Desalmados escrita por Pedro Couto


Capítulo 3
Capítulo 3




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"[...]As vezes penso se não poderia ter feito algo diferente enquanto ainda era tempo de fazer as coisas sem pensar em zumbis... Eu queria poder mudar tudo, desfazer o que fiz de errado, recomeçar de onde o meu mundo parou, recomeçar daquele dia e não ser mais o mesmo... Queria ter o poder de eliminar todos os zumbis, todo o mal deste mundo, apenas para vê-la feliz, apenas para ver seu sorriso."

O sol ainda não havia nascido, poderia-se estipular que eram 4h00min da manhã. Cortez não conseguira dormir quase nada, ele nunca sentiu sensações tão estranhas assim. Um grupo imenso de zumbis estava aglomerando-se ao redor da casa, Cortez nunca havia visto uma quantidade tão grande de infectados juntos num único lugar. Seu único e maior medo era de que Daniele morresse, assim como Túlio. Por um lado ele queria que todos conseguissem fugir dali o mais rápido possível, mas, por outro se eles ficassem encurralados então ele quem deveria se sacrificar para que os outros pudessem continuar vivos. Apesar das batidas intensas contra a estrutura inteira da casa, ela estava resistindo bem, mas, produzia ruídos altos e incapazes de não se ouvir. Túlio estava acordado, sentado em uma cadeira de balanço olhando para as janelas que eles reforçaram a pouco tempo. Não iriam durar muito tempo, mas, quanto mais tempo eles conseguissem aguentar, melhor. Daniele estava sentada em sua cama com um olhar pensativo, esperava que algo acontecesse ou que alguém sugerisse algo de valor.

– O que vamos fazer? - perguntou, Túlio.
– Eu não sei... Estamos cercados, não temos acesso ao telhado e não temos porão.
– Então, estamos presos aqui? Condenados a morrer? - interviu, Daniele.

Os três olharam-se por alguns segundos, tentando imaginar o que fazer nessas horas. Era praticamente impossível que conseguissem escapar com vida daquele lugar e, se escapassem alguém teria que morrer.

– Estamos presos, mas, não condenados a morrer. - afirmou, Cortez.

Antes que pudessem dizer algo, um som os deixou alerta. Uma das tábuas que reforçava a porta de entrada cedeu e caiu no chão. Aquilo só significava uma coisa: o tempo estava acabando.

– O que vamos fazer?! Anda, pensem em algo! - Daniele estava visivelmente em pânico. Sentir o odor fétido daquele tipo de morte, pensar em como poderia ter sido diferente, ver sua vida passando diante de si, tudo era assombroso e lhe dava calafrios.
– Cortez... - levantou-se Túlio e puxou-o para perto, falando baixo e evitando que Daniele visse qualquer coisa. - Precisamos de um plano. O sol já está nascendo, em breve eles vão conseguir ver que estamos aqui e irão ficar mais enfurecidos do que já estão!
– Eu sei, mas o que podemos fazer?! Não temos quase nenhuma arma, apenas três facões e a minha pistola. Se tentarmos abrir passagem por um dos lados da casa iremos ter que lutar contra praticamente todos eles para fugir.
– Talvez possamos cavar por debaixo da terra... - sugeriu sarcasticamente, Túlio.

O rosto de Cortez iluminou-se e por um momento ele imaginou ter uma lâmpada acesa em cima da sua cabeça. Túlio assustou-se ao ver que seu amigo havia gostado da ideia sugerida como uma brincadeira. Ele sabia que agora era tarde para tentar impedi-lo, Cortez andou as pressas até um dos quartos no primeiro andar da casa e pegou três pás que havia encontrado no meio de sua primeira vistoria da casa, há vários dias. Eles só precisariam quebrar o assoalho de madeira para ter acesso ao solo que seria escavado.

Ele fez questão de entregar a pá para seus colegas, mas, a grande dúvida era como eles fariam para quebrar o assoalho da casa. A madeira maciça seria um dos maiores problemas a ser enfrentados naquele momento, mas, Cortez pegou sua pá e como se escavasse a terra ele encravou a ponta da pá em uma das juntas da madeira e empurrou o cabo da pá até o chão com toda sua força. Túlio pegou a pá e tentou quebrar parte da madeira para facilitar o trabalho de Cortez, ele obteve apenas leves rachaduras na madeira, mas, aquilo não ajudaria muito. Ao contrário de tentar continuando, Túlio resolveu ajudar seu amigo fazendo o mesmo que ele. Daniele seguiu-os e fez o mesmo.

Juntos os três forçaram com todas as suas forças a tábua da madeira, fazendo com que a mesma se curvasse a ponto de rachar, mas, ela não iria quebrar tão facilmente. A tábua ergueu-se cinco centímetros do chão, formando um vão que dava vista ao interior, mas, com a pouca luz do sol que entrava na casa não era possível ver nada além de poucos tufos de grama no solo.

