A vida depois de Champion escrita por Jay Aram


Capítulo 2
Capítulo 2 - JUNE




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Não sei como reagir. Ele lembrou-se de mim. Day lembrou de mim. Ficamos frente a frente alguns minutos sem dizer nada, apenas estudando um ao outro. O reconhecimento no rosto de Day vem e vai à medida que me olha. Ele parece estar tentando se concentrar. Ao nos apresentarmos senti uma pontada de esperança, mas não consigo deixar de sentir culpa e tristeza também. Eu deveria ficar longe dele, ficar comigo é sua ruína. E pior do que ficar longe de Day todos esses anos, é ficar e ser novamente aquela que trás tristeza ao seus olhos. Uma culpa por amar a responsável pela morte da família.

De repente, minha esperança de estar com ele novamente é massacrada por um sentimento sem nome e devastador. Interrompo o silêncio entre nós, fazendo com que ele se surpreenda. O sorriso em seus lábios faz com que eu pare de pensar em tudo, então olho para baixo rapidamente, dou uma desculpa idiota e saio de lá às pressas. Eu sabia que o veria novamente, hoje, na casa da Tess. Mas agora eu precisava de um tempo pra mim.

Fui rapidamente para o meu apartamento. Tentei pensar em quanto tempo se passara desde o nosso encontro, mas pela primeira vez em anos eu não conseguia pensar logicamente. Entrei para o meu quarto e antes de cair na cama, já estava em prantos. Chorei de felicidade por revê-lo. Chorei por ter me reconhecido. Chorei por saber que mais cedo ou mais tarde, ele se lembrará de tudo. De tudo que eu era antes de juntar-me a ele.

Todos esses anos que ficamos separados fizeram bem para ele. Não sei se contaram detalhes da guerra que ocorreu nos seus últimos dias na República, mas quando olhei para ele, o Day , menino de rua, que conheci não existia mais. Agora é alguém diferente, um cidadão comum, alguém ...livre.

Tentei parar de pensar em Day, quer dizer, Daniel. Foi assim que ele se apresentou e é assim que o chamarei a partir de agora se o voltar a ver. Embora já tivesse tomado dois banhos, tomei um terceiro para tentar aliviar as recentes emoções. Ao sair, recebo uma chamada de Tess.

– Onde você está? - pergunta ela animada. - Você não esqueceu do nosso jantar né? - indagou quando não respondi nada.

– Tess - começo a me desculpar - Eu não estou me sentindo muito bem, podemos remarcar?

– De jeito nenhum. Hoje é seu aniversário e você não vai passar sozinha novamente. - Fala com certa autoridade. - Ou você chega aqui em trinta minutos ou a gente vai até ai. - ela desligou a chamada assim que terminou de falar, impedindo qualquer argumentação da minha parte.

Tess, eu e Pascao nos tornamos verdadeiros amigos ao longo desses anos. A ausência de Day nos uniu de tal forma que sempre nos encontrávamos ou para relembrar velhos tempos ou para contar as agitações da semana. Uma coisa alertou minha mente ao que Tess acabou de falar "a gente". A quem será que ela estava se referindo? Ela e Pascao ou mais alguém? Day iria encontrar com ela, mas ela me falaria se ele estivesse lá, ou não?

Interrompi meu próprio debate e relutantemente decidi me arrumar. Uma coisa que aprendi sobre Tess e admirava muito, é que ela é decidida. Então se eu não fosse ao seu encontro, ela e qualquer que sejam as pessoas com ela virão para o meu apartamento. E daqui não terei para onde fugir.

Tento pensar em coisas boas, isolar o passado e pensar apenas no futuro. Eu teria que aprender a conviver com Day, estar lá para quando sua memória finalmente retornasse.

Visto-me com um vestido simples, mas muito bonito e coloco a joia de rubi que Day me deu anos antes. Pensei em deixar meu colar onde está meu anel de clipes, mas decido tirar pela primeira vez. Chego ao apartamento de Tess exatamente no tempo que ela estipulou para tal, mas tudo está escuro e calmo. Droga. Ela deve ter ido para minha casa. Um pensamento invade minha mente.

Já estava me virando para retornar quando algo chamou minha atenção. A porta estava apenas encostada e pude ouvir alguns "shiii" de dentro do apartamento. Alguma coisa apertou dentro de mim, havia muitos anos desde o ataque mas alguns simpatizantes da colônia vez ou outra aprontavam. Peguei minha arma da bolsa e fui em direção à porta. Em um movimento rápido entrei e acendi a luz. Mas tão rápido, pessoas na sala gritaram:

– SURPREEESA! - e começaram a bater palma.

Mesmo em choque consegui distinguir alguns rostos. Deviam ter umas oito pessoas na sala, mas o suficiente para arrancarem um sorriso sem graça e alegre de mim. Percebo em cima da hora que estou empunhando uma arma, e rapidamente a jogo na bolsa envergonhada. Tess e Pascao vem ao meu encontro e me abraçam forte.

– Parabéns, minha linda. - falou Pascao - E obrigada.

– Obrigada pelo que? - respondi sem entender.

Ele olhou de relance para Tess, que fez careta pra ele.

– Por me fazer ganhar a aposta. - Ele falou e caiu na gargalhada. Tess tentou evitar mas acabou rindo também. Ao olharem meu rosto, eles viraram para explicar.

– Tess achou que você iria reagir como uma pessoa normal à sua festa surpresa. - ele ri mais uma vez, parecendo recordar da cena. - Mas eu sabia que com você não é nada comum, então apostamos. Eu esperava que você entrasse alerta e em posição de luta, mas com a arma nas mãos foi ainda melhor e mais engraçado. Relaxa um pouco mulher. - Ele pronuncia a última parte modificando a voz, e nós três caímos na risada. Embora no fundo estivesse envergonhada.

