Avalanche escrita por Aarvyk


Capítulo 2
Peso nas Costas


Notas iniciais do capítulo

Primeiro capítulo oficial! Bem vindos a Londres daqui uns 200 anos.



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 — Princesa Avery! – Eli fez uma reverência com tanto nervosismo que seus pés quase a derrubaram – O rei solicita sua presença para uma pequena reunião, Alteza.

Minha expressão tornou-se fria, um leve medo começava a se formar dentro de mim. Os Schreave viriam nos visitar hoje ao entardecer, um dia antes da chegada da realeza russa, o que era tão suspeito da parte de meu pai que eu só podia temer. Respirei fundo. Com certeza era um aviso ou reclamação, já que eu não podia cometer deslizes, Rei Desmond II não era como os outros pais, sua personalidade maquiavélica queria me colocar no lugar custe o que custasse. E eu sabia há semanas sobre o quão perfeito tudo teria que ser para a vinda dos Schreave.

  Tentei andar mais rápido, ansiosa por retirar mais um peso dos ombros. Respirei fundo mais uma vez e girei a maçaneta de carvalho escuro do escritório real, encontraria o que teria de encontrar, independente de minha coragem ou paciência. Por uma dádiva do destino, avistei Cameron no fim da sala revisando certos papeis de uma extensa planilha, e Edwin sentado em uma cadeira, com a cabeça em cima da mesa de mapas. As luzes amareladas da sala contrastavam com o cabelo castanho-claro de meu irmão mais novo, ele parecia sereno em seu sono, babando um pouco nos mapas militares que eu iria precisar para estudo.

Soltei um pequeno sorriso, até notar que o ar se tornara denso dentro daquele escritório. Cam largou os papeis no mesmo instante em que ajeitei minha postura, e Edwin acordou como se nunca tivesse sequer cochilado.

— Pai. – Cam fez um pequeno cumprimento de cabeça, encarando a figura que tornava o ambiente tão irrespirável quanto a poluição dos países asiáticos.

O rei estava trajado como sempre, roupas sociais com poucas colorações além do branco e do preto, totalmente desprovido de sua coroa como se fosse humilde por obtê-la. Os cabelos grisalhos aparados com maestria, mas a barba de fios traiçoeiras e com cheiro de álcool sempre estava por fazer. Desmond II era um enigma como pai e comandante, sendo incompreendido até mesmo por sua Câmara Comum em vários momentos.

 — Meus filhos. – Devolveu o cumprimento com seu jeito rude e folgado. – Cameron e Avery, daqui três meses vocês farão dezenove anos. Como sabem, é a idade em que eu me casei. Espero que queiram seguir os mesmos passos que eu e Miranda.

  Senti uma pequena dor no pulso. Era Cam me segurando. Ele sabia de tudo que papai já havia feito comigo, de todas as surras e desavenças. Eu com certeza o responderia da pior maneira. Como ele se atrevia a falar o nome dela depois de tanto tempo? Ele não havia feito nada para aliviar a dor dos seus filhos pequenos e órfãos de mãe.

 — Certamente. Você é um grande rei, pai. – A voz de Cameron era quase sem coragem. Eu quis batê-lo mais do que tudo, porém, parte de mim sabia que ele possuía uma ligação de hombridade ainda viva com aquela figura repugnante.

  Sorriu vitorioso e depois direcionou seu olhar para mim. Quando se tratava de nós dois, tudo ficava complexamente sombrio. Aquilo era uma relação paterna que eu mal me lembrava se alguma vez havia sido boa, tinha sido uma infância longa sob a influência da guerra contra os nórdicos, o que tirou qualquer figura paterna que eu poderia ter e a vida de minha mãe.

 — Avery, – prosseguiu, seus olhos castanhos fixos em meu rosto, o desdém era óbvio – você é mais velha por malditos cinco minutos, por isso cuidei de seu casamento primeiro.

