Ao decair do último floco de neve... escrita por Cameron Fracktallya Scare


Capítulo 7
❄ Capítulo 7 - Fio à fio ❄


Notas iniciais do capítulo

Trilha Sonora:

A Gift Of A Friend - Demi Lovato



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Não seria natural pelas convenções das sociedades que uma criança de quatro anos e meio estivesse até aquela hora da noite acordada, porém também não era convencional que meu corpo estivesse coberto de cortes, ou então o treinamento ao qual eu era submetido... Havia algum tempo que eu já aceitara que minha vida não era algo normal, por assim dizer.

Naquele momento eu me encontrava sentado num banco vítreo e tendo de frente a mim nada mais que meu próprio reflexo. O Sr. Tats também estava lá, me orientando mais uma vez sobre como eu poderia amenizar as dores e as maneiras certas de cobrir meus ferimentos. Em nenhum momento ele se aproximava e tentava me ajudar, era mais uma das aulas as quais eu era submetido dia após dia. As lágrimas insistiam em cair no silêncio quebrado pelas ordens de meu mestre e as dores e a queimação eram quase insuportáveis. Nunca saberia dizer até quando eu conseguiria aguentar aquela rotina mas ainda estava vivo, isso já se significava algo.

Sr. Tats repassou os ingredientes necessários para preparar o unguento e me instruía a o que fazer com eles. Enquanto eu pegava as andagens os cortes passavam a arde cada vez mais e as manchas de sangue seco cobriam minhas roupas trazendo detalhes vividos da dor que eu teria que passar nos próximos dias. Segurei o gemido de dor até que meu mestre tivesse saído e foi então que desabei em prantos e soluços.

Não saberia dizer ao certo quanto tempo havia se passado... Talvez cerca de quarenta minutos ou mais. Eu ainda chorava com o rosto enterrado nas mãos mas o suave ranger da porta acabou por atrair minha atenção. Um das servas do palácio havia adentrado meu quarto e me cumprimentado com um "boa noite, senhor" da forma mais rápida que pode, e então ele se colocou em posição de reverência. Aquilo não era um bom sinal, pelo menos não para mim. Tal reverência era um gesto feito para a chegada de um boréade a um aposento... Não podia ser.

Quase desacreditei quando vi o que se passou a seguir. Lady Quione adentrará o quarto trajando um belo vestido branco e simples com a barra cravejada se pequenas cristais, por cima da seda suave havia uma capa azul marinho com detalhes bem trabalhados de flocos de neve costurados em um tom claro de cinza. Não me atrevia a olhar minha imagem mas sabia que estaria em péssima forma. Uma visita desse gênero horas depois de a lua ter se erguido no céu só poderia significar que eu havia feito algo de errado mais uma vez. Teria deixado algo fora do lugar nos jardins? Ou então talvez não havia correspondido às expectativas nos treinamentos ou na aula de boas maneiras... Não saberia dizer, mas sentia que meu fim estava próximo. Ela adentrou o quarto e dispensou a serva para que ficássemos às sós.

— Bo-Boa noite, lady Quione.

Não conseguia me levantar. As dores e o cansaço aliados ao sangue congelando em minhas veias pouco a pouco me impediram. Abaixei a cabeça e me inclinei em mesura para a deusa mãe. Muitas possibilidades me passavam pela cabeça mas a vergonha... Ela corria meu sangue como o veneno, como se tivesse regressado ao dia em que recebi a condenação de cuidar dos jardins.

— Cameron... Olhe em meus olhos.

Ela já estava ao lado do banco onde me encontrava e eu podia ver seus pés calçados nos sapatos belos e brilhantes de cristal. Me forcei a erguer a cabeça e encontrar o olhar de lady Quione com meus olhos inchados e vermelhos. Sua voz estava branda como as primeiras rajadas de veto frio do inverno.

— Por que chora criança?

— Eu... Eu sinto que... Não tenho me saído bem nos treinamentos... - As palavras saltaram de minha boca antes que eu ao menos pudesse controla-las.- Não tenho tido bons resultados quanto ao esforço físico. Eu sou um fracasso... Lamento por isso, minha senhora.