– Vamos, tá quase! - disse rangendo os dentes, Cortez.

Como um trovão, a madeira desgrudou e soltou um estrondo forte da madeira quebrando-se. Os pregos que a seguravam nas pontas voaram para o teto, rebatendo no chão algumas vezes até estancarem. Os três caíram no chão, ofegantes.

– Bom... - fez uma pausa para puxar o ar, Túlio. - Agora só falta mais algumas tábuas para quebrar.
– Não vai dar tempo. Assim a gente não vai conseguir abrir um buraco antes que eles entrem aqui. - disse, Daniele.
– É verdade. Acho que é mais fácil tirarmos os pregos com a pá e tirar a tábua do lugar. - disse, Cortez.
– Jura? - respondeu Daniele num tom irônico.

Os três recuperaram o fôlego e pouco a pouco foram retirando os pregos que prendiam as tábuas no chão. Os infectados estavam terminando de quebrar as barricadas, logo eles invadiriam a casa e estraçalhariam os sobreviventes. A terra estava cada vez mais iluminada enquanto o sol surgia por entre as árvores que cercavam parte da casa, dando visibilidade do que havia realmente lá dentro para os zumbis. Foi quando os cambaleantes enfureceram-se mais do que o normal que o grupo de sobreviventes conseguiram abrir espaço suficiente para descerem e começarem a escavar.

Cortez desceu primeiro, encravou a pá na terra e retirou-a com facilidade. Era uma terra solta, quase com a consistência de areia. Aos poucos um monte foi se formando ao redor de Cortez que escavava como louco tentando tirar a terra o mais rápido que conseguia, enquanto Túlio e Daniele remontavam parte das barricadas destruídas arrumando mais tempo para a escapada.

– Tive uma ideia. Túlio, vem pra cá, rápido. - Cortez saiu de dentro do buraco e subiu no assoalho desmontado. Túlio pegou sua pá e dirigiu-se até o buraco que já tinha pouco mais de um metro de profundidade.

Túlio sentiu facilidade em tirar a terra dali, mais do quê Cortez. Sua musculatura era maior, ele poderia cavar todo o buraco que precisavam para se proteger com segurança da invasão, mas as barricadas provisórias que eles haviam montado não estavam resistindo como o esperado. A maioria já estava caída no chão e toda a vidraça da casa estava sendo destruída aos poucos, deixando ecoar pela casa o barulho dos cacos caindo. Não havia tempo para cavar mais do quê já tinha sido cavado. A única solução que Cortez encontrou ao olhar para o projeto inacabado do túnel foi de esconderem-se ali dentro, levando uma lanterna, seus facões e suas pás.

– Vamos, entrem no buraco e fiquem aí dentro! - ordenou, jogando as poucas bolsas que carregavam.

Túlio encostou-se dentro da parede do túnel e retirou a lanterna de dentro de uma das bolsas, o ar tinha cheiro de terra molhada e mofo, em cada canto em que tocava sentia algo rastejando, as vezes mais úmido, as vezes seco. Daniele entrou em seguida, deixando Cortez sozinho em cima da casa. Cortez não entrou junto com eles, quando Daniele entrou ele se virou para as tábuas e buscou-as, começando a encostar cada uma e pregando-as novamente. Ao todo eram duas tábuas soltas.

– O que você está fazendo, Cortez? Entre logo aqui dentro, não dá tempo de pregar tudo! - gritou Túlio.
– Não estarei aí com vocês. - disse em um tom frio.
– Como assim? Você enlouqueceu?
– Não, pelo contrário, estou em completa sanidade. Preciso garantir a segurança de vocês dois, são a minha família e não posso deixar que nada aconteça à vocês.
– Cale a boca, seu idiota! O que você acha que vai fazer aí em cima? Você só vai servir para atiçar mais a fome desses monstros e vai morrer por sua burrice! - gritou Daniele, seus olhos estavam inchados, prestes a se derramarem em lágrimas.
– Me desculpe... Eu preciso fazer isso, Daniele. Mas eu quero que você saiba que o que eu disse ontem à noite, sobre não gostar de você, sobre tudo ter sido um erro - Cortez olhou fundo em seus olhos, procurando mostrar o que sentia naquele momento. - Eu amo você... Sempre amei. - liberou um leve sorriso e fechou a última tábua.
– Cortez... - Daniele viu os últimos lances do olhar de Cortez enquanto ele fechava a última tábua e pregava-a. - Cortez! - gritou com toda a força que tinha em sua garganta. - Não faça isso! Eu também te amo!