 Prendi o fôlego. Então era verdade todos os boatos que eu havia escutado há alguns meses, era tudo tão inconveniente que eu mal tinha dado bola nos primeiros momentos em que os soldados me alertaram. Desmond tinha feito mesmo o impensável, não somente comigo, mas com sua Câmara Comum. Onde estavam os Lordes aliados que clamavam pela coroa em minha cabeça? Onde estavam postos o desejo de meu povo no meio dessas mentiras?

 — Rei Maxon deixou bem claro que seu filho herdeiro passaria por uma Seleção com várias plebeias – continuou ele, pegando sua taça de vinho que até agora eu não notara estar em sua mesa principal. - Um grande absurdo em meu ver! No entanto, se é o desejo do rei de Illéa para seu filho-herdeiro não há o que deva ser feito. Isso nos traria mais problemas do que os quais estamos tentando consertar. De todo caso, ainda sobra o príncipe mais novo – fez uma pausa e deu um sorrisinho de quem estava feliz em se livrar de mim.

Ele temia que eu fosse melhor do que Cam e conseguisse a coroa das mais variadas formas, seja por um golpe ou até por assassinato. Meu pai tinha medo do que eu havia me tornado depois da morte de minha mãe. Eu fiz as tarefas de um príncipe herdeiro esse tempo todo, muitos me viam como a proeminente dentre os Black das últimas gerações. Meu gêmeo sempre me apoiava, tão unânimes eram as coisas entre nós que não importaria sobre qual cabeça a coroa seria posta. No entanto, me casar era suficientemente ruim para minha figura política na Nova Inglaterra.

Onde estavam os meus aliados? Engoli em seco.

— E sua proposta passou pela aprovação da Câmara, pai? – perguntei com uma expressão receosa, eu queria acordar e dizer a mim mesma que foi apenas um pesadelo bobo. Mas minha ousadia fervia.

— Sim, minha querida. – Seu sorriso, que já era falso, conseguiu ficar pior. Ele também estava ardendo em chamas de raiva.

Eu não conseguia mais colocar ar dentro dos meus pulmões. Lembrei-me subitamente da presença de Edwin ao meu lado, que encarava tudo com sua pouca idade e alta inteligência como se fosse um show de horrores. Eu não conseguiria me explicar ao nosso povo, parecia ter perdido meus aliados na Câmara e mal sabia se podia confiar nos soldados que eram meus amigos e informantes.

 — Continuando...  – Não me atrevi a falar mais nada, eu sabia que Cam estava a me matar ali mesmo com os olhos, sempre querendo que eu fosse cuidadosa com minhas fortes iras – Princesa Kaya, a mais nova dos monarcas de Illéa, se casará com você meu filho. Se tornarão os herdeiros do trono. Está feliz, Cameron?

 — Muito. – Foi tudo que meu irmão conseguiu dizer, contrariando sua expressão triste.

 O rei voltou seu olhar novamente para mim, o desejo por me matar era crescente em seus olhos castanhos. Incrível como Edwin possuía a mesma tonalidade em sua íris, mesmo sendo tão indefeso quanto uma borboleta.

 — Preciso conversar com Avery a sós. – disse Desmond, a voz soava como o cortar de facas.

  Recebi olhares preocupados de meus irmãos, mas todos sabiam que não havia nada que pudéssemos fazer contra o nosso pai. Afinal de contas, ele era o monarca de Nova Inglaterra, filho de Desmond I, o mais honrado rei que nossa ilha já tivera e também o avô que nunca conheci. Guerras e guerras perseguiram nossa ilha, tanto dos povos do extremo Norte, quanto dos russos. Meu avô se resolvera com os sovietes, tanto é que eles viriam nos ver junto com os Schreave, uma nova conexão tão vital que príncipes e princesas foram postos à venda. Ao mesmo tempo que meu desconhecido avô era comparado a Carlos Magno, meu pai só era respeitado por conta de sua linhagem. Ele era fraco, e por isso bebia vinho como se comprasse seu lugar no céu ao lado de minha mãe.

