39

Nico Di Angelo

Depois que Haden foi embora, Inara, Jason e Percy deram alguma desculpa para irem dormir. Eles estavam abalados demais com o que Haden dissera. E se ele cumprisse o que falava?

Os únicos que continuaram no mesmo lugar fora Paula e Nico. Os dois encararam-se e como se conseguissem se entender apenas com um olhar, foram caminhando silenciosamente até o refeitório. Estava tudo silencioso, vazio e escuro. O jantar já havia acabado. Mas quando aconteceu? Eles nem se quer viram um semideus indo jantar. Sem se importarem com isso, Paula e Nico entraram no refeitório.

Os dois sentaram em uma mesa qualquer do refeitório. Nico estava sem sono e, provavelmente, Paula também estava. Eles ficaram em um silêncio desconfortável enquanto pensavam no que Haden havia dito. O que ele dissera sobre Nico era, em partes, verdades. Mas e o que ele dissera sobre Paula? Será que ela havia matado a própria mãe? Perder uma irmã era difícil, mas perder uma mãe era pior ainda – e Nico já havia perdido as duas. Ele preferiu não perguntar nada à Paula, Nico sabia que não era legal quando alguém queria saber mais do que o necessário da sua vida.

A noite estava fria e, por algum motivo, Nico não conseguia sentir frio. Talvez a raiva que ele estava sentindo de Haden o impedisse de sentir qualquer coisa. Nico não se importou muito quando Paula levantou-se e caminhou até a cozinha do refeitório. Nico ficou curioso, mas preferiu ficar calado. Depois de uns dez minutos, Paula voltou trazendo consigo duas xícaras. A filha de Poseidon colocou uma das xícaras na frente de Nico e depois se sentou novamente. Nico tirou os cotovelos da mesa e olhou fixamente para a xícara. Paula estava tomando o conteúdo que tinha dentro da xícara sem dar muita importância se Nico tomaria aquilo ou não.

–O que tem aí dentro? – Nico perguntou, apontando para a xícara.

–Beba – Paula disse simplesmente, e completou segundos depois: – Não é veneno.

Nico pegou a xícara e tomou um gole do líquido que tinha dentro da mesa. Era chá. Chá de camomila – secretamente era o preferido de Nico. Paula terminou seu chá em cinco goles, Nico demorou mais um pouco.

–Você que fez? – ele perguntou, quebrando o silêncio.

–Sim – a garota respondeu.

Nico preferiu não dizer que estava gostoso, Paula poderia ficar gabando-se pelo resto da vida e Nico não tinha paciência para esse tipo de coisa. Paula começou a passar a ponta do dedo indicador pela boca da xícara, olhando para a mesma. Nico, pela primeira vez, não sabia o que falar, pois sempre que ficava perto de Paula eles brigavam e essa noite eles estavam um ao lado do outro por alguns minutos e não tinham brigado, o que era um recorde.

Nico limpou a garganta tentando atrair a atenção de Paula para que ela pudesse puxar conversa, mas a garota não deu atenção, então Nico resolveu falar a primeira coisa que viesse na sua cabeça.

–Será que a sua amiga algum irá descobrir que o namorado não presta?

Paula o encarou.

–Ela já está descobrindo, Nico. Beatriz não é burra, ela apenas não gosta de enxergar a verdade. Principalmente quando a verdade pode doer muito.

–O que você acha que Haden está escondendo?

Paula ficou um tempo em silêncio, tentando procurar as palavras certas a se dizer.

–Não sei – ela respondeu. – Já pensei em várias coisas, mas nenhuma parece ser o que realmente é.

–Ele está ameaçando todos nós – Nico comentou, tentando tomar cuidado para não entrar em um assunto delicado: o passado de cada um.

–É. Isso é muito ruim. Não consigo acreditar que ele ainda não tenha feito nada ruim com Beatriz, sério.

Os dois ficaram em silêncio de novo. Nico deu uma espiada no relógio que sempre levava no pulso – mais um presente dos filhos de Hefesto – e viu que já era quase uma da manhã. Como foi que a hora passou tão depressa? Nico suspirou e encostou-se ao encosto da cadeira, cruzando os braços. O silencia era tão grande que já estava fazendo os ouvidos de Nico doerem. Nico não gostava quando o acampamento ficava tão quieto. Alguns segundos depois, Paula repetiu o movimento de Nico, mas ela virou o rosto na direção dela e ficou o encarando. Nico demorou um pouco, mas virou a cabeça para encará-la também. Eles ficaram alguns minutos assim até ela suspirar e olhar para o teto.

–Sabe, Nico? Estou cansada. Casada de tudo isso que está acontecendo.

–Eu também, Paula. Mas tenho a impressão de que tudo isso não é nem o começo o que ainda irá acontecer.

–Sabe o que é pior? – Paula perguntou.

–Hum?

–Eu tenho a mesma impressão. Você está com o vídeo do Haden aí?

