Conto De Fadas Moderno escrita por Letícia Matias


Capítulo 35
Capítulo 35




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Kelly chegou do meu lado, passando as mãos nos meus ombros.

– O senhor está bem, Sr. Collins¿

– O que parece¿ - perguntei endireitando a coluna e limpando a boca com as costas da mão.

Pessoas me olhavam alarmadas sentada no corredor.

Olhei para Kelly, a japonesa baixinha na minha frente e perguntei:

– Ela vai acordar¿

Ela me deu um sorriso murcho.

– Estamos fazendo de tudo por ela.

Não era um sim e não era um não. Isso fez com que eu me sentisse pior. Parecia um não.

– Eu... Preciso ligar para os pais dela, pros meus pais...

– Tudo bem. Nós podemos fazer isso. Mas, preciso que volte agora para o seu quarto e repouse.

Eu não queria ficar no meu quarto repousando. Eu não precisava disso! Eu precisava ficar ali, com ela! Mas, eu não tentei discutir porque eu estava me sentindo mal e fraco para estar ali do lado dela. Eu me sentia um idiota por isso, mas eu não ia conseguir ficar olhando para ela daquele jeito, toda machucada... Não agora.

Segui Kelly de volta para o quarto onde eu estava e sentei-me na maca. Ela conectou novamente um daqueles tubos no meu braço.

– O que bateu no carro¿ - perguntei.

– Um caminhão. – ela disse lendo os monitores e anotando algo numa prancheta. – O moço estava em alta velocidade e tentou pisar no freio mas, a neve... – ela deu de ombros e olhou para mim. – O rapaz se feriu gravemente, mas está acordado. Em alguns dias poderá ir para casa também.

Balancei a cabeça. Por que ela¿ Por que não eu¿

Respirei fundo e fechei os olhos.

– Ela ficará bem senhor Collins. Tenha fé!

Olhei para o teto e disse:

– Sabe porque ela está tão machucada assim¿ Ela soltou o cinto. – olhei para Kelly que me olhava parada ao lado do pé da cama. – Ela soltou o cinto para me beijar! – balancei a cabeça e fechei os olhos novamente, cobrindo minha face com as mãos.

– Bom essas coisas acontecem. Já tivemos muitos pacientes de casos mais graves do que da srta. Jay e eles acordaram, se recuperaram. Ela ficará bem! Agora, preciso que o senhor me informe os telefones para que eu possa ligar para seus parentes.

Respirei fundo e disse os números da casa dos meus pais em Malibu e da casa dos pais da Gen, em Londres.

– Eu informarei aos parentes. O senhor está com fome¿ Deseja comer alguma coisa¿

Eu não sabia que horas era. Mas eu não sentia sede, fome... Não sentia nada. Apenas desespero e vontade de estar no lugar dela. Ah como eu queria estar no lugar dela!

Ela estava sentindo dor¿ Eram tantas perguntas, eu estava a ponto de enlouquecer. Se não tivéssemos saído do hotel, ficado no quarto como ela havia sugerido nada disso teria acontecido. A culpa era minha!

Não sei o que tinha naquele soro, mas eu desconfiava que tinha algum sonífero ou calmante porque eu apaguei logo em seguida que vi a enfermeira Kelly saindo do quarto.

***

Eu acordei assustado sem saber a hora que era mas, pelo que pude perceber, já era noite. O céu do lado de fora estava escuro.

– Querido¿

Olhei para frente e vi minha mãe parada em frente à maca.

– Mãe, a senhora veio¿ - disse franzindo a testa.

– Como não viria, meu filho!

Minha mãe tinha os cabelos pretos, liso e curto até a altura dos ombros. Era uma mulher elegante, se vestia bem. Ela tinha envelhecido um pouco, mas continuava bonita. Fazia muito tempo que não a via.

– Você está bem¿ Está sentindo alguma coisa¿

Balancei a cabeça me sentando.

– E a Genevieve¿ - perguntei quando ela veio me dar um beijo na testa.

– Os médicos disseram que ela sofreu um traumatismo craniano, mas, disseram que em breve ela acordará. Eles fizeram alguns exames e eles estão muito confiantes, isso é ótimo, não é¿ - ela disse forçando um sorriso.

– Ótimo¿ Não, não é ótimo. Ela está em coma! Sofreu um traumatismo craniano! Não é ótimo! E a culpa é minha!

– Shh! Querido, a culpa não é sua! Como vocês iam adivinhar que um caminhão ia bater em vocês¿ Nós não prevemos o futuro Noah, nunca sabemos quando é o nosso último dia, nunca sabemos o que nos acontecerá no dia de amanhã. São coisas imprevisíveis, você não pode se culpar assim, isso não fará bem para você...

– Eu estou ótimo. Eu... Estou preocupado com ela! E os pais dela, o irmão...

– Estão todos lá fora. Estão preocupados com você também. Eles vieram te ver um pouco, mas você estava dormindo.

– Eles devem estar querendo me matar...

– Ah Noah! – minha mãe exclamou largando a bolsa na poltrona ao lado da maca. – Não seja duro assim com você. Ninguém está querendo te matar, ninguém está culpando você. Pare com isso! Não foi culpa sua e você não pode se culpar desse jeito. Genevieve vai melhorar, ela vai acordar, você vai ver!

– Como pode ter tanta certeza¿ - perguntei num tom mais alto me exaltando. – A senhora é Deus agora¿

– Noah Collins, abaixe esse tom para falar comigo. Tenha fé, você não tem fé¿ Pelo amor de Deus! Eu...

A porta se abriu e Kelly entrou junto com o doutor Smith.