Parei de divagar em pensamentos quando Cam pegou seus papeis desajeitados. Edwin arrumou a cadeira a qual estava sentado antes. Os dois ainda estavam preocupados. Mas quando escutei o bater da porta, minha mente tornou-se obscura. Isso significava que estávamos sozinhos agora.

 — Todas as surras que te dei até agora não serviram de nada? – meu pai começou. Aquela era a face de um rei que poucos sabiam que existia.

  Permaneci em silêncio, o olhar concentrado nos arabescos complexos do chão do escritório.

  — Responda Avery Desmond Black! – ele gritou, fazendo algumas das minhas lágrimas fujonas caírem. – Eu te dei o meu nome para me desonrar desse jeito? – os cacos de vidro se espalharam pelo chão, meu pai estava tão bravo que mais uma taça de vinho havia sido quebrada. – Eu sou o rei. Os conselheiros da Câmara são meus! Não importa o que você tente.

 — Não pode mudar quem eu sou. – falei baixinho, várias lágrimas escorrendo por minhas bochechas rosadas.

Por mais que eu tivesse ira e coragem, o meu medo era mais profundo do que todas as qualidades.

— Vire-se! – aquilo fez meu olhar se desesperar, e meu coração entrou em pânico. Ele não fazia aquilo há quase um ano, eu pensei que nunca mais o faria.

Tínhamos o mesmo sangue. Como conseguia fazer aquilo?

Virei-me e coloquei rapidamente a mão na minha boca, tapando para que nenhum ruído saísse na hora em que eu sentisse o cinto cortar minhas costas. Eu estava desesperada, mas sabia que se me recusasse Edwin seria a próxima vítima, ele já havia deixado aquilo bem claro quando começou a me surrar.

Logo a dor veio à tona mais uma vez. O sangue ferveu e a minha pele foi cortada de novo. Quase enfiei minhas mãos na garganta para não gritar de dor. Não aguentei, odiava sangue desde que mamãe havia morrido. Na verdade, eu nunca suportava, cai no chão com as costas ensanguentadas. Contorci os pés, tudo em busca de me aliviar nem que fosse um pouco.

Corroeu-me por dentro pensar em minha mãe. Ela tinha sorte de não ver o modo como eu estava no momento.

Chorei desorientada por alguns minutos, notando que o rei já havia deixado aquele cômodo há muito tempo. Meu rosto a centímetros do chão despejava água como nunca, e havia tanto sangue que minha visão tinha se tornado borrada.

Levantei-me arfando. Eu estava com dificuldades para respirar, meu coração teria um ataque se eu não conseguisse ajuda logo. Quando olhei a mesa de mapas, notei que Edwin tivera o cuidado de “esquecer” uma jaqueta de couro preta ali em cima. Tão jovem e tão esperto, talvez o caçula fosse o mais digno de ser um rei entre todos nós. Soltei um pequeno sorriso ao pensar nisso.

Mantive meus olhos abertos, forçando-os para não desmaiar. Abri a porta com o resto de forças que eu tinha e caminhei com ajuda das paredes, eu precisava chegar logo em Edwin. Ele entendia de medicina, o que me favoreceu para esconder aquilo dos médicos da enfermaria e de várias pessoas próximas.

— Avery... – escutei uma voz doce gritar por mim, mas eu já estava entorpecida nas aflições que sentia.

Senti seus braços ao meu redor, mesmo doendo aquilo era um grande alívio.

— Você está com minha jaqueta. – Seus olhos castanhos e meigos se arregalaram. Ele iria chorar.

Respirei fundo sete vezes, tentando manter meu corpo sob controle. Cheguei a tropeçar em algo que não me lembro bem o que era, só lembro que gritei o nome de meu irmão. Senti o apoio dos braços deles, mas não consegui sentir mais minha consciência.

Desmaiei como um suicida se jogando a um abismo.


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Notas finais do capítulo

Ficou bom? Gente, se vocês tiverem críticas... Manda ver!