Marinwaal: besties forever escrita por Miss Vanderwaal


Capítulo 14
Promessa é dívida


Notas iniciais do capítulo

Bem, aí está! Já estou nostálgica :'(

Não garanto uma terceira temporada "Marinwaal", mas vou trabalhar nisto! :)



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Um sobretudo fino de veludo vermelho fora o que eu conseguira achar em minha ida ao shopping na noite anterior. Parecia assustadoramente com o do desenho de Aria. A cor era um vermelho vivo, quase fluorescente, que daria para ser notado se o casaco estivesse jogado em um assento de um estádio de futebol lotado.

Assim que ergui o cabide na altura dos olhos, para analisar melhor, pude ver um corpo sem rosto se encaixar dentro da peça de roupa, e tal tinha uma longa cabeleira loira. Calafrios percorreram meu corpo e eu larguei o casaco por um segundo, a fim de deletar a mensagem de –A que havia recebido no caminho para lá. O fiz sem nem ao menos me dar o trabalho de lê-la mais uma vez e, assim que guardei o celular novamente, me senti mais leve.

Acordei às sete horas na manhã seguinte e uma hora depois eu já estava na escola. Por sorte minha mãe não encrencou com o casaco – ela sabia que eu quase nunca fazia cerimônias quanto a usar o cartão de crédito –, apenas com o fato de eu estar uma hora adiantada para a escola – isto porque quase ninguém chegava na escola às oito da manhã, nem mesmo Spencer. Dei-a a mesma desculpa que dera à mãe de Mona dias atrás: que tinha vários testes antes das férias de inverno e precisava estudar.

Meu plano era deixar meu material em meu armário, descer de volta para o pátio frontal, esperar por Mona e deixar que ela se interessasse em descobrir quem estava com a cabeça coberta pelo capuz do casaco vermelho. Se eu conseguisse atrair a atenção dela o suficiente para que ela se sentisse na necessidade de me seguir, significava que ela havia dito a verdade e que de fato não sabia quem estava no comando da equipe –A, o que me faria confiar nela mais uma vez, ou apenas o suficiente para querer me sentar e ouvir o que ela tinha a dizer sobre ter me atropelado. Mas se ela apenas me visse ali e ficasse parada como se soubesse que devia manter distância... significaria o pior.

Eu não queria pensar. Queria executar o que estava em minha mente da forma mais rápida possível, da forma como se arranca um band-aid do joelho. O único problema era que parte de mim naquele momento se sentia como uma criança com medo de que o corte por baixo do curativo estivesse inflamado.

Atravessei a rua e esperei atrás de uma árvore – que me dava uma boa e segura visão da fachada da escola – por cerca de meia hora até que o pessoal começasse a chegar. Spencer e Emily apareceram antes de Mona e ficaram em pé, junto a entrada do prédio, conversando. Meu coração martelava contra o peito. No bolso direito do casaco eu tinha meu próprio celular e no esquerdo, o Blackberry antigo de minha mãe, que eu nem mais lembrava se funcionava ou não. Mas o importante era que se tratava de um aparelho que ninguém conhecia e eu poderia exibi-lo sem que ninguém desconfiasse.

Cobri a cabeça com o capuz e voltei para a calçada da escola assim que vi Mona indo em direção à mesma mesa de piquenique na qual conversáramos na tarde anterior. Me refugiei atrás da árvore mais próxima e me permiti respirar por um tempo. Eu não sabia o que fazer para que meu coração se acalmasse.

Mona abriu o livro de biologia e baixou a cabeça para ler. Tinha os cabelos escuros presos em uma trança única que escorria por seu ombro esquerdo; parecia tão... inofensiva. Por um momento minhas pernas tremeram e eu não soube mais o que fazer. Tinha medo que aquela árvore não me desse cobertura o suficiente. Mas então Mona levantou a cabeça e fez uma pequena varredura pelo local com estranheza no rosto, como se tivesse ouvido um ruído em um ambiente silencioso, ou como se sentissse que estava sendo vigiada, e eu lembrei subitamente que minha ideia desde o começo era chamar a atenção dela. Sabia que era hora de tirar o blackberry do bolso e rezar para que Mona achasse suficientemente peculiar a figura de uma garota mandando mensagens de texto detrás de uma árvore e usando um sobretudo vermelho, querando assim descobrir quem diabos essa garota era.