–Sim. Quer vê-lo?

Paula assentiu. Nico tirou o celular do bolso e o segurou para que ele e Paula pudessem ver. Antes de Nico dar play no vídeo, Paula murmurou algo como: "tenho que ter um celular desses.", Nico riu e iniciou o vídeo. Paula não esboçou nenhuma expressão até o fim do vídeo, ela apenas suspirou e colocou o rosto entre as mãos quando o vídeo acabou. Nico guardou o celular e olhou para a filha de Poseidon.

–O que foi? – Nico perguntou.

–Eu quero muito saber o que está acontecendo. Queria poder contar para Beatriz e para Quíron. Quero que Haden seja expulso do acampamento e que não possa mais ferir ninguém. Droga, quero tantas coisas...

–Eu quero tudo isso também – Nico abaixou as mãos e uma delas tocou a mão de Paula, por um momento, nem Nico e nem Paula tomaram a iniciativa de afastar as mãos, mas, depois de um tempo, Paula acabou afastando. Nico continuou: – Mas estamos sem ter muito o que fazer. Só nos resta esperar.

Nico calou-se subitamente, de repente começou a ventar, fazendo Nico arrepiar-se. Nico odiava os poderes, em partes, mas odiava. Odiava principalmente aquele poder. O filho de Hades levantou-se e Paula seguiu o movimento. Nico queria gritar, espernear, sempre que acontecia algo do tipo o estomago de Nico revirava, a garganta ficava seca e cabeça doía. Nico não sabia como, mas tinha certeza: alguém morreu.

–Nico? O que aconteceu? Você parece prestes a vomitar – Paula disse, chamando a atenção do garoto.

–E-eu não sei – Nico passou a mão pela testa, tirando os cabelos dos olhos e sentindo-se um idiota por ter gaguejado. – Quer dizer, alguém morreu.

Paula arregalou os olhos.

–Aqui no acampamento? Como você sabe? Quem morreu?

–Eu não sei, ok?! Apenas senti. Coisas dos filhos de Hades, sabe como é.

Paula e Nico ouviram as portas dos chalés abrindo e alguns semideuses saiam por elas. Todos estavam seguindo na mesma direção: a trilha do chalé dos Deuses menores. Sem hesitar, Nico e Paula os seguiram. Os semideuses estavam aglomerados atrás do chalé catorze – o chalé de Íris.

Paula puxou Nico pela braço antes que ele desse mais um passo. O garoto não entendeu até olhar para baixo. Tinha sangue, muito sangue ali. E o que Nico viu, além do sangue, era tão horrível que podia traumatiza-lo pelo resto da sua vida.

No chão, uma garota estava deitada no meio de um circulo. Mas não foi isso que mais chamou a atenção de Nico. O que mais chamou a atenção dele fora o motivo da morte. A garota estava com um corte grotesco bem acima do útero. Nico reprimiu a vontade de desviar os olhos e sair dali. Aquilo não era normal.

–Meus Deuses... – Paula sussurrou.

Nico não estava tão assutado quanto Paula. O garoto já havia presenciado coisas piores. Quíron chegou minutos depois, o centauro estava tão assustado quanto qualquer semideus ali presentes. Ele parecia não acreditar no que via. Ninguém dizia nada, estava assustados e chocados demais. Paula caminhou para longe de Nico quando Beatriz e Inara chegaram ao local junto com Percy e Jason. O que deixou Nico confuso foi a presença de Haden. Ninguém havia reparado nele, apenas Nico. Ele estava atrás de uma árvore... Sorrindo. O filho de Hécate não reparou que Nico estava o observando e voltou para o chalé vinte – o chalé de Hécate.

40

(P.O.V de ninguém)

–Campistas! – Quíron chamou a atenção dos semideuses que estavam ali. – Quero todos vocês no refeitório. Tentem não acordar os que ainda estão dormindo.

Estava claro que Quíron queria o mínimo de pessoas perambulando pelo acampamento depois do que aconteceu. Os semideuses foram se dissipando para o refeitório e Paula, Nico, Iara, Jason, Percy e Beatriz os seguiram. Os seis estavam calados. Na verdade, todos os semideuses estavam calados.

Quando chegaram ao refeitório, sentaram em mesas aleatórias. Os seis, por exemplo, sentaram na mesa do chalé três. Os cochichos começaram, Nico encarou Paula, Inara, Jason e Percy apenas para ter certeza do que já imaginava: eles já tinham uma ideia sobre quem poderia ser o autor da morte. Apenas Beatriz continuava alheia a tudo, quieta e estranhamente calada.

Beatriz voltou sua atenção para a entrada do refeitório quando Haden adentrou o mesmo. Os cinco semideuses que estavam com Beatriz também olharam para o filho de Hécate. Haden parecia estar procurando alguém, quando seu olhar parou em Beatriz, ele sorriu e caminhou até ela.

