Marinwaal: besties forever escrita por Miss Vanderwaal


Capítulo 2
Eu não tenho medo de você




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/574332/chapter/2

– Senhorita Marin? – um moço de semblante simpático e voz aveludada, vestindo um uniforme de enfermagem, me chamou a atenção – Pode me acompanhar, por favor?

Levantei prontamente da cadeira, enxugando uma lágrima que por pouco não caíra em meu joelho, ajeitando a bolsa no ombro e assentindo em seguida.

O rapaz moreno e de cabeça raspada dava passadas rápidas e precisas em meio a um corredor estreito, me deixando um tanto para trás.

Arregalei os olhos ao ver que ele havia destrancado uma porta gradeada, que enfim dava para o quarto de Mona. Me perguntei se todos os pacientes recebiam esse tipo de “segurança” ou se eram só os “casos perdidos”. Senti meu estômago dar uma cambalhota. Sacudi a cabeça. Mona não era um caso perdido. Como dissera Spencer, ela estava doente e, com a medicação certa, poderia vir a melhorar.

O rapaz adentrara o quarto primeiro. Tentei não reparar no quão claustrofóbico aquele lugar aparentava ser. Quatro paredes lisas, uma cama hospitalar no centro, uma escrivaninha de madeira ao lado desta e uma pequena janela na parede oposta à porta. E só.

Poderia ser pior, dizia a mim mesma enquanto observava o rapaz recolher de cima da cama uma bandeja com uma tigelinha de biscoitos mignon, uma maça e um copo do que aparentava ser suco de laranja. Tudo estava intacto.

– Mona – disse ele em uma voz quase infantil, antes de levantar a bandeja, afagando levemente os cabelos de Mona – Sua amiga está aqui. Consegue dizer “olá”?

Nenhuma resposta. Mona estava sentada na extremidade direita da cama, olhando para os raios de sol que agora começavam a entrar pela pequena janela.

– Tenha paciência com ela – o rapaz se virou para mim, falando em voz baixa, e pude ver pelo crachá preso no uniforme que seu nome era Eddie – Ela saiu do hospital há dois dias e foi registrada aqui assim, fisicamente bem mas completamente evasiva.

Eu assenti e Eddie fechou a porta silenciosamente, nos deixando a sós.

Lembro-me de como Mona me parecera frágil da primeira vez em que nós efetivamente conversamos. Mas ali, vestindo aquela camisola cor-de-nada e com os pezinhos descalços pendendo para fora da cama, ela parecia muito mais do que apenas frágil. Ela parecia destruída.

Quis chorar, mas me contive outra vez. Coloquei minha bolsa cuidadosamente junto à guarda inferior da cama, sentando a uma certa distância de Mona, pois não sabia como ela poderia reagir a uma proximidade exagerada. Porém ela ainda parecia não me notar. Continuava com o rosto virado para a janela.

A queda do penhasco parecera muito feia. Eu nunca imaginaria que alguém pudesse ser capaz de sobreviver àquilo. Mas Mona sobrevivera. E não apenas isso, mas também não sofrera lesões sérias. Mexia todos os membros e, sem contar alguns arranhões pelo corpo e uma prótese que envolvia sua região lombar devido a uma concussão (o que eu soubera na tarde anterior, quando ligara para agendar a visita), saíra fisicamente ilesa de tal acidente, o que era praticamente um milagre.

Tentei me concentrar no lado bom da situação, para evitar o choro: ela estava viva e diante de mim, inteira. Era isso o que mais importava.

– Então... – comecei, o nervosismo em minha voz ainda era evidente – aqui estou eu... e aí está você.

Tentei sorrir, me aproximando cautelosamente de Mona.

– Como se sente? – coloquei uma mecha de seu cabelo atrás da orelha.

Nenhuma resposta. A pele do rosto dela estava visivelmente ressecada, assim como os cabelos escuros, que estavam soltos e desgranhados.

– Por favor, Mona, converse comigo – implorei, buscando a mão dela, porém a palma desta não desencostou do colchão.

Dei uma leve risada para mim mesma, depois de um tempo em silêncio, fitando minhas unhas. As lágrimas insistiam em se agrupar no fundo de meus olhos.

– Sabe o que é mais irônico? – perguntei, mesmo sabendo que obteria apenas mais silêncio – Quando as garotas souberam que eu viria aqui te visitar, elas tentaram me avisar que você reagiria assim. Que não havia como eu ajudar em relação ao seu tratamento. Mas eu batia o pé e tentava convencer a todos de que eu estava fazendo isso por mim, e não por você.

