Retrato das coisas que se acham na minha cabeça escrita por Ped5ro


Capítulo 6
O vão mais escuro entre as estrelas




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Frequentemente me pego nesse vazio apertado, sem conseguir respirar direito e com um único pensamento sem volta. E eu ainda posso lhes dar toda esperança, enquanto ainda restar minha fuga.

O pai apareceu no portão da escola. O pequeno estava correndo logo mais a frente, no meio dos amigos, mochila nas costas e rindo de qualquer bobagem. Assim que o avistou, foi correndo em sua direção, abraçá-lo. Sentir a barba cerrada na sua bochecha e nuca, o cheiro de madeira recém-cortada e verniz.

Então o pai tirou-lhe a mochila das costas e pois nas suas. E saíram pela cidade silenciosamente, apenas se olhando de vez em quando sorrindo. Caminhando sempre de uma certa distância um do outro, o menino correndo, girando em círculos, se transformando, ora com os braços abertos voando, fazendo os ruídos da cidade, a buzina dos carros, ora dançando com os cabelos embaraçados, as mãos no alto, sacudindo os pés de fogo, os olhos fechados sentindo o vento abraçar o corpo pequeno. O pai, na frente, ia mostrando o caminho, olhando sempre pra frente, com o rosto com leves vincos, a sabedoria que lhe era implícita nos olhos, o passado escondido nas mãos e nos pés, que tinham andado por tantos lugares, que o menor só conhecia por sua boca, pessoas e coisas que só sabia da existência através dele. Eram como o habitante e a muralha, o soldado e a fortificação, o réu e o juiz, a lei e o jovem. O vaso e a água.

Então pararam quando atingiram a paisagem deserta do mar. O céu nublado parecia se fundir com toda aquela fúria e agitação das ondas, lá na linha do horizonte. Sem sol tudo parecia uma coisa só, tudo era só mar pra lá e pra cá só terra e vento. Desceram da calçada e foram andando pela longa faixa de areia muito branca, depois subiram os degraus de pedra de um quiosque e sentaram num dos bancos de madeira irregular sob um frágil teto de palha e zinco. E ficaram de lá olhando a mar se levantar cada vez mais alto, o pequeno com medo de que ele levasse tudo, engolisse ele e o mundo. A luz cinza e azulada fazia o dia parecer fim de tarde, as brumas, brancas feito mármore, se agarravam na areia para então depois desaparecer noutra quebrada de uma onda. A maré que pouco a pouco tomava mais partes da areia, chegando mais perto da escada de pedras, mais perto do pai e do filho.

O filho então correu para junto do pai, se agarrando na blusa, cobrindo a cabeça com seu casaco, ouvindo o som do mar e do coração. Parecia que não havia mais ninguém no mundo, parecia por um instante que não tinha mais casa, que todo dia seria sempre nublado e o mar sempre estaria bravo e inquieto, os dias seriam cinzas e o oceano perderia o azul para se tornar verde.

Tudo era meio pálido e ilusório. O tempo parecia ter se retirado dos relógios e a vida nunca passaria, o garoto achou que seria sempre garoto e que o pai seria sempre desse jeito, sempre sábio, continuamente ciente das coisas e do futuro. Até que numa onda mais forte, a água chegou no primeiro degrau da escadaria, fazendo a areia marcada das pegadas ficar lisa, soltando pequenas bolhas de ar de dentro de dela. O filho foi até lá embaixo e começou a tapar todos aqueles buraquinhos, um por um, consertando o mundo do jeito dele. E quando olhou o pai, que ainda estava sentado lá em cima sob o teto de palha e zinco, viu que estava fazendo certo. Acenou e gritou, pulou e cantou, dançou pra que chovesse, mas amanhã fizesse sol. Chegou até a beirada da praia, onde o mar quase podia alcançá-lo, temeu que o fizesse, mas depois se sentiu seguro e começou a correr, percorrendo a extensão da praia, sonhando que alguém dia chegaria até o fim dela, mesmo sabendo que ela era grande demais, mas algum dia ele e o pai chegariam no fim dela. Ele correu no meio das ondas que lambiam seus pés pequenos demais para caminhar onde o pai tinha caminhado, os olhos serenos demais para ver o que o pai viu, o dia nublado demais para fazer ver o sol se pôr atrás das casuarinas.

Mas se todo dia a gente compreende mais uma coisa, recolhe mais do mundo, maior é a certeza da felicidade como bem essencial em nossa jornada. Mesmo que seja uma felicidade egoísta, uma alegria cega ou um bem que vai te matar; prefira os amores fugazes e cegos, porque ao menos se você morrer, pode parecer, embora tolamente, que morreu feliz. Não há felicidade alguma na razão e na verdade, é tudo tristeza, desapontamento. Por isso os tolos são felizes e são os únicos que vivem plenamente, pois não percebem que o amanhã não tem sentido algum.


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Notas finais do capítulo

O formato de boa parte das coisas reunidas aqui, não alcançaram a forma que eu queria pela inflexibilidade de formato na hora da postagem. Então frequentemente uso negrito, aspas, pontos, etc. Para sub-dividir ou qualquer outra coisa do tipo.
Aos que gostaram, agradeço a atenção. Espero que voltem, qualquer comentário, mensagem, contato é só tomar iniciativa :) (e os que não gostaram idem haha)



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