Acordei com o despertador às seis horas da manhã.

Antigamente, eu ficava tão animada que acordava mais ou menos às cinco e meia e ficava esperando o despertador tocar. Mas dessa vez foi diferente. Foi com uma enorme preguiça que levantei, vinte minutos atrasada.

Acho que porque desta vez — pela primeira vez — eu não queria ir para Hogwarts.

Pensei melhor sobre o assunto embaixo do chuveiro.

Talvez se eu dissesse aos meus pais que estava doente... Ou que acabara de receber uma carta de Dumbledore avisando que as aulas haviam sido canceladas... Melhor, que a escola estaria temporariamente fechada para reconstrução já que um aluno, acidentalmente, lançou um feitiço que a deixou em milhões de pedacinhos!

Ideia perfeita!

Mas como um aluno lançaria um feitiço acidental, sendo que as aulas ainda não haviam começado?

Temos uma bruxa na família.

E como eu poderia mentir para as pessoas que mais amo no mundo?

Pensando bem, eu não conseguiria. Precisava enfrentar esse medo, precisava ir para Hogwarts. Há pessoas que eu gostaria de nunca mais ver na vida! Mas também há aquelas que tem — apesar de eu não deixar transparecer — um lugar especial em meu coração.

***

Por volta das nove horas, eu já estava pronta. Calça jeans preta, camiseta preta, sapatilhas pretas, e meu cabelo ruivo estava preso em um rabo de cavalo alto com um elástico preto.

Eu me sentia bem vestindo preto, a cor dava um certo destaque à minha pele branca demais e aos meus cabelos ruivos.

Desci para tomar café da manhã.

Adeus, café da manhã comum de trouxas!

— Você vai à algum velório ou enterro, por acaso? — papai perguntou, sorridente.

— Não — respondi, séria.

Mas vou para Hogwarts pensando a todo instante em voltar para casa e precisar ir à um enterro.

— Onde está Petúnia? — perguntei olhando em volta.

Papai fez uma careta e mamãe revirou os olhos.

— Sua irmã saiu cedo com Válter — mamãe respondeu.

Papai não aprovava o relacionamento de Válter e Petúnia. Em sua opinião, eles eram jovens demais terem um relacionamento tão... sério.

— Se depender de mim, Lily só irá namorar com trinta anos!

Permiti-me sorrir com este comentário. Papai era muito protetor, algo que eu admirava muito nele.

— Olha só que sorriso lindo ela tem — mamãe comentou. — Não tem sorrido muito ultimamente, Lily.

Não respondi. Comecei a comer os ovos mexidos que mamãe preparara.

***

Adentrei no quarto escuro, as cortinas continuavam fechadas e continuariam assim por um bom tempo. Mamãe não iria abrir, papai muito menos e Petúnia... nunca entraria em meu quarto. Sobre a minha cama estava o meu distintivo de monitora. Um ano atrás era um orgulho ser monitora. Hoje eu daria tudo para não ser.

Perto do distintivo estavam dois livros, um de capa branca e outro de capa azul. Eu já sabia o que eram: meus presentes de aniversário antecipados. Meus pais nunca souberam usar o correio coruja... Por isso eu ganhava meus presentes de aniversário antes de ir para Hogwarts.

Gênesis, este era o nome do livro de capa branca. Os detalhes da capa eram incríveis! Prata e um tom azul, o título estava escrito com uma letra de forma e o nome do autor, ou melhor autora, estavam em letra cursiva.

Julieta Oliense.

Este livro com certeza seria o primeiro que eu leria.

O livro de capa azul não chamou a minha atenção tanto quanto Gênesis. Era um azul esverdeado, uma rosa enfeitava o verso do livro.

Amor Não Planejado. Pelo título deduzi que era um romance. Este com toda certeza era o livro que mamãe escolhera.

Romance.

Bufei irritada. Ouvi mamãe gritar o meu nome e rapidamente abri o malão e joguei Amor Não Planejado lá dentro. Começaria a ler Gênesis no carro, a caminho da estação. O livro de capa azul esverdeada ficaria no malão, se dependesse de mim, por um bom tempo.

Romances não fazem o meu estilo, não mais.

***

— Querida, vamos deixá-la na estação e iremos até a casa dos Dursley. Petúnia tropeçou e torceu o tornozelo — mamãe disse, quando entrei no carro.

— Sem problemas — respondi.

Como Petúnia é desastrada! Devia estar aprontando alguma.

Papai ligou o carro. Peguei o livro de capa branca, encantada com os detalhes prateados.

Aquele livro não era sobre um romance, disso eu tinha certeza, e sim sobre ficção científica. Parece besteira uma bruxa gostar de ficção científica, mas eu gosto. Antes de descobrir a magia, papai me levava constantemente ao cinema, os filmes escolhidos eram sempre sobre invasões extraterrestres. Mamãe nunca gostou muito — por isso escolheu um livro de capa azul chamado Amor Não Planejado como presente de aniversário —, nem ela e nem Petúnia entendiam esse tipo de mágica.

— Está vendo, Violeta! Ela gostou mais do livro que eu dei — papai exclamou agitado enquanto olhava pelo retrovisor interno.

Gênesis.

Como no primeiro livro da bíblia, é aqui que tudo se inicia.

O futuro é algo terrível. Sede, fome, guerra, morte.

Comunistas contra Socialistas. O petróleo perdeu o seu valor. A água se torna mais cara que o ouro. A poluição e o aquecimento global devastaram o planeta, deixando a Terra quase impossível de ser habitada. [...]

Esse com certeza será um livro interessante.

***

Agarrei Gênesis com as minhas forças.

A Estação de King's Cross não estava tão cheia, porém eu estava nervosa com as poucas pessoas que estavam ali. Eu empurrava o carrinho com apenas uma mão — não soltaria o meu livro por nada —, atravessei a barreira mágica primeiro, sendo seguida por papai e mamãe.

O Expresso de Hogwarts sairia exatamente às onze horas. De acordo com os meus cálculos, ainda deviam ser dez e vinte da manhã. Ou seja, meus pais iriam socorrer Petúnia e eu ficaria sozinha... Bem, não totalmente sozinha.

Já haviam alguns alunos dentro do trem, pelo que pude observar. A maioria eram primeiranistas, disso eu tinha certeza.

De longe, avistei Severo perto de seus amigos... Comensais.

Ele percebeu que alguém o observava, eu desviei o olhar no mesmo instante.

— Querida, tem certeza de que ficará bem? — mamãe perguntou depois de um longo abraço. — Precisamos ir, Petúnia estava desesperada no telefone.

— Claro. Já tenho dezesseis anos!

Estava sendo difícil. Eu precisava me despedir de uma forma rápida. Quanto mais tempo demorasse, meu coração apertaria tanto que eu poderia ter uma parada cardíaca.

Mamãe me abraçou novamente. Pude ver uma pequena lágrima no canto de seu olho.

— Lily... — papai começou. — Espero que goste do livro.

Papai nunca foi bom com despedidas. Citar trechos ou comentar sobre algo que tivesse certeza que tínhamos em comum eram sua forma de dizer adeus.

— Eu gostei. Acho até que estou apaixonada...

— Sério? — perguntou uma voz que eu conhecia muito bem.

Merlin!

De todas as pessoas, justo ele tinha que passar perto de mim neste exato momento.

Estou me despedindo das pessoas que mais amo nesse mundo, e me aparece a pessoa mais idiota da face da Terra!

Eu citei estar apaixonada... Por um livro!

James Potter só pode ser burro!