Olhei para a janela por segundos.

– Mas quem é que estou tentando enganar? É claro que eu estou aqui por você – uma lágrima finalmente escapou – Eu sinto sua falta, sabia?

A expressão de Mona ainda não havia mudado. Olhava congelada para a janela, os braços paralelos ao corpo, eretos e as mãos grudadas no colchão.

– Não podemos voltar ao que éramos antes? – perguntei, esperançosa, o rosto já úmido – Hein? Não podemos voltar a ser apenas aquelas garotas tontas que roubavam pulseiras da Tiffany’s e faziam quarentões ficarem com as calças molhadas?

Eu procurava desesperadamente por algum sinal de emoção no rosto dela. Nada. Ela aparentava estar vazia e aquilo já estava começando a me enraivecer.

– Droga, Mona – baixei o olhar novamente, apertando as pálpebras uma contra a outra para me livrar do excesso de lágrimas – Não vê que estou com medo? Estive apavorada como nunca estive antes desde aquela noite – fiz uma pausa – Você deve saber que as mensagens não pararam mesmo com você estando aqui, não é?

Parei para analisar mais uma vez o rosto de Mona, que parecia o de uma adolescente rebelde cujos pais mandaram para o quarto depois de ela ter saído de casa sem permissão.

– É claro que você sabe – continuei, como se isso fosse óbvio – Mas saiba de uma coisa: – meu olhar agora era firme assim como a voz. Falava rente ao ouvido de Mona – eu não tenho medo de –A. Eu seria capaz de matar –A com minhas próprias mãos. Não tenho medo do resto dessa equipe ou de quem quer que seja o chefe dela.

Me afastei, voltando a falar com uma voz mais terna.

– Meu único medo, desde que esse pesadelo começou, há uma semana atrás, é perder você. Minhas amigas ainda veem você como uma ameaça – passei as costas das mãos pelo rosto – Mas eu não. Eu ainda nego tudo o que aconteceu, à noite, na hora de dormir. Eu sei que o que nós tivemos foi real. E eu sei também que, na sua cabeça, você encontrou uma justificativa para tudo isso. Você odiava a Alison e eu entendo. Se eu estivesse em seu lugar, também a odiaria e iria querer vingança. Mas aí é que está! – um sorriso breve surgiu em meu rosto – Infelizmente, Alison só mostrara a você o lado ruim dela, o lado repugnante. Mas todos têm um lado bom, Mona. E nós conhecêramos o lado bom de Alison. O lado amigo, o lado sentimental. Eu sei que é impossível para você acreditar, mas... Alison sabia como ser uma boa amiga.

Respirei fundo, nostálgica. As memórias de Alison haviam dominado minha mente de novo: o jeito como ela iluminava um recinto inteiro apenas com o sorriso, seus abraços confortantes (que não eram muito corriqueiros mas, quando aconteciam, eram capazes de colar as pecinhas de nossos corações eventualmente quebrados). Deus! Como era possível existir dois lados tão diferentes de uma mesma moeda?

– Eu apenas gostaria que você tivesse me contado sobre esse ódio que sentia por Alison antes – eu disse, depois de um tempo – Nos ensinam, desde muito pequenos, em programas como Vila Sésamo, que o amor se sobrepõe ao ódio, não é? Pois, então? Eu amo você. E poderia ter feito esse ódio desaparecer. Não sei agora direito como, mas tenho certeza de que poderia.

Não aguentava mais segurar as lágrimas. Com as duas mãos enganchadas ao braço direito de Mona, encostei minha testa em seu ombro, deixando-me soluçar por fim.

– Por que você não se abriu comigo, sua idiota? Por que você não procurou por ajuda? Por quê? O que você fez tinha como não ser o último recurso. Eu... eu poderia ter feito algo... juro que poderia...

E então eu parei, ao sentir o lado direito de Mona se mover. Me afastei em um sobressalto, incrédula. Ela estava agora de frente para mim, ainda que não inteiramente com o corpo, pois a prótese ainda debilitava seus movimentos, mas seus grandes olhos castanho-claros me fitavam. Seus lábios tentavam curvar-se para cima, ainda que imperceptivelmente, e ela permitiu que eu fosse ao encontro de sua mão direita, ainda que não a apertasse contra a minha em resposta.

– Você está aqui! – exclamei, ainda que com a voz quase nula devido a emoção – Eu sabia!

Envolvi Mona em um abraço, achando, obviamente, que ela deslisaria também suas mãos por minhas costas em seguida, mas isso não aconteceu. Seu corpo ainda estava frio e inarticulado. Porém eu não me importava. Clamava apenas por um sinal e ela me dera um.

