Avalanche escrita por Aarvyk


Capítulo 31
Laços


Notas iniciais do capítulo

Mais um para que o Matt ganhe de Fhany! Boa leitura ♥



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— Avery! – A voz do meu irmão mais novo irrompeu pelo ar, logo atrás de mim.

Senti um arrepio na nuca, extasiada o suficiente para me esquecer de que ele havia matado Desmond.

Meu corpo girou na direção de Edwin como que em um estalar de dedos. A imagem de meu irmão acordado e bem era mais valiosa do que todo o ouro daquele país.

— Edwin! – gritei de volta, observando cada pormenor de seu rosto com hematomas.

O jovem garoto possuía um brilho no olhar ainda mais forte do que o de antes, seu jeito de andar havia mudado consideravelmente. Ele usava uma muleta para apoiar o corpo, e era visível que sentia dor ao caminhar apressado em minha direção.

Não importava se era um assassino ou um regicida. Ainda se tratava do mesmo Edwin. E quando meus braços enlaçaram a cintura dele, pude sentir o calor de seu corpo no meu, como se precisasse do meu tronco como apoio para continuar de pé.

Seu nariz gelado encostou em meu ombro, e pude escutar o choro silencioso que vinha dele.

— Você já deve saber o que fiz, mas saiba que eu escolhi isso e vou carregar o peso da escolha sozinho. – falou, a voz abafada em meus cabelos.

A verdade me atingia como outra bala, dessa vez sem ser de raspão. Era algo indo direto no meu ponto mais fraco.

Como se não bastasse, pude ver Cameron se aproximar por detrás, o rosto carregando um pesar inimaginável para aqueles que o viam sem conhece-lo.

— Amo você. Mas eu odeio Cameron e eu por termos te colocado nessa situação. – Sussurrei para Edwin, antes que meu gêmeo estivesse próximo o suficiente para escutar.

Pude ouvir a respiração entrecortada do garoto, se afastando de mim para ler minhas emoções faciais. No entanto, ver o hematoma em seu olho me fazia sentir mais raiva do que nunca.

— Você já fez demais por todo mundo. E não precisa mais se preocupar comigo, eu já estou crescido, Avy... – Sua voz denotava um bom humor que era como uma máscara, escondendo toda a dor que ele sentia por dentro. Conhecia bem demais meu irmão para não deixar de notar seu esforço.

Antes que eu pudesse pensar em qualquer resposta, vi que Cameron se aproximava de nós dois. Nosso pai havia acabado de ser enterrado, mal havíamos tido uma chance de ficarmos todos juntos como antigamente, como os bons irmãos que éramos. Mesmo assim, eu não sabia se algum dia aquilo aconteceria de novo, sentia nossa irmandade dilacerada com tudo o que havia acontecido em tão poucos meses.

— Acho que esse enterro já acabou. – Meu gêmeo suspirou, encarando Edwin e eu com seu olhar cansado. Uma parte de mim sabia que Cameron conviveria com aquela exaustão para o resto da vida.

— Vamos ficar juntos naquele jardim com a mesa de pedra, igual da última vez... Acho que preciso de apoio... – Edwin se apressou em dizer, seus olhos pareciam mais tristes ainda com os resquícios dos hematomas.

— Você se lembra daquilo? – Cam e eu perguntamos quase que no mesmo instante.

— Não esqueceria por nada.

Sabíamos ao que ele se referia. Quando nossa mãe morreu, ficamos horas no jardim preferido da rainha, consolando Edwin debaixo de uma árvore e sentados na mesa de pedra. Engolíamos as dores uns dos outros para tentarmos suportar aquilo juntos, até Thomas aparecer e dizer que tínhamos que ser forte pela nossa mãe, que ela não gostaria de nos ver daquela forma no lugar preferido dela no castelo. Por mais que eu me resignasse a esquecer, sabia que Thomas havia nos ajudado mais vezes do que eu podia contar no tempo em que esteve presente.

