Condenados escrita por Durga


Capítulo 2
Sangue Do Meu Sangue




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A pequena Arya vestia-se para sair. Sua irmã, Aalis, já estava vestida e olhava pela janela da enorme torre. Elas tinham apenas quatro anos, mas pareciam ter o dobro da idade. Não menos que o esperado das filhas da Rainha Mestiça e do Rei Lobo. Mas ninguém falava isso para elas.

As crianças foram deixadas sozinhas, uma vez que a mãe foi chamada nos aposentos do marido, o rei. Antes de ir, com seus olhos verdes preocupados olhou para as filhas, e mandou que não fizessem nada, na ausência dela, não importando o quanto durasse. Que não saíssem da ala do castelo destinada a elas em hipótese alguma. Retirou-se com o vestido preto arrastando-se sobre o chão, terminando de prender o longo cabelo loiro em uma trança.

O quarto da torre não mostrava opções de entretenimento, e isso era o que as duas lobinhas menos tinham, em sua vida de bichinhos de estimação do palácio. Não falavam com criados, nem com a corte. Na verdade, elas não falavam com ninguém, