...o barulho não vinha do meu quarto, vinha do porão...

Eu olhei para mim mesma do espelho. Estava pálida, tão amedrontada que eu podia me assustar com a minha própria sombra. Respirei fundo procurando uma explicação lógica.

"Minha tia deve ter colocado lá... Ou quem sabe não foi do Duque? Vai ver ele estava brincando com o meu celular, o deixou cair e... É foi isso mesmo!"

Me contentei com a minha teoria que, mesmo que não fizesse o menor sentido para mim, me acalmou um pouco. Fui até o final do corredor e parei imediatamente quando me dei de cara com a porta que levava para baixo. Um arrepio percorreu meu corpo. Segurei-a com força e, sem hesitar, abri.

✤✤✤✤✤

Uma nuvem de poeira caiu sobre mim e demorei pelo menos uns dois minutos até eu conseguir me acalmar. Tudo bem. Hora de descer.

Tateei a parede gélida a procura de um interruptor e quando minha mão roçou nele, fiquei parada. Sem reagir, o que eu mais queria erva voltar para debaixo das cobertas e esperar o dia clarear para poder descobrir o que tinha lá embaixo. Não sei o que deu em mim. Uma gota de coragem, talvez? Liguei o interruptor que instantaneamente clareou o cômodo. Dei o primeiro passo para descer as escadas, os degraus faziam barulhos que, devido ao silencio da madrugada, ficavam mais assustadores e altos e, a cada passo que dava, rezava para que nada estivesse ali. Ultimo degrau chegou. Olhei em volta. Estava do jeito que sempre esteve. Quando eu era apenas uma criança, adorava brincar lá embaixo com as bonecas velhas da minha tia e quinquilharias que eu encontrava. O que estava tão diferente naquela hora? Nada. Nada havia mudado. Olhei em volta. Estava tudo tão quieto. Os armários cheios de caixa, como se fosse uma mudança, o velho frigobar que minha tia ainda não havia mandado consertar, o velho piano que, diferentemente de antes, estava encoberto por um pano branco que acumulava pó. Juntamente com todo o resto.

Meu celular voltou a tocar.

Dei um pulo. Nunca tinha percebido que ele tinha parado. Segui o som e o encontrei jogado debaixo do piano.

Verifiquei quem estava ligando.

Quando vi o numero meu coração parou. Tudo ao meu redor parecia ter parado, com exceção do incessante toque do meu celular.

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Dake

5432-8900

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“Mortos não ligam, certo?” –Foi a primeira coisa que veio em minha mente.

Não sei quanto tempo fiquei olhando meu celular piscar, tocar, implorar para ser atendido. Eu simplesmente, não podia.

O telefone parou de tocar... E depois... Tocou de novo. E de novo. E de novo. E de novo.

–A-alô?!- Minha voz era fraca.

Silêncio do outro lado.

–Alo?!

Silêncio.

–Mas que droga! Quem tá falando?!

Silêncio.

Pensei em desligar, mas minhas mãos não deixaram e ficamos assim num silencio de ambos os lados até eu escutar um gemido em seguida um sussurro.

–Você queimará no inferno por isso!- A voz era de Dake mas, de alguma forma, destorcida. Quando pude pensar no que estava acontecendo ou tentar responder, o telefone já estava mudo e ele já tinha desligado.

Não sei o que pensei naquela hora apenas... Retornei a ligação que dava como inexistente. Tirei o telefone do ouvido e senti minha bochecha molhada.

“Por que?” “Por que?” “Por que?!”

Alguma coisa deslizou para o meu colo. Era Duque. Abracei-o enquanto fazia carinho em sua cabeça. Olhei para o fundo dos seus olhos e por um momento, os vi mudar de cor.

✤✤✤✤✤

Eu estava precisando de um cochilo e, assim que deitei na cama, apaguei. Estava exausta, parecia que não tinha dormido a noite inteira. Acordei com uma respiração pesada em meu rosto e na hora que abri os olhos o vi por uma fração de segundos.

–Querida, está tudo bem?

–Tia... Eu... Estou apenas... Cansada...

–Você deveria dormir mais cedo ao invés de ficar horas nesse computador.

–Mas eu não...

–Querida... Quando eu cheguei em casa, você havia dormido em cima do teclado do computador. Eu te carreguei para cama, você não se lembra?

–Eu... Ahn...

Ela me deu um beijo da testa e saiu dizendo-me para ir dormir mais cedo.

Como aquilo era possível? Olhei para o meu celular que estava na minha cômoda. E procurei pelas ultimas ligações. A ligação dele ainda estava lá. Junto com uma ligação perdida e uma mensagem de Emma.

✤✤✤✤✤

A mensagem dizia para encontra-la num parque onde costumávamos ir quando eu ainda morava naquela cidade. Tinha que pegar um trem e o próximo sairia em 40 minutos. Tomei um banho correndo, pondo de lado o que tinha acontecido (ou não) na noite anterior.

Estava de sutiã na frente do espelho do meu quarto. Aquela seria a primeira vez que encontraria Emma depois daquilo. Olhei para as minhas costas. Aquilo me incomodava. Toquei aquelas cicatrizes. Não tinha tempo para pensar. O relógio dizia que faltavam menos de meia hora para a chegada do trem.

✤✤✤✤✤

Consegui um lugar do lado para a janela. O trem estava bem vazio para falar a verdade. Com o leve balançar do trem eu acabei tirando um breve cochilo acordando pouco antes da parada. E então eu logo a vi de longe.

Emma usando um jeans escuro com seu cabelo loiro cintilante preso em um rabo de cavalo. Aquela não era a Emma que eu conhecia. Geralmente ela estaria metida em um macacão colorido com seus longos cabelos ao vento.

Desci do trem. Agora era hora de encarar os fatos.