Mesmo que a morte de Desmond nos desse um grande alívio, havia sido de um peso muito grande para cada um de nós, especialmente para o meu irmãozinho. Estávamos órfãos e com um país para governar, além de cicatrizes que jamais se fechariam por completo.

Quase que inconscientemente, comecei a andar em direção aos jardins, pronta para consolar Edwin por quanto tempo ele precisasse. Meus dois irmãos me acompanharam em silêncio, com apenas o baque das muletas ecoando em nossos ouvidos.

— Kaya está com Alexander? – perguntei quando estávamos quase chegando, sem ousar encarar o rosto de Cameron.

— Sim, ela ficou um pouco emotiva e pediu para o irmão ficar junto dela. – respondeu, um pouco cabisbaixo. – Alexander também me perguntou de você. Ele não parece... gostar muito de mim... Sinto muito por qualquer coisa, Avy.

Balancei a cabeça em desaprovação, enquanto Edwin se apressava em seguir em direção ao jardim da mesa de pedra. A árvore de folhas densas parecia ainda maior depois de tantos anos, sua sombra cobria os bancos acinzentados, cobertos por algumas folhas que caíam naquela época.

— Não importa. Não é como se o casamento seu e de Kaya pudesse ser desfeito mesmo... Se eu fosse irmão dela, também não gostaria muito de você... – Me fiz de desentendida, sabia que aquilo afetaria meu irmão, mas eu não estava com paciência suficiente para tratar dos assuntos amorosos dele.

Alexander estava confortando a irmã, então aquilo era uma prova de que ele parecia bem. Era tudo o que importava para mim, pois logo talvez até mesmo eu precisasse do conforto que ele emanava.

Não demorou muito para a mesma cena acontecer. Aquele parecia novamente o dia em que mamãe havia sido enterrada. Edwin largou as muletas depois de se sentar em um dos bancos, apoiar os cotovelos na mesa de pedra e começar a despencar lágrimas nas próprias mãos, cobrindo o rosto para que não o víssemos chorar igual um garotinho de sete anos mais uma vez.

Pela primeira vez, eu encarei Cameron com um pouco de desespero. Ele pareceu ter feito o mesmo comigo, pois nossos olhos apresentavam o mesmo verde intenso nas íris. Simplesmente não sabíamos o que fazer, não sabíamos como confortar alguém que havia se sacrificado tanto e tomado a responsabilidade de eliminar um rei tirano e um pai tão opressor.

Meu mundo parecia de cabeça para baixo.

— Por que ele tinha que ser tão horrível? Se ele não fosse tão horrível, nada disso teria acontecido... Eu nunca precisaria ter feito nada disso... – Edwin gritou entre seus soluços, o que me fez abraça-lo logo em seguida. Eu sabia que nossa conversa de antes havia sido apenas uma máscara, ele se sentia irreparável por dentro.

Olhei feio para Cam, que estava imóvel enquanto eu abraçava o nosso caçula. Eu o culpava por ter me afastado, mesmo que eu tivesse salvado a monarquia dos Schreave naquele meio tempo. Mais do que isso, eu me culpava por não ter tido a coragem de matar Desmond antes de ir para Illéa.

Todos os acontecimentos pareciam um nó sem precedentes, mas algo me dizia que ter um irmão assassino era o pior dos cenários. Eu me perdia nos “e se” e não conseguia mais me perdoar por nada...

— Eu queria que o Thomas fosse meu pai. – Edwin gritou, agarrando meu braço enquanto parecia estar à beira de um ataque histérico. – Eu queria muito que fosse. Muito mesmo.

— Edwin, para com isso! – Cameron veio em nossa direção, enquanto eu me encontrava em choque pelas palavras de meu irmãozinho.

Minha boca se abria em pura tensão, mas a dor e a tristeza em escutar o nome do guarda-costas eram piores.

