Éden está falando a horas. Está realmente empolgado por estar de volta a Los Angeles, e não posso mentir, também me sinto feliz em estar de volta. A tecnologia e a maneira como tudo funciona corretamente na Antártida é fascinante e bem superior à República, mas quando eu andava por lá, sentia-me deslocado, os rostos embora amistosos, eram estranhos. Aquele não era o meu povo. E mesmo depois de tantos anos e amizades que formei, sempre senti que me faltava algo. Uma parte de mim que se fora e por mais que eu me esforçasse não conseguia recordar. Agora, de volta ao meu lar, o ar entra pelos meus pulmões e os enche de vida da mesma forma que faziam há 10 anos. Não. De um jeito melhor ainda, pois agora esse mesmo ar que me dá vida, me dá também a sensação de liberdade.

- Cara, nem acredito que vou começar a trabalhar amanhã mesmo. - saio dos meus devaneios e volto a escutar Éden com sua voz exageradamente animada. - Sério, dá até pra virar um filme "Da favela do Lake à Engenheiro Chefe da República" - ele pronuncia essa última frase como se fosse um locutor de rádio ou algo do tipo e nós dois caímos na risada.

Às vezes, fico pensando em como Éden cresceu e amadureceu ao longo dos anos, meu irmão caçula que antes precisava de mim, e que cabia em meus braços, agora é um gênio reconhecido pelo país. Minha única família, e da qual tenho muito orgulho.

- Aposto que está ansioso para ver a Tess - Éden muda de assunto repentinamente, lembrando-me da minha mais antiga amiga e com quem não falo há tempos. - Não lembro muito bem dela, só que ...

Ele interrompe no meio da frase e abre um largo sorriso. Acompanho seu olhar por trás do óculos de grau e vejo uma jovem, com mais ou menos a minha idade, há poucos metros de distância. Se eu não fosse tão neurótico com algumas coisas, diria que ela estava tentando fingir que não estava nos encarando. Mesmo ao longe, era possível notar sua beleza, possivelmente foi uma adolescente linda e melhorou ainda mais ao longo dos anos. Questiono ao Éden se ele a conhece.

- É...não sei. - ele vacila e me dá um sorriso sem jeito - Acho que não, mas ela é muito bonita não é?

- Sim. Deslumbrante. - respondo sem pensar.

Éden dá um largo sorriso ao ouvir minha resposta e me pergunto por que ele está agindo daquela maneira, mas ignoro, pois não consigo parar de olhar para a mulher. Continuamos andando, e ela começa a seguir uma direção oposta à nossa.

Ao passarmos por ela, a encarei e ela fez o mesmo. O brilho dos seus olhos me trouxe paz e agitação ao mesmo tempo e antes que eu me desse conta, corri até ela. A maneira como reagiu ao meu toque, alertou alguma coisa dentro de mim. Algo que queria voltar à minha mente mas de alguma forma não sabia o caminho.

- Com licença - falei, sem jeito passando as mãos no meu cabelo cortado recentemente - Nós nos conhecemos?

Uma mistura de emoções passaram pelos seus olhos. Pude perceber um misto de esperança, felicidade e até mesmo pesar. Seus olhos me diziam uma coisa, mas da sua boca saiu apenas um sussurro:

- Não, lamento.

A dor nos seus olhos ao pronunciar essas palavras apertaram meu coração, de alguma forma, sinto a necessidade de protegê-la. Um dos meus dedos começa a formigar e só então percebo que é o mesmo dedo que está com um delicado anel feito de clipes. Não lembro de tê-lo colocado, mas nunca quis tirar, tornou-se uma extensão do meu próprio corpo.

Desculpei-me com a moça, afim de deixá-la seguir seu caminho. Mas a ideia de nunca mais vê-la me causava um vazio enorme. É ela. Algo em minha mente gritava. É ela. Ela é a parte que está faltando em mim, eu sinto isso. Mas ela insiste em dizer que não nos conhecemos. E começo a pensar que estou agindo feito um louco falando coisas sem sentido, mesmo achando estar fazendo o correto.

- Preciso me encontrar com meus amigos. - ela diz por fim. E pude notar tristeza em sua voz. Será que eu a estava chateando com meus devaneios? Ou havia mais ali do que eu conseguia notar?

Desculpo-me mais uma vez e deixo escapar que também estou indo encontrar uma amiga. O olhar dela muda novamente. Nunca vi tantas emoções contidas em olhares em tão pouco tempo.

- O nome da sua amiga é Tess? - Ela fala de repente.

Fico surpreso e animado ao mesmo tempo e não consigo esconder isso. A moça então continua e diz que não só a conhece como vai jantar com ela à noite.

Um silêncio toma conta do espaço que nos rodeia. E nos olhamos nos olhos. De repente um misto de imagens confusas tomam conta da minha mente, é tudo uma bagunça e não consigo me concentrar direito. Mas um rosto se destaca em meio às imagens. Um rosto delicado e deslumbrante. O mesmo rosto que estou vendo agora só que mais jovem. Agora entendi o que minha mente insiste em gritar. É ela.

-É você. - sussurro. Minha mente está girando, mas é ela a parte que faltava em meu ser. Quero reconhecê-la, ou melhor, quero conhecê-la novamente, e pronuncio isso em voz alta.

Então, sem nem pensar, aproximo-me e pego sua mão a fim de apresentar-me gentilmente como meus pais me ensinaram e como essa bela jovem merece.

- Oi! - digo com um sorriso - Meu nome é Daniel!

A felicidade estampada em seu rosto diferente do ar que enche meus pulmões de vida e liberdade, faz com que eu me sinta inteiramente vivo, como nunca antes. E ela suavemente responde:

- Oi! Meu nome é June!