Nenhuma resposta, mas as feições de Cortez mudavam mais a cada segundo. Seus olhos se encheram de lágrimas e aos poucos deixou-as caírem sobre o rosto, pensou no dia em que se beijaram pela primeira vez, no dia em que foi humilhado em público, tudo por causa do amor... E ele nunca deixou de amá-la, naquele momento sentiu o mais puro dos sentimentos e era por Daniele.

– "Eu sempre te amarei". - pensou, fechando os olhos por um curto instante.

Seus olhos abriram-se novamente no momento em que a porta despencou. Os contaminados entravam aos montes, acotovelando-se e empurrando um ao outro em busca do seu prêmio. Cortez pegou seu facão e jogou sua pá no chão. Aquele momento seria o momento em que ele se tornaria uma lenda ou um nada. Tudo em que pensava era em proteger sua família. Túlio e Daniele.

Cortez segurou seu facão com força, olhando nos olhos leitosos dos mortos-vivos, esperando que o primeiro viesse em sua direção. Quando enfim chegaram, desferiu um golpe profundo na garganta do demônio, fazendo-o cair no chão. O sangue espirrava de sua garganta, e seus olhos aos poucos ficaram completamente sem vida. A sensação que sentiu ao matá-lo era de poder, a adrenalina era tudo o que movimentava-o naquele momento e o fez ver tudo como um jogo, um desafio que ele havia aceitado, o prêmio: sua vida.

Cortez desferiu diversos golpes nos contaminados seguintes, fazendo uma quantidade enorme despencar no chão pouco a pouco. O sangue pingou lentamente por entre as juntas da madeira, molhando a terra que se encontrava embaixo, caindo próximas a Túlio e Daniele.

Em questão de minutos ele conseguiu matar quase vinte infectados, mas, seus esforços estavam sendo frustrados enquanto mais e mais zumbis entravam pela porta da casa. Seu corpo doía e sua respiração estava cada vez mais ofegante, seus movimentos mais lentos e aos poucos os contaminados cercavam-o. Ele recuava enquanto os contaminados avançavam com os braços estendidos, a grande massa cinza iria derrotá-lo.

– Venham, malditos. Eu me sinto forte o suficiente para lutar por toda a raça humana, pela minha família, pelos meus amigos, por Daniele... E que as garras da morte tentem me aniquilar, mas no fim, todos vocês eu vou levar! - Cortez gritou o mais alto quanto pode, um grito de guerra de um homem desesperado que via a morte em seus olhos. Soltou um grito forte, um grito alto e aldível em todo o território. O grito de um guerreiro pronto para lutar até o último suspiro.

Cortez subiu as escadas, tentando afunilá-los e equilibrar a desvantagem, o primeiro andar estava vazio há muito tempo e enquanto ele subia, os cambaleantes acompanhavam-o. Na escada cabiam dois por vez, e aos poucos o sangue começava a jorrar. Os golpes desferidos acertavam quase em cheio as cabeças dos contaminados, fazendo-os cair sobre a escada, bloqueando parte do caminho, no entanto, a horda de esfomeados era imparável. Incansável.

Ao saírem das escadas, o guerreiro viu-se encurralado. A batalha fora extensa, mas graças a uma força sobrenatural, Cortez conseguiu detê-los. Restando apenas um único zumbi, que aproximou-se o suficiente para tentar abocanhar parte de seu braço, Cortez desferiu um golpe brutal em sua mandíbula, deslocando-a, em seguida, contaminado com ódio e raiva, chutou com todas as suas forças a cabeça daquela pessoa até que se transformasse em apenas massa craniana e cerebral. Quando o estopim cessou, ele olhou ao seu redor, ele havia vencido uma guerra impossível. Seu prêmio talvez não estivesse tão longe, sua vida talvez não devesse acabar ali, talvez houvesse algum propósito para que ele continuasse vivo, mas ele estava esgotado.

Suas forças haviam se esgotado, aos poucos relaxou os braços e soltou o seu facão ensanguentado no chão, ele sorriu, sorriu como alguém em êxtase. Olhou por cima do seu ombro direito e viu a janela atrás de si, o sol raiava, iluminando a casa e mostrando-lhe as marcas reais da carnificina. Olhou para os corpos mortos no chão e entristeceu-se, sabendo que no começo essas pessoas lutaram tanto quanto ele e não conseguiram o mesmo resultado... Sua mente estava embaçada. Pendeu para os lados, respirou profundamente, sentindo o odor podre da carne dos mortos-vivos entrando em suas narinas e preenchendo seus pulmões, estava aliviado. Cortez fechou os olhos e caiu de joelhos no chão, seus olhos fechados e um sorriso estampado em seu rosto. Ao seu redor uma horda de zumbis, totalmente morta. Atrás de si, o sol, a esperança de que novos dias viriam... Cortez havia protegido sua família.


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