— Se Thomas fosse seu pai, ele teria te abandonado do mesmo jeito. – falei, sentindo as lágrimas começarem a escorrer dos meus olhos.

— A esse ponto, você já sabe que ele não teve escolha.... – Cameron agarrou Edwin, me olhando com um olhar mais feroz do que eu poderia prever. – Sei que você fica mal, Avery... Sei que você se sente abandonada por conta de como a nossa mãe morreu e que odeia ficar sozinha. Mas não foi só você que sofreu com a morte dela, sabia?

— Você que não sabe de nada! – o interrompi, meus gritos mostrando a mesma ferocidade que também corria em meu sangue. Eu e Cam tínhamos a mesma força de nossa mãe nas veias. – Você não viu como ela morreu.... Não presenciou aquele dia...

— Se eu pudesse trocar de lugar com a mamãe ou com você, eu trocaria.

Olhei para meus dois irmãos. A fala de Cam ecoando pelos meus tímpanos como uma sinfonia de horror.

— A única coisa que me aliviou por um bom tempo foi saber que poderia ter sido vocês dois no meu lugar. Saber que pelo menos era eu ali, vendo a mamãe morrer ao invés de um de vocês. – confessei, as lágrimas ininterruptas já fazendo parte de meu rosto.

Ambos pararam por um instante. Edwin com o rosto imóvel e em caos, olhando atónito para mim tentando entender o peso das minhas palavras. Cameron, por outro lado, suspirou como se entendesse aquilo perfeitamente.

 — Eu só tirei a coroa de você, porque não queria que carregasse mais um peso. – disse ele, chorando em silêncio da mesma forma que eu. No fundo, éramos muito mais parecidos do que poderíamos prever. – Desculpe se meu método não foi o mais eficaz. Mas se quiser ser rainha, eu também irei entender.

Um aperto se fez em meu coração quase inexistente. As palavras de Jasper faziam sentido mais uma vez. Em um estalar de dedos e em um simples pedido, Cameron faria de tudo para eu ser rainha.

Mas será que eu queria mesmo ser uma monarca? Por mais que Igor tivesse a mesma postura proeminente que eu, era visível o peso daquele cargo político nas costas dele. Por mais que Illéa fosse um ótimo país, enfrentava problemas que deixava rei Maxon desgastado. Será que eu queria aquilo para mim?

Uma coroa de espinhos. Seria minha ou de Cam? Edwin estava fora de questão de qualquer maneira.

Dei um passo para trás, um pouco assustada com a constatação mental que eu havia feito. Enquanto encarava meus dois irmãos com o máximo de minha resiliência, pude sentir um calafrio perpassar minha nuca. No momento em que os olhos de Edwin se arregalaram para algo atrás de mim, não consegui me conter por mais nenhum segundo, me virando para dar de cara com a pessoa que eu menos queria ver.

Thomas. Tão onipresente quando um deus, os olhos esverdeados em minha direção como se tentasse ser gentil de alguma forma. Por um segundo, perdi o fôlego ao notar que ele detinha um pequeno sorriso trivial e melancólico nos lábios.

Há quanto tempo ele estava ali?

O homem suspirou profundamente, encarando-nos um por um.

— Vocês cresceram tanto que mal os reconheço. – disse ele, a voz firme como eu me lembrava, e o timbre sempre um pouco intenso demais.

Os olhos de Cam brilhavam enquanto encaravam o novo Lorde da Casa Schmidt. Por outro lado, meu irmãozinho estava ainda chateado.

— Edwin. – chamou Thomas, o que nos fez ficarmos todos atenciosos. – Sua irmã tem razão quando disse que eu não seria um bom pai. Eu jamais conseguiria cumprir um papel desses para um garoto tão gentil, sensível e forte como você.

Afastei-me enquanto tentava entender as palavras. Meu irmãozinho parecia tão chocado quanto eu com aquela frase, e logo se pôs a chorar no ombro de Cameron de novo.

