco de fazer barulho, resolveram seguir pelo corredor.

O chão também estava apodrecendo, então, vez ou outra, os passos faziam barulhos baixos contra a madeira. Sim, a casa toda era de madeira, mas isso a tornava elegante, de certa forma. Hikaku poderia apostar que fora uma das casas mais bonitas da rua. Quando chegaram ao final do corredor, os dois olhara o relógio. Quatro minutos.

Devagar e silenciosamente, os meninos entraram na sala de estar. Do lado esquerdo havia a porta de entrada e, do lado direito, uma bela escada, também de madeira, que tinha uma bifurcação, indo para os dois lados. A elegância da sala era assassinada pelos sofás carcomidos, os tapetes rasgados e os quadros jogados pelo chão. A poeira era tanta que Hideki teve que colocar uma blusa amarrada sobre seu nariz para não espirrar.

Seguiram devagar e, até então, nada de Amaya ou de qualquer outra menina. Hikaku sinalizou para o colega, dizendo que deveria se separar, mas Hideki fez um sinal que queria dizer mais ou menos "Seu cú que eu vou andar sozinho nessa casa". Prosseguiram, até ouvirem um barulho que vinha de um dos sofás da sala, perto da porta. Os dois meninos congelaram.

Durante alguns segundos, os dois não ousaram nem mesmo a respirar. Quando Hideki percebeu que faltavam apenas três minutos para que sua pequena aventura noturna acabasse, resolveu verificar o que era o barulho. Agachou-se e engatinhou devagar até a origem do barulho, mas nem mesmo teve a chance de chegar. Antes disso, um vulto negro se jogou contra Hideki, empurrando-o e jogando-o no chão.

Hideki e Hikaku gritaram. Era uma pessoa, Hideki tinha certeza, e essa pessoa o enforcava e grunhia alto. Tinha cabelos curtos, e era forte. Prendeu-o no chão e começou a bater a cabeça de Hideki no chão enquanto o enforcava.

Então a criatura foi jogada no chão por Hikaku, que se atirou contra ela, e os dois rolaram até atingirem a parede do outro lado da sala. Um quadro que estava mal pendurado na parede caiu em cima dos dois e fez um barulho ensurdecedor. Hideki ainda tentava respirar regularmente e, quando viu que Hikaku e a criatura ainda estavam lutando de alguma forma, arrastou-se até a mochila de Hikaku (que ele tinha deixado para trás para poder se jogar) e acendeu a lanterna.

Viu que a criatura estava levando a melhor sobre Hikaku e, viu também que não era uma criatura. Era uma outra menina, de cabelos pretos e curtos que cobriam o rosto, impedindo que Hideki a visse, magra e que usava jeans e uma blusa regata preta. Hikaku, porém, soltou um grito horrível de horror e se jogou para trás. A menina também se atirou para trás e cobriu o rosto com as mãos.

Então passos desceram a escada e Hideki apontou a luz para ninguém mais, ninguém menos do que Amaya Suzukaze segurando um facão e com uma expressão de ódio no rosto.

– Tire esta merda dessa luz do meu rosto! - ela gritou, descendo as escadas - Tire antes que eu corte suas mãos! Anda! Quem é você! O que você quer?

Hideki largou a lanterna no chão e levantou os braços. O rosto de Amaya mudou de ódio para medo.

– H-hideki? - ela perguntou com uma voz baixa.

– E ai Amaya...

A garota que estava com o rosto coberto levantou e olhou para Amaya. A garota do facão de encolheu, claramente amedrontada pela figura. A garota de cabelos curtos estava no escuro de novo, mas ela gesticulava furiosamente para Amaya e batia os pés, socava a parede e grunhia alto. Amaya se encolhia a cada movimento.

– D-desculpa - disse Amaya, como se entendesse absolutamente tudo o que a figura estivesse dizendo - Não foi intencional...

Hideki, confuso, apontou a luz para a garota que gesticulava e reprimiu o seu próprio grito. Era uma garota, de fato. Mas ela tinha sua boca costurada. Sim, tinha uma boca carnuda, reprimida em fios de náilon pretos que impossibilitavam qualquer movimento da boca da menina. Outra peculiaridade dela eram os olhos. Um deles era de um vermelho intenso e o outro de um azul profundo.

Hikaku soltou um grito de guerra e se jogou mais uma vez contra a menina da boca costurada, pronto para scar o rosto dela até que aqueles fios de náilon estourassem na boca dela. Amaya soltou um berro e coreu até a menina, com a intenção de se meter na briga também. Hideki a segurou antes que isso acontecesse.

Ela começou a se debater e a gritar nos braços do menino.

– Calma! Calma - dizia ele - Para com isso, está me machucando!

Mas ela ignorava.

– Para com isso, seu merda! Solta ela! PARA COM ISSO! MAYUMI! LARAGA ELA SEU FILHO DA PUTA! LARGA ELA AGORA! LARGA A MINHA IRMÃ!

Irmã? Nesse momento, Mayumi socou o rosto de Hikaku e se levantou. Amaya se soltou dos braços de Hideki e pulou nos da garota, dando um abraço muito forte na garota. Hikaku quase socou Mayumi por trás, mas Hideki sinalizou para que ele não o fizesse.

Depois do abraço, Mayumi segurou a orelha de Amaya, fazendo com que ela protestasse e começou a gesticular com uma das mãos para a irmã. Amaya não viu metade, mas mesmo assim dizia.

– Tá bom, tá bom... - choramingando.

Hideki então disse.

– Espera... Vocês realmente moram aqui?

Mayumi apontou para Hideki como se o fato de ele estar ali justificasse seus argumentos mudos e fez uma cara de "olha a merda que deu". A menina costurada então soltou a orelha da irmã e cruzou os braços para ele.

– Então... Oi... - disse Hideki, desconfortável pelos olhares que recebia das duas meninas - Eu sou o Hideki... E, bom... Aquele ali é o Hikaku...

Mayumi revirou os olhos, em total desprezo pelo nome. Hikaku soltou um suspiro e olhou para o relógio. Trinta segundos.

– Ahn, então - disse ele - Desculpa por quase te quebrar e tudo mais, mas...

Maruim fez alguns gestos frenéticos com as mãos e bateu os pés algumas vezes. Amaya riu um pouco antes de traduzir.

– Ela disse "O caralho! Quem quase te quebrou fui eu, veado!".

– Enfim! - ele continuou - Faltam 20 segundos para os gritos começarem e a gente tem que dar no pé.

Hideki arregalou os olhos e pegou a mochila de Hikaku, correndo para a janela aberta mais próxima seguido pelo colega. Mayumi fez uns gestos frenéticos com as mãos mais uma vez, sem usar os pés e Amaya traduziu de novo.

– Ela pediu para voces voltarem aqui amanhã de manhã! - ela gritou - Tragam comida!

Hideki virou o rosto para elas e colocou dois dedos na testa e empurrou-os para longe de si, como quem diz "Até mais". Os dois pularam da janela e rolaram pelo gramado espesso, sem parar de andar durante os próximos 15 segundos.

Eles ainda estavam na rua quando os gritos começaram.


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