Eu segurava o aparelho desligado à meia distância do rosto, fingindo estar muito compenetrada no conteúdo dele. Segundos depois, lutei para poder levantar os olhos sem mexer um milímetro do pescoço, e Mona tinha uma expressão contida de pavor no rosto. Eu conseguia ver que ela estreitava os olhos, tentando ter certeza de que o que via era real.

Baixei os olhos para o aparelho desligado mais uma vez porém sentia o olhar de Mona ainda em mim. Inspirei coragem e comecei a caminhar firme e rapidamente para dentro da escola. Por um momento, também senti os olhares de Emily e Spencer em mim quando passei voando por elas, mas o resto dos adolescentes ali não parecia me notar.

Ziguezagueei estrategicamente por quase todos os corredores daquela escola, desviando vez ou outra de alguém, mas sem nunca me atrever a diminuir a velocidade. Pavor começou a me dominar novamente, pois eu não sentia alguém atrás de mim.

Vi, diante do banheiro feminino, uma chance de parar. De frente para a parede, num beco sem saída, minha ideia era descobrir lentamente a cabeça e me virar para ver meu corte inflamado, mas escutei saltos curtos vindo em minha direção e a mão de Mona puxou meu braço, me girando em cento e oitenta graus – com uma força que achava que ela não era capaz de ter – antes que eu pudesse fazê-lo.

Deus não sabia o alívio que eu sentia em vê-la ali!

Na primeira fração de segundo, a expressão de Mona era de pura fúria. Depois se suavizou um pouco e, me analisando de cima a baixo, ela agora aparentava estar completamente confusa.

– Hanna? – ela juntou as sobrancelhas, a voz quase não saindo – Mas que droga é essa?!

Ela ainda segurava meu braço com certa firmeza. O sinal para a primeira aula soou e eu deixei que já não houvesse mais barulho nenhum para me pronunciar.

– Você me seguiu até aqui – eu contestei o óbvio, ainda um tanto atônita – Isso significa que falou a verdade. Que também não sabe quem ela é.

Era muito bom dizer tais frases uma atrás da outra. Mona finalmente largou meu braço e balançou a cabeça sutilmente. Seus olhos esbanjavam decepção. Era como se ela claramente falasse “como pôde duvidar de mim?”. E empurrou com força a porta vai-e-vem do banheiro. Ela voltava correndo de volta para o pátio frontal e eu a segui, gritando para que esperasse mas ela, obviamente, não me deu ouvidos.

Desisti de correr ainda no meio do corredor dos armários, que estava lotado com o trânsito de adolescentes. Notei que três patricinhas cochichavam entre si com os olhos pregados no armário de Mona. Em letra cursiva e tinta spray vermelha, lia-se a palavra psicótica atravessada para caber na portinha de metal azul. A atitude berrava “isso não tem nada a ver com -A".

Em um instinto, olhei para trás. Parado junto ao seu armário, estava Lucas. Ele estava com a barba por fazer e os cabelos pareciam mais compridos e desgranhados do que de costume. Ele aparentava estar um pouco nervoso. Cruzava as alças da mochila sobre o peito e em sua testa lia-se basicamente culpado.

Eu não o reconhecia mais. Ele andava faltando às aulas, arrumava brigas por motivos banais nos corredores e parecia que havia diminuído o número de banhos que tomava na semana. Eu sabia que o bilhete no armário de Mona havia sido ideia dele também. Lancei a ele um olhar de desgosto e continuei caminhando na direção para onde Mona havia corrido.

Spencer e Emily não estavam mais lá, o pátio estava vazio e restava apenas Mona ali, com os braços apoiados na mesa verde de piquenique. Ela parecia tentar não chorar. Reprimi a vontade que me atingiu de abraçá-la.

– Você me mandou uma mensagem ontem à noite? – eu perguntei a ela do topo da escada frontal, desejando que ela apenas me contasse a verdade. Fosse o que fosse, eu sentia que não poderia mais ser surpreendida.

– Como é que é? – ela se virou para mim, com a mesma expressão furiosa e confusa de antes.

– Você me ouviu – eu rebati, firme, descendo as escadas e ficando frente a frente com ela – Uma mensagem. Ontem à noite. Você me mandou?

Eu não queria usar as palavras “assinado por –A”, mas era claro que ela sabia exatamente a o que eu me referia.

– Desde que eu saí daquele hospital, não tenho permissão de usar um celular – disse ela, como se aquilo fosse óbvio – Internet com acesso supervisionado, apenas para assuntos escolares.