Thomas havia escutado todos os nossos desabafos com sua presença furtiva. Havia entendido como eu me sentia, mesmo que eu odiasse me abrir. Aquele pensamento me ruía por dentro. Os traumas se tornavam irremovíveis, e era como se minha mente não fosse aguentar mais nem um dia.

— Você nunca deveria ter ido embora. – gritei para o homem a minha frente, vendo as íris dele se retraírem conforme algumas quase impossíveis lágrimas o tomavam. – Deveria ter escolhido ficar mesmo sem essa opção... Deveria ter ficado do nosso lado igual quando a mamãe estava viva...

Thomas cobriu os olhos e a testa com uma das mãos. Era uma imagem de outro mundo ver a grande fortaleza onipotente que ele era se ruir aos pedaços com minhas palavras. Era um desabafo entre duas pessoas tão quebradas quanto cacos de vidro.

Se todos já sabiam como eu me sentia, não tinha porque engolir as palavras.

— Eu sei que deveria, Avery. Eu sei. – concordou, seu timbre se tornando cada vez mais emotivo a medida que os segundos de tensão nos tomavam. – A morte da sua mãe deixou todos nós... dilacerados. Sinto muito por não ter conseguido acertar com você, Avery. Mas eu espero acertar em ser um bom conselheiro quando um de vocês subir ao trono, não importa se for o Cameron ou não. A escolha nunca foi minha.

Cobri meus olhos com o antebraço, despejando ali mais algumas solitárias lágrimas. Parte de mim sabia que as palavras de Thomas eram sinceras e profundas, mas como sempre, uma outra parte de mim cismava em não conseguir confiar nele outra vez.

Apenas uma coisa era certa. Uma coisa simples e óbvia: eu não aguentava mais nada daquilo.

Por mais que minha linha de pensamentos fosse bem clara, meu coração palpitava como um tambor. Depois de tanto tempo, finalmente um pouco de emoção corria pelas minhas veias. Eu tinha uma decisão grande em mãos, a qual afetava o destino das vidas das pessoas que eu amava e também mudava o rumo de um país inteiro. E por pior que parecesse, aquela decisão seria tomada a favor dos meus sentimentos, porque eu precisava viver.

Eu precisava ser livre.

— Abdico meu trono. – falei em alto e bom som, ignorando os rostos boquiabertos de meus irmãos, focando unicamente no de Thomas. Ele parecia ainda mais impressionado com aquelas palavras, os olhos esverdeados brilhando como se lutasse contra algumas lágrimas. – Eu espero que você cumpra seu papel em tirar o peso das costas de Cameron quando for o conselheiro do rei, Lorde Schmidt.

Senti uma parte de mim ruir quando me deparei com os olhos do meu pequeno garoto de ouro.

— E Edwin... – tentei continuar, o resto de minhas forças quase estava no fim. – Se precisar de mim, você pode me ligar a qualquer instante ou ir me ver. – Limpei algumas lágrimas, quase sem acreditar no que estava prestes a dizer. – O mesmo serve para você, Cameron. Eu amo vocês dois...

Dei as costas logo em seguida, sentindo os olhares confusos em minhas costas. Ainda teríamos um curto tempo juntos, mas eu não aguentaria ficar ali de pé por mais minutos sem cair e não conseguir mais levantar.

— Vou voltar para Illéa. – falei por fim, quase como um brado de liberdade depois de quase dezenove anos naquela prisão.

Eu não era rainha e nem detinha um exército. Mas era livre para estar fora daquele país, livre para escolher estar com Alexander, o qual era o meu fogo e luz em meio a escuridão fria que me assolava.


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Notas finais do capítulo

Este capítulo foi decisivo! Espero que comentem o que acharam da escolha de Avery e não pensem que acabou... Ainda temos um último clímax rsrsrsrs
Nada é fácil na vida de meus personagens rsrsrsrs