Um abraço surgiu meio aos poucos convidados que ainda não tive chance de cumprimentar. Era Anden. Eu ainda podia sentir o sentimento dele por mim através dos seus gestos, embora nos últimos anos ele tivesse mais contido.

Cumprimentei o restante dos convidados, que eram pessoas que trabalham comigo, e Tess veio novamente até mim com uma caixa de presente.

– É simples, mas de coração. - diz ela com um sorriso sem graça me dando um abraço. E antes que eu possa agradecer, seu sorriso doce muda para um malicioso e ela completa: - Mas acho que seu verdadeiro presente não é "o que" e sim "quem", e ele acaba de chegar.

Olho para trás e vejo dois rapazes loiros como o trigo sorrindo sem parar. Éden e Day. Eles ficam alguns segundos parados lá sem saber o que fazer, então Tess e Pascao vão recebê-los.

Day e Tess ficam abraçados por um bom tempo. Me pergunto quanto tempo eles ficaram sem se falar, e vejo ela sussurrando algo no ouvido dele, ao que ele responde com um sorriso lindo. Depois é a vez de Pascao cumprimentar seu velho amigo.

– Como está, bonitão? - fala com um sorriso largo, e abraça o amigo, que aparentemente não o reconhece. - Antes que você fale que não me conhece, vou te lembrar que salvei sua vida diversas vezes e sempre fui melhor que você em escalar prédios. - Pascao pronuncia essa última parte rindo, e Day retribui o sorriso parecendo digerir o que lhe foi dito, e tentando recordar.

De relance vi Éden se apresentando para Tess, a última vez que se viram, ambos eram crianças. Notei um certo rubor nas bochechas de Éden quando Tess o abraça cumprimentando-o, seu sorriso era sem jeito e envergonhado. E quando Tess se virou, notei o mesmo semblante e não pude deixar de sorrir.

Um lábio próximo à minha orelha me fez parar de prestar atenção na cena, todo meu corpo pareceu ganhar vida e eletricidade à simples presença dele ali. Era Day.

– Duas vezes no mesmo dia - disse ele num sussurro. - Acho que é meu dia de sorte.

Virei-me sem jeito e olhei dentro dos seus olhos azuis. Eu tinha a sensação de que podia enxergar o mundo através deles.

– Desculpe se te chateei mais cedo June. - ele pronuncia meu nome como se tivesse saboreando um doce, e meu coração acelera.

– Eu que tenho que me desculpar, saí com tanta pressa que mal tive tempo de me despedir. -falei dando um meio sorriso lembrando de como agi há pouco tempo.

Ele continua me olhando e estica as mãos para alcançar a joia de rubi, encantado com o que vê.

– Que lindo! - ele diz. - Quem te deu teve muito bom gosto ao escolher a peça, combina perfeitamente com a pessoa que está usando. - ao ouvir seu comentário deixo escapar um sorriso, a ironia do momento me enche de felicidade. Continuo olhando para o seu rosto, ele parece se lembrar de algo, enfia a mão em um dos bolsos e tira de lá uma caixinha simples e um pouco amassada. Ele sorri sem jeito, seu rosto cora e de repente parece que voltamos a ter quinze anos e tenho vontade de abraçá-lo novamente.

– Agora que vi essa joia deslumbrante em você, tenho até vergonha de te dar meu presente. - ele fala passando a mão no cabelo bagunçado nervoso. - Sabia que devia ter comprado algo ao invés de tentar fazer. - ele sussurra. Percebo que ele pronuncia essa última frase pra ele mesmo e não para mim.

– Não sei o que é, mas tenho certeza que vou amar. - falo sem pensar, e lhe dou um sorriso que prontamente é retribuído.

Ele tira a tampa da caixinha e estende seu presente para mim. Na sala, há mais pessoas mas parece ter só nós dois, o momento é nosso e ninguém se atreve a atrapalhar. Olho fixamente para o minusculo anel dentro da caixinha. É um anel de clipes, mas diferente do que aquele que guardo até hoje, esse é mais detalhado e bem trabalhado, e ao olhar bem de perto uma de suas curvas perfeitas contornam a letra J. É lindo. Tento pronunciar um agradecimento, mas o que sai é mais parecido com:

– É lindo! Você... você fez isso hoje? - falo ao pegar o anel nas mãos e vê-lo mais de perto.

Ele parece feliz e orgulhoso de si mesmo, resquícios do velho Day, confiante de si mesmo e de suas habilidades.

– Na verdade não! - revela ele sem graça, e continua. - Fiz ele no meu primeiro ano na Antártida. - ele parece pensar bem no que falará a seguir. - Por muitos anos guardei esse anel, mas hoje, senti que ele devia pertencer à você June. - ele diz meu nome passando o polegar na letra J do anel que me deu.

Fico tão maravilhada com suas palavras que sem que eu perceba, me joguei em cima dele abraçando-o fortemente. Um abraço por todos os anos que ficamos separados. E ele retribui mais forte ainda. Tento conter minhas emoções mas não consigo. Se ele fez o anel no primeiro ano na Antártida, então de alguma forma ele se lembrava de mim, o J evidenciava isso. O soltei minutos depois.

– Posso ter as honras? - ele aponta para o anel, e me pergunta forçando uma formalidade que me faz rir, e ele também.

– Claro! - respondo sem hesitar.

Ele coloca o anel em meus dedos docemente, e naquele momento não há pedra preciosa no mundo que possa substituir aquele presente. O valor daquele simples objeto ninguém poderia pagar. O anel era o recomeço, era a esperança, era o passado, e ao mesmo tempo o futuro. O anel era o Day e eu.


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