– Bem, nós sabemos como foi fácil para você descolar mais de um celular enquanto fazia aqueles seus outros serviços – disparei, tentando soar calmamente irônica.

Mona olhou-me como se não me conhecesse.

– Mas de que diabos você está falando?

– Não se faça de burra, Mona! – cuspi, dando um passo na direção dela – Porque eu sei que isso é a única coisa no mundo que você não é.

– Está certo – ela levantou um pouco a voz e me entregou a bolsa – Reviste-me então, espertalhona, se não acredita.

Suspirei antes de entregar a bolsa de volta para ela.

– Eu não quero revistar você – senti minha voz se suavizar e mostrar esgotamento enquanto sentava à mesa de madeira – Eu quero entender.

Mona mordeu o lábio inferior e se sentou ao meu lado. Pela primeira vez no que parecia ser muito, muito tempo, eu sentia compaixão transbordar daqueles olhos.

– Eu senti quando você me beijou – disse ela delicadamente, como se estivesse me confessando um segredo.

Ouvi-la dizendo aquilo foi como se eu pudesse me agarrar a uma memória familiar muito distante, e controlei a vontade de chorar, me fazendo de desentendida.

– Acha que eu não senti só porque estava dormindo? – continuou ela – Acha que eu não soube que você esteve lá comigo no momento em que eu acordei? E quanto àquilo tudo que você sussurrou para mim? Sobre saber que eu era capaz de mudar, sobre acreditar em mim. Acha que eu não ouvi tudo aquilo?

Ela soava um tanto indignada e parecia querer uma resposta de verdade.

– Como eu posso acreditar em você depois do que você confessou ter feito comigo? – eu a olhava em busca de reais instruções, lágrimas já em meus olhos.

– Hanna, por favor – ela baixou a cabeça, sua voz um sussurro apenas –, você não entende.

– Então me explique! – gritei.

– Na minha festa de aniversário na casa dos Kahn perto da floresta - ela passou as mãos pelos olhos e começou, sem olhar para mim – Ela estava lá. Ela não me disse nada, é claro, mas de um jeito ou de outro eu sabia que ela estava lá. Me vigiando. Pessoalmente, ou por câmeras, ou por algum poder sobrenatural, eu sei lá. Nunca soube como ela trabalhava. Eu só sabia que quase cada passo que eu dava, cada frase que eu dizia, ela controlava.

– Desde... antes de nós nos conhecermos? – cada osso presente em meu corpo sentiu a dor de dizer aquelas palavras.

Houve um segundo de silêncio. Deixei que Mona entrelaçasse meus dedos nos dela e ela balançou a cabeça negativamente.

– Talvez você não acredite em nada – disse ela, vacilante – Mas eu preciso falar mesmo assim.

Nossas palmas se encaixaram e encontramos nossos olhares.

– A minha história com você – continuou ela, soando convicta –, antes deste inferno todo começar, foi a coisa mais real que eu já vivi. E eu tenho muito orgulho de dizer que não precisei fingir um só segundo quando dizia que te amava.

Os olhos dela estavam presos aos meus e ela não piscava. Realmente não parecia estar mentindo. Eu via um brilho especial no castanho dos olhos dela e, por um momento, achei que tivéssemos voltado no tempo. Um tempo onde –A não existia. Mona, então, baixou os olhos e parte daquele “momento” passou, mas ela ainda continuava com sua mão esquerda na minha direita, acariciando-a com o polegar, o que me deixava emocionada.

– Ela se apresentou para mim mais ou menos um mês antes de Alison ser dada como morta – ela informou, em uma voz mais séria.

– Apresentou? – eu repeti, confusa.

– Por mensagens através de um número bloqueado. Ela disse “quem era” e qual era o objetivo dela em fazer contato comigo. Precisei de uma centena de mensagens para me sentir convencida de que ela era real. Tais iam desde a nota que eu havia tirado no semestre passado até a roupa que eu usava no momento. Ela me conhecia. Sabia que eu tinha um motivo para querer fazer o que ela estava me propondo. Em uma manhã, eu acordei e três ou quatro dos diários de Alison estavam em minha caixa de correio. Eu devorei página por página, um após o outro, descobrindo cada segredinho sujo de vocês. Coisas grandes. Coisas suas, também, Hanna. Coisas que você não contava nem para mim – ela fez uma pausa para me lançar mais um olhar decepcionado – E eu comecei a ter ainda mais nojo da Alison e de como ela fazia para que vocês contassem tudo a ela. O jeito como ela manipulava vocês era doentio. E vocês faziam tudo o que ela dizia, sem nem questionar. Ela merecia ser punida. Está certo que no começo eu não entendi como ameaçar vocês faria eu me vingar de Alison, mas tendo todo aquele poder nas mãos, eu me sentia invencível!