– Boa noite Noah, como está se sentindo¿

– Ótimo.

Meu tom de voz não foi convincente. Mas eu não estava sentindo nada. Eu só queria que ela abrisse os olhos logo, que ela estivesse bem.

O doutor Cabelo Lambido chegou do meu lado e puxou minhas pálpebras para baixo para examiná-las, anotou algumas coisas no prontuário e disse:

– Olhe Sr. Collins, o senhor está bem. Não sofreu nenhum traumatismo, não quebrou nada, está com alguns arranhões, mas, nada grave. Se o senhor quiser, posso te dar alta e ir para casa.

– Agradeço muito se o senhor me der alta, mas eu não vou para casa até a Genevieve acordar.

Minha mãe respirou fundo e o doutor e ela trocaram um olhar.

– Tudo bem, Noah. É um direito seu ficar aqui quando sua namorada precisa, mas, nós temos de pedir para que o senhor seja paciente. Ela está se recuperando até que rápido. Nossas expectativas é que ela acorde em no máximo 36 horas.

– 36 horas¿ - exclamei.

– Noah. – minha mãe colocou a mão no meu ombro. – Não faça isso. Você tem que ser paciente, as coisas não funcionam assim.

– Não me diga para ser paciente enquanto ela está em coma! Em coma!

O doutor Smith arqueou levemente as sobrancelhas e disse:

– O coma é como uma anestesia geral, Sr Collins. Algumas pessoas demoram mais para acordar, algumas nunca acordam. Mas, - ele completou quando percebeu que eu ia começar a falar novamente – Não é o caso de Genevieve. Ela vai acordar! – ele respirou fundo. – Nós traremos o jantar para o senhor. Eu vou assinar a sua alta e o senhor pode se libertar do soro e sair do quarto. Vou receitar para você um analgésico caso sinta dores no corpo e nos cortes.

Minha mãe me olhava de braços cruzados. Ela estava ansiosa e preocupada.

– Obrigado. – eu disse.

– Não há de que.

Não tinha percebido que a enfermeira Kelly havia saído do quarto e agora ela estava voltando com uma bandeja com o jantar.

O doutor Smith assinou minha alta e deu o receituário para minha mãe e se retirou do quarto.

– Espero que o senhor coma, Sr. Noah. – Kelly disse colocando a bandeja em cima das minhas pernas.

Assenti de má vontade.

– Obrigado. – eu disse.

– O senhor vai poder vê-la depois. Não é permitido visitas depois das oito da noite, mas, eu abrirei uma exceção para o senhor.

Olhei para ela e ela retirou o soro do meu braço.

– Não pode ser demitida por isso¿ - minha mãe perguntou.

Ela deu de ombros.

– Vale a pena correr o risco. Eu nunca vi uma pessoa fazer tanto alarde como o Sr. Collins. – ela disse e olhou para mim dando uma piscadinha.

Eu fiquei um pouco envergonhado e sem graça.

– Eu... Agradeço. – foi tudo o que eu disse.

– Lembre-se de conversar com ela Sr. Collins. Eles nos ouvem, não sabemos se compreendem como se estivessem conscientes, mas, eles nos ouvem.

Não disse mais nada e ela se retirou do quarto levando a bolsa de soro vazia junto com ela.

***

Depois de engolir aquela comida horrível, sem fome alguma, minha mãe me entregou as roupas que tinha comprado e ficou esperando eu me vestir sentada na poltrona.

Entrei no banheiro fechando a porta. Olhei meu reflexo no espelho. Eu tinha dormido bastante, mas eu estava um caco. Vesti a blusa de manga cumprida branca e um suéter cinza escuro por cima. Uma calça jeans preta simples, meias e um tênis. Minha boca não estava mais inchada, mas estava arroxeada no canto e havia meus cortes. Um corte grande perto do olho que já havia sido suturado e outros pequenos na testa.

Saí do banheiro e disse:

– Obrigado pelas roupas.

Minha mãe sorriu.

– Ficaram ótimas em você. Agora venha aqui e me dê um abraço, Noah!

Um pouco sem graça eu andei até ela e lhe dei um abraço. Ela me apertou contra o corpo dela.

– Ah meu filho, ainda bem que você está bem. O seu pai está morrendo de preocupação. Está lá fora junto com os pais e o irmão da Genevieve.

– Vamos então¿

Eu estava pronto para o julgamento. Eu merecia.

***

Eu estava muito enganado. Ninguém apontou o dedo na minha cara ou me deu uma bofetada gritando que a culpa era minha. A mãe da Gen me deu um abraço forte, o pai dela me deu uns tapinhas nas costas e o irmão dela balançou a cabeça e me deu uns tapinhas nas costas quando me abraçou e disse:

– E aí, cara!

Não respondi nada e cumprimentei uma menina loira ao lado de Mike. Deveria ser sua namorada.

– Oi. – ela disse tímida e me estendeu a mão me dando um sorriso murcho.

Era a família dos sorrisos murchos.

Meu pai apenas me abraçou fortemente sem dizer nada. Era um homem de poucas palavras.

Eu me sentei junto deles na sala de espera. Eu não conseguia encará-los porque eu me sentia extremamente culpado.

– Queremos que saiba que não estamos culpando você pelo o que aconteceu, filho. – o pai dela disse. – Você pode ficar tranquilo quanto a isso.

Não disse nada e continuei a encarar meus pés.

– Noah.

Olhei para cima e vi Kelly.

– Sim¿

– Você quer vê-la¿

Todos os olhos se voltaram para mim e eu baixei a cabeça passando a mão por meus cabelos.

– Sim.

Levantei-me e segui Kelly, em silêncio.


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