–Posso sentar aqui? – Haden perguntou. Ele olhou para os cinco semideuses que continuaram calados, Beatriz também não disse nada. Haden deu de ombros. – Bem, é como dizer. Quem cala consente, não é mesmo? – ele sentou-se.

Com um movimento brusco, Percy levantou da mesa e saiu do refeitório.

–O que deu nele? – Haden perguntou, contendo um sorriso.

Ivan também se juntou à eles, sentou-se ao lado de Paula. Nico pareceu um pouco incomodado com a presença do filhos de Nêmesis, mas ficou quieto.

–Ele deve estar muito abalado com o que aconteceu. Vou atrás dele – Paula disse. A garota deu um selinho em Ivan e saiu atrás de Percy.

Haden deu de ombros e todos continuaram em silêncio. Alguns minutos depois, Paula voltou com Percy. Ela falava algo para ele. O filho de Poseidon estava com uma expressão de raiva estampada no rosto, mas sentou-se novamente à mesa. Paula voltou para o seu lugar e entrelaçou seus dedos nos de Ivan.

–O que foi, Jackson? Ficou com vontade de vomitar? – Haden provocou. Beatriz olhou feio para ele.

–Vai se foder, cara! – disse Percy.

Haden sorriu e continuou calado. Beatriz encarava Percy, mas parecia perdida demais em seus próprios pensamentos. Momentos depois, Quíron entrou no refeitório. Ele estava com uma cara séria e parecia muito cansado.

–Muito bem – Quíron começou a falar, chamando a atenção de todos. –, eu quero saber quem fez aquilo. Aparentemente, não foi uma Harpia. Então, quem foi?

–Está na cara que foi um monstro – Drew disse da mesa de Afrodite.

Inara virou-se para encarar a filha de Afrodite, e disse:

–Não sei se você sabe, Drew, mas o acampamento tem uma proteção mágica. Então, a não ser que um monstro tenha sido invocado por alguém de dentro, obviamente, não foi um deles.

Drew revirou os olhos. Quíron suspirou e voltou a falar.

–Nós vamos dar dois dias para o culpado se manifestar. E, Deuses do Olimpo! Vocês não sabem como é difícil dizer isso, mas o culpado será expulso do acampamento. Não tenho escolha. A morte daquela garota foi um dos piores acontecimentos que aconteceu aqui, então o culpado deve ser expulso imediatamente. Se não foi um semideus, ficarei sabendo. Conversarei com Argus, com Sátiros e Ninfas tentando saber se eles viram algum movimento de monstro por aqui e, claro, quem o invocou será expulso também – Quíron suspirou. – Boa noite, semideuses – e saiu do refeitório.

–Quem vocês acham que fez isso? – Beatriz perguntou.

–Na minha opinião, foi alguém do chalé de Hades – disse Haden.

Inara e Nico trocaram um olhar.

–Quem garante que não foi alguém do chalé de Hécate? – Inara perguntou, semicerrando os olhos.

Haden deu de ombros e riu.

–Acho melhor irmos dormir. Posso levar você para o seu chalé, Beatriz – Haden sugeriu.

–Eu já vou para o chalé também. É melhor eu acompanhar você, Beatriz – Jason disse, ficando de pé.

–Obrigada Jason. Boa noite, gente – Beatriz disse, tentando ignorar Haden.

Ivan beijou Paula e levantou-se da mesa. Ele insistiu para acompanhar Paula até o chalé, mas ela recusou, então ele foi embora sozinho.

Assim que Ivan saiu do refeitório, Haden soltou uma risada. Nico, Paula, Percy e Inara olharam para ele sem entender o motivo da graça.

–É hilário como vocês se acham espertos, mas, na verdade, são um bando de otários – disse o filho de Hécate.

Haden saiu do refeitório e Percy soltou um grito frustrado. Não foi um grito alto, mas Percy conseguiu demonstrar a raiva que estava sentindo. Paula tocou no ombro de Pery tentando acalmá-lo, mas foi em vão. Percy bateu os punhos na mesa e saiu do refeitório.

Não demorou muito para que Percy alcançasse Haden. Paula, Nico e Inara estavam logo atrás do filho de Poseidon. Percy puxou Haden pelo ombro e quando o filho de Hécate virou, Percy acertou um soco em seu rosto. Haden cambaleou para trás e então olhou para Percy com raiva. Muita raiva.

–Tá louco, porra? – Haden quase gritou.

–Eu juro, Haden, que nós vamos acabar com você! – Percy disse, e caminhou na direção dos chalés.

Paula sorriu e acompanhou Percy, Inara e Nico estavam sérios e um pouco receosos de que Haden poderia fazer algo ruim com Percy depois disso, mas seguiram para o chalé de Hades. Haden ficou lá, sozinho, sentindo uma dor terrível no rosto e imaginando como faria Percy sofrer. Sofrer muito.