Minha cabeça estava prestes a se abaixar quando vi o mais leves dos traços de um sorriso. Ela então colocou a mão sobre meus cabelos.

— Cameron... Eu o estou criando para ser um soldado dos boréades, não acha que eu espere que tenha nascido sabendo como segurar uma espada ou como matar um coelho, acha? O treinamento serve para isso.

A mente podia muitas vezes enganar e eu quase não acreditava no que ouvia. Já faziam meses que eu não a via e tinha certeza absoluta que tinha cometido algum erro fatal, mas lá estava ela, me aconselhando... A deus prosseguiu.

— Você ainda é pequeno criança, mas irá crescer e é com isso que eu estou contando. Os verdadeiros fracassados são aqueles que desistem de escalar uma montanha por causa do ar rarefeito... Creio que não seja um desses por que se não estarei apostando minhas fichas na pessoa errada.

— Não senhora...

— Pois bem. Agora, olhe para o espelho.

Virei a cabeça e então pude ver meu reflexo. Nada do qual alguém viria a se orgulhar. Minha pele pálida estava vermelha e repleta de cortes e hematomas tão púrpuras quanto a faixa que lorde Bóreas usava cruzando o peito, os olhos sem brilho e desfocados e os cabelos negros como a própria noite se bagunçavam em um emaranhado de fios. Lady Quione pareceu ler minha mente...

— Sabe o que eu vejo? Potencial... Você tem o necessário para se tornar um grande homem Cameron, olhe a oportunidade que tem. Agora deve se focar neste pensamento e trabalhar para que as coisas se tornem mais reais sem nunca se render... Porém creio que possa lhe dar um presente para que veja com seus próprios olhos o que eu acabo de dizer.

Presente... Palavra confusa. Não e lembrava de ter ganhado algo do tipo mas já lera sobre. Me perguntava o que seria quando um arrepio cruzou meu corpo partindo da cabeça até a ponta do pés. No espelho eu pude ver o que acontecia, a mão de minha mãe ainda estava pousada em meus cabelos e agora eles começavam a brilhar intensamente, como se cada fio fosse feito de pura luz de uma aurora boreal. Tão rápido quanto veio o brilho se extinguiu e deixou uma sensação de acalento em meu coração, como se ela tivesse me abraçado.

— Agora seus cabelos lhe mostraram a verdade, quanto mais se esforçar em seu treinamento mais claros eles ficarão, e assim você poderá ter algo mais palpável para se guiar em sua jornada, esta bem?

— Obrigado minha senhora, sou imensamente grato por tal dádiva.

— Agora eu devo ir, não quero que chores mais esta bem? Seja forte Cameron e mostre para mim mesma que eu não errei em minha escolha. Lhe desejo uma boa noite.

Ela passou a mão em minha cabeça uma última vez e então se distanciou em direção à porta, eu mal podia acreditar no que acontecia.

— Lhe desejo uma boa noite...

A porta se fechou e não voltou a se abrir, a deusa tinha ido. Me permiti sussurrar.

— E obrigado... Mãe.

Suspirei enquanto observava os desenhos entalhados no mogno e então voltei a olhar meu reflexo, não parecia diferente por fora mas eu podia sentir que havia mudado por dentro, uma chama pequena como a de uma vela havia se acendido em minha alma. Naquela noite eu fiz uma promessa para mim mesmo, a promessa de que eu não mais choraria, não derramaria uma lágrima sequer, e também não desapontaria aquela que acreditava em mim. Toquei de leve nos meus cabelos e sorri de forma fraca. Voltei a pegar o unguento e tratei de minhas feridas até o o sono batesse em minha porta e me transportasse para paraíso de curta duração.

Minha vida mudaria na manhã seguinte, e eu mesmo seria o responsável por essa mudança.


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Notas finais do capítulo

Poderá Cameron cumprir sua promessa? Será que Quione se mostrará bondosa outra vez? Quando alguém acredita em você, isso lhe faz acreditar em si mesmo e então a sua força se desencadeia como uma bela explosão.

Esperemos para ver o que será desta história...



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