Havia uma empolgação diferenciada na voz de Mona agora e ela apertava minha mão com mais força.

– A sensação de saber de tudo era como experimentar drogas. Era muito bom no começo, fazia meus níveis de adrenalina subirem a graus altíssimos. Mas, como você já deve imaginar, eu comecei a ficar viciada, obcecada. Não sabia distinguir o perigo em minha frente até... a noite da festa.

Mona afrouxou um pouco minha mão mas ainda a manteve junto a sua.

– Por algum motivo estúpido vocês foram àquela festa suspeitando que Noel Kahn fosse –A e ela sabia disso. Me disse que vocês estavam bancando as detetives e que eu devia fizer algo para parar vocês. Eu não entendi de primeira o porquê daquela ordem, mas disse a ela que daria um jeito de manter vocês ocupadas. Mas ela disse que não era o bastante. Disse que você estava metida na floresta com um par de binóculos ao redor do pescoço e que eu deveria fazer algo para parar você primeiro – Mona suspirou nervosamente – Eu disse “não” na primeira vez em que ela sugerira que eu usasse o carro; disse “não” na segunda e ela me avisou que se eu negasse pela terceira, ela ia arranjar um jeito de parar você por completo, sem chances de sobreviver.

Sem chances de sobreviver, eu repeti mentalmente e flashes daquela noite me vieram à mente. Me lembrei da sensação de impotência que sentira ao ver o carro se aproximar. Na hora eu sentira o impacto e a sensação de ser arremessada no ar antes mesmo de fechar os olhos.

– Foi você que mandou a mensagem? “Ela sabia demais ”?

Mona balançou rapidamente a cabeça.

– Não. Você havia acabado de ser atingida, eu estava me afastando do carro quando ouvi o tilintar dos celulares de vocês. Foi ela.

Devagar, soltei a mão de Mona e escondi meu rosto entre os braços. Lágrimas vieram sem permissão. Tentei prender o ar e não fazer barulho. O que me dava mais raiva era que, na época, eu não sabia de porcaria nenhuma. Havia quase morrido por... nada.

Mona me deu tempo e não tentou me tocar ou falar comigo até que eu levantasse a cabeça. Assim que o fiz, notei que Mona também havia se encolhido. Eu literalmente não sabia o que pensar dela. Ela condenara tanto Aria, Emily, Spencer e eu por termos sido manipuladas por Ali durante tanto tempo, mas ela também fora manipulada. Alguém prometera a ela uma vingança que nunca chegara. Ou será que sim? Será que tudo havia valido à pena? Só por ter nas mãos os nossos maiores segredos?

Tinha medo de fazer a ela tal pergunta. E ainda não sabia o que pensar. Ela havia mesmo me atropelado, mas para evitar que algo de pior acontecesse, segundo ela. Não sabia também o que dizer e não estava em condições de falar. Apenas fiquei um tempo olhando para Mona, esperando que ela prosseguisse. E ela, como se lesse meus pensamentos, continuou, calmamente.

– Você pode também não acreditar nisso, mas eu chamei uma ambulância antes mesmo de atingir você – ela tentou dar um fraco sorriso.

Eu ainda estava bastante atônita e tentava absorver tudo aquilo. Mona se endireitou no banco e tocou meu ombro para que eu fizesse o mesmo. Deixei a coluna reta porém não focava o olhar em nada.

– Hanna, por favor, olhe para mim.

Virei o rosto na direção dela, embora não fosse fácil.

– Eu já tive muita inveja de você – ela confessou, parecendo estar envergonhada –Inveja da relação que você tinha com suas amigas. Queria fazer parte daquilo e ficava brava com você por você, inconscientemente, não deixar. Queria que você pagasse por agir assim comigo. Mas não... daquela forma.

Ela virou o rosto para mim e seus olhos brilhavam devido às lágrimas.

– O barulho de você rolando por cima do capô daquele carro ainda me assombra.

Ela respirou fundo e pegou minha mão mais uma vez.