Assim que me desprendi de Mona, permaneci em silêncio, observando suas expressões com mais atenção, embora não houvessem muitas. Ela ainda permanecia de frente para mim e, por um momento, pensei que fosse me confessar algo, mas nada disse. Fazia rabiscos imaginários no colchão com um indicador, de olhar e cabeça baixos.

Sua figura estava, de fato, frágil e infantilizada, o que me causou uma vontade imensa de deitar sua cabeça em meu colo e acariciar-lhe os cabelos. Não o fiz, porém fiquei imaginando a cena por um tempo, antes de levar a mão esquerda cautelosamente ao rosto dela. Mona reagiu ao meu toque instantaneamente, levantando a cabeça.

Seus olhos brilhavam sutilmente, como se estivessem lubrificados por lágrimas, e seus lábios ainda mantinham a posição anterior, quase que imperceptivelmente curvados para cima. Ela estava quase tão graciosa quanto da primeira vez em que tive o privilégio de olhá-la tão de perto. Seus traços voltavam a exibir doçura. A doçura da Mona que eu conhecia.

– Você ainda está aí dentro, não está? – perguntei, em voz baixa e delicada – Sei que está e sei que ouviu tudo o que eu disse.

Fitava-a com precisão e fazia questão de não tirar a mão que ainda repousava em seu rosto, evitando assim que ela desviasse o olhar.

– Quero me escute com muita atenção, está bem? – ela não assentiu, mas ainda sustentava o olhar em mim, o que encarei como um bom sinal – Sei que eu não devia pensar assim, mas ainda acho que tive certa parcela de culpa no que aconteceu com você. E quero que saiba que eu nunca mais vou deixar você. Você ouviu? – beijei-a na testa – O posto de "Melhor Melhor Amiga" ainda é seu e isso nunca vai mudar.

Fiz uma pausa, sorrindo nostalgicamente outra vez.

– Eu disse a mesma coisa em nosso primeiro natal juntas, não disse? Nós estávamos aqui mesmo na Filadélfia para nossa primeira compra oficial de natal como as novas It Girls de Rosewood High, você se lembra? Nós paramos em frente a uma loja qualquer do centro que tinha uma árvore de natal na entrada. Você me disse para pegar um dos cartoezinhos em formato de flocos de neve que estavam nos galhos e escrever um desejo. Eu achei que você ia pedir algo fútil como um Ray Ban de 530 dólares, então eu também escrevi algo do tipo. Nós colocamos os cartoezinhos de volta na árvore e, depois de termos nos afastado da loja, eu perguntei o que você havia pedido. E você me disse que pedira para que ficássemos juntas por muito tempo, pois eu era sua primeira amiga.

Sorri novamente, constatando que a cena estava fresca em minha memória.

– Depois que meu queixo secretamente caiu – continuei – , eu prometi, com todas as letras, que seríamos melhores amigas para sempre. Realmente não sei o que fiz para te fazer duvidar, mas...

Sacudi a cabeça, não permitindo que os pensamentos “depressivos” me atingissem de novo.

– Aqui estou eu renovando meus votos. E quero que desta vez você acredite.

Fitei-a novamente, procurando por alguma outra reação. Nada.

– Eu amo você – repeti, beijando delicadamente as costas de sua mão direita – e você não irá se livrar de mim tão fácil.

Finalmente levantei, ajeitando a saia um tanto curta demais para aquela época do ano. Não queria deixar Mona ali sozinha, mas pensei em Caleb e em como ele devia estar roendo a unha do dedão naquele exato momento, no banco do motorista, impaciente. Lembrar que ele me esperava do lado de fora daquele lugar fez meus ombros relaxarem.

– Eu volto, Mona – informei, um tanto nervosa. Queria que ela tivesse certeza disso.

Dei uma olhada rápida no relógio de prata que envolvia frouxamente meu pulso esquerdo, assim que fechei a porta atrás de mim. Dez minutos apenas haviam se passado desde as nove, ou nem isso, porque o ponteiro dos minutos não havia chegado exatamente ao dois. Dez míseros minutos ainda que o tempo parecesse ter se arrastado dentro daquele pequeno quarto, como se cada palavra tivesse sido dita por mim em uma lentidão descomunal. Me perguntei se não era pior para Mona, afinal, eu podia ir embora dali, ela não. E não pude evitar sentir pena. Parte de mim queria apenas voltar lá e tomá-la em meus braços mais uma vez, dizendo-a que tudo ia ficar bem. Novamente não o fiz, mas mentalizei a cena, desejando que tal fosse passada a ela por telepatia.