– Não sabe o alívio que eu senti ao ver você naquela cama de hospital, viva e consciente – ela enxugou uma lágrima na tentativa de se recompor – Você parecia tão frágil! Eu quis te carregar no colo até a minha casa e te colocar em uma redoma de vidro, para que mais nada de ruim acontecesse com você.

Mona me lançou um olhar doce que pareceu acariciar meu rosto. Aquilo era exatamente o que eu quis fazer com ela desde que ela se mudara para Rosewood, ainda que eu só tivesse percebido isso muito tempo depois, tarde demais.

– Eu recuei um pouco depois do que aconteceu com você – continuou ela, com a voz num tom mais sério – As mensagens dela eram esparsas e eu sabia por quê. Ela estava avaliando se ainda podia contar comigo, afinal ela sabia do meu ponto fraco. Você, Hanna.

Mona olhou para mim mais uma vez com aquela expressão doce e eu pude sentir o rubor preenchendo minhas bochechas.

– E foi na noite do baile de máscaras que ela viu que não dava mais. Nas palavras dela, eu falhara ao deixar que Spencer soubesse da verdade e falhara ao “deixar” que ela me empurrasse penhasco abaixo.

Houve um longo período de silêncio.

– Se ela não tivesse dispensado você – fiz uma pausa a fim de não demonstrar nervosismo na voz –, teria continuado?

Mona demorou para responder. Ainda continuava com minha mão direita entre sua esquerda e brincava delicadamente com meus dedos.

– Tenho medo de pensar até onde isso tudo iria se tivesse – a voz dela soou incerta – Se você analisar, é uma vingança tão estúpida! – riu com os lábios trêmulos – Alison está morta, não está? Então qual é o ponto de torturar vocês em modo perpétuo? Alison fizera uma lavagem cerebral em vocês, então vocês não têm culpa.

O último comentário de Mona deveria ter feito eu me sentir ofendida, mas ri sutilmente ao invés disso. Era engraçado como as memórias de Alison, há muito tempo, deixaram de invadir minha mente seguidas por um sentimento de empatia. Agora eu lembrava dela apenas como a vadia egoísta que transformara indiretamente nossas vidas em um pesadelo.

Mona encarou o céu quase completamente coberto por nuvens brancas e de aparência fofa por um instante, como se fosse começar a filosofar sobre a vida na Terra.

– Às vezes eu penso que, se Alison estivesse viva e eu tivesse a chance de me vingar somente dela por tudo o que ela já me disse ou fez, deixando vocês todas em paz, eu faria. Mas... – ela baixou a cabeça, voltando a ter um certo tremor na voz – aí eu me lembro do que você me disse na primeira vez em que foi me visitar no Radley. Sobre o amor vencer o ódio – ela sorriu e uma lágrima caiu de cada olho – Eu ouvi isso também, sabia? Mas ao contrário de quando ela veio me visitar, eu ouvi a sua voz. O que eu mais queria era abraçar você, mas eu estava literalmente fora de mim.

Eu, cautelosa e silenciosamente, me aproximei mais dela, passando meu braço direito ao redor de seus ombros. Mona tremia e tinha os braços junto ao corpo.

– Naquele dia, depois que você foi embora – ela continuou –, eu pensei mais sobre o que você havia me dito. Sobre eu não ter pedido ajuda a você quando senti que as coisas estavam saindo fora do controle; sobre ter enganado você; sobre ter feito tudo aquilo em nome de um ódio doentio – ela olhou finalmente para mim, o rosto úmido – Eu senti tanto nojo de mim mesma. Me senti desonrando todas as vezes em que dissemos “eu te amo” uma para a outra.

Mona se recostou, ainda exitante, em meu ombro e me abraçou pela cintura, suspirando em seguida, como se estivesse aliviada ao ver que eu não havia me afastado. Fechei os olhos por um segundo, admitindo para mim mesma que a sensação morna de nossos corpos em contato era realmente maravilhosa.

– Eu não vivo sem você, Hanna – disse ela, em tom tristonho.

Por um segundo, fiquei sem entender a frase.

– O que quer dizer?

Mona se afastou e me olhou nos olhos como se aquilo fosse a coisa mais óbvia do mundo.

– Você age como se não soubesse.

Separei os lábios para responder, mas Mona continuou.

– Eu não lembro de quem eu era ou o que eu fazia antes de conhecer você – disparou ela – Antes de você aparecer, era como se minha vida fosse algo em preto-e-branco, sem graça. Você me ensinou um jeito especial de amar. E foi ouvir que você também me amava desse jeito especial o que me fez recuperar as forças para sair daquela cama – ela baixou a cabeça de repente – Eu não suportaria perder você. Quer dizer, eu sei que já te perdi. Mas saber que você está viva e segura, mesmo que seja longe de mim, já é o suficiente. E se, de alguma forma, eu pudesse remediá-la por tudo o que fiz você passar...

Com a mão esquerda no queixo de Mona, trouxe seu olhar para mim e, sem dizer ou tampouco pensar em alguma coisa, selei os lábios dela com os meus. Como da primeira vez, tal gesto pareceu pegá-la de surpresa e ela não correspondeu de imediato, mas quando o fez, senti minha alma sorrir.

Se comparado aos dois primeiros, aquele momento se estendeu por mais tempo. Eu pude sentir nossos laços se estreitando novamente. Ninguém jamais entenderia aquele amor, e eu já estava ficando sinceramente cansada de inventar justificativas para tal em minha mente.

Assim que separamos nossos lábios, Mona me lançou um sorriso doce e incrédulo que claramente dizia “muito obrigada”. Apenas ali eu conseguia notar o quão bem eu lia as expressões de Mona. Para mim ela era clara como cristal. Colei minha testa à dela, percebendo que sempre tive absoluta certeza do que falaria a seguir.

– Escute, eu estou disposta a colocar uma pedra em cima de tudo isso e ignorar tudo o que possam dizer sobre nós pelas costas, se você também estiver. Que me chamem do que quiserem, eu atingi um ponto onde não me importo mais. Só eu sei o que sofri com você estando longe. Acho que nunca antes me sentira tão sozinha – aninhei-a em meus braços mais uma vez e procurei por suas mãos – Mas esse tempo foi importante. Me fez perceber que eu preciso de você, talvez mais do que nunca; e que não há nada mais importante para mim do que cumprir a promessa que fiz a você, que é maior do que qualquer coisa. A de que eu vou estar aqui – contornei um lado de seu rosto com um indicador – para sempre. Você acredita em mim, não é?

Eu já não sabia mais como estava conseguindo formar as palavras. Sentia o choro preso em minha garganta e as lágrimas deixavam minha visão turva. Me encontrava em uma das piores angústias físicas que já vivera mas, em contrapartida, dizer aquelas palavras em voz alta não poderia me provocar uma sensação mais libertadora.

Não havia me dado conta de que nossos rostos estavam tão próximos um do outro. Na verdade, só fui cair em mim quando senti os lábios de Mona nos meus, em um segundo beijo. Uma lágrima caiu, molhando a minha pele e a dela simultaneamente. Ela enganchou-se em meus ombros em seguida, me deixando, em um primeiro momento, aturdida.

– Não há nada em que eu acredite mais – ela murmurou, e o choque que percorreu meu corpo após ouvir aquilo (juntamente com o abraço forte, que eu já não sabia dizer quanto tempo ficara sem receber dela) foi de impossível descrição.

Jamais existiria alívio maior do que sentir o coração de Mona martelando junto do meu e o tórax dela trabalhando pesadamente devido às suas respirações curtas e aceleradas.

– Eu amo você – sussurrei, de uma forma quase inaudível, não esperando resposta alguma. Apenas precisava colocar para fora.

– Eu também – ela rebateu imediatamente, tocando as pontas dos meus cabelos – Muito.

A força com que segurávamos uma a outra ainda não havia diminuído e tal me deixava sem condições de analisar o que aquilo tudo significava. Eventualmente, a força da réplica de Mona também me atingiu e foi impossível lutar contra os soluços. Assim que tais cessaram, apenas me dei o direito de fechar os olhos e apreciar o abraço mais longo que já recebera, que ainda não havia se partido.

Eu sabia que a verdadeira essência dela estava entre meus braços, pura e simplesmente. Como uma segunda chance. E eu não ia deixar que aquilo fosse estragado. De novo, não.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado :D

Aqui está a cena que me inspirou a pensar em Hanna e Mona como algo mais que melhores amigas: https://www.youtube.com/watch?v=MM46c0sjm1U

E aqui está o fan vídeo mais perfeito já feito delas em toda a história do youtube, para mim. Aliás, acho que a música "because of you" também descreve perfeitamente a relação das duas: https://www.youtube.com/watch?v=-ks7NdYIcSA *alto risco de choro, já digo de ante-mão*

Enfim, o amor que tenho por esse casal que não é casal, é
simplesmente imenso! * --- *