A porta gradeada à minha frente ainda estava eletronicamente trancada e, embora eu avistasse um quarto do balcão da recepção de onde eu estava, não me via gritando para que alguém viesse destrancá-la. Certamente o enfermeiro Eddie ou alguém viria ao meu encontro quando o tempo regulamentado para as visitas acabasse.

Flexionei as pernas e desci o corpo rente à parede fria ao lado do quarto de Mona. Por um momento, prendi a respiração para ver se conseguia ouvir algo do outro lado. Nada. Continuaria ela na mesma posição, praticamente morta por dentro? Tinha medo de me responder essa pergunta.

Afundei o rosto entre os joelhos. E se Mona nunca mais conseguisse voltar ao que era antes? Isso me apavorava, pois sabia que minha vida jamais seria a mesma sem ela, ou sem a essência dela, afinal o corpo estava ali de qualquer jeito.

Eu me divertia com as vezes em que Mona me forçava a ir a uma festa, fosse ela qual fosse (desde os bailes sem álcool de Rosewood High até as festas anuais “de arromba” que os Kahn davam para “celebrar” mais um ano letivo que começaria.

É claro que você vai, dizia Mona, se estiver andando e respirando, você vai.

Depois que nos tornamos garotas populares (e efetivamente invejadas), toda a oportunidade (desde festas de Halloween à saídas de campo com a classe de geografia) era uma Senhora Oportunidade para Mona se exibir. E, ainda que alguns a julgassem irritantemente hipócrita, ela se tornara mais divertida e confiante desde a transformação. E isso era bonito de observar, pelo menos para mim, que a conhecia desde os tempos em que ela não conseguia encarar a própria imagem no espelho.

E então... tudo isso estava acabado? Eu me recusava a acreditar, com todas as forças, embora meus olhos estivessem queimando mais uma vez com as lágrimas.

Não sabia dizer quanto tempo havia ficado ali, encolhida, mas quando uma voz masculina chamou por mim, me fazendo levantar a cabeça, pareceu que eu havia acordado de um sono leve.

Era Caleb, com o mesmo adesivo de “visitante” colado na jaqueta jeans verde. Ele não ia entrar, me explicou depois, apenas estava preocupado com a minha demora.

– O que aconteceu? – ele perguntou, me ajudando a levantar – Você está bem?

Não respondi, apenas enganchei-me em seu pescoço. Ele respondeu ao meu gesto prontamente, ainda que possivelmente confuso, envolvendo seus braços firmemente ao redor de minha cintura, aquecendo-me instantaneamente.

– Deus, estou tão feliz que você esteja aqui! – sussurrei, num tom um tanto desesperado.

E estava, de fato. Estava feliz em abraçar e ser abraçada por um corpo quente, que me fazia sentir protegida.

Caleb me apertou ainda mais contra si depois de ouvir aquilo, erguendo-me alguns centímetros do chão, o que fez com que enorme parte da tensão presente em meu corpo sumisse. Meus lábios roçavam delicadamente contra a pele do pescoço dele e o cheiro de sua colônia fazia meus sentidos pulsarem. Cerrei os olhos a fim de absorver aquela fragrância levemente forte e, por um breve momento, pude esquecer de todo o resto.

– Hanna – chamou-me ele, fazendo com que nos desprendêssemos e com que eu voltasse bruscamente à realidade – Meu amor, pode, por favor, me dizer o que houve? Como está Mona?

Caminhávamos já para fora do hospital, de mãos entrelaçadas, e eu não conseguia conter a felicidade por ter ouvido aquele “meu amor” sair dos lábios dele, como se eu tivesse ficado sem ouvir tal durante muito tempo.

– Ela... está bem – respondi, não muito convincentemente e não sentindo a necessidade de entrar em detalhes – A melhora, a partir de agora, vai ser ser lenta e gradual.

Foi tudo o que consegui dizer, constatando que tamanho eufemismo fazia eu me sentir mal, pois sabia que não era inteiramente verdade, mas ao mesmo tempo me provocava um imenso conforto.

Rezei para que Caleb não tocasse mais no assunto. Tinha medo dos questionamentos que ele pudesse ter em relação a isso tudo. Ele, recentemente, havia tomado conhecimento da existência de –A, das ameaças e da antiga contenda entre Alison e Mona e, por algum motivo, ele ainda parecia não acreditar na instabilidade mental de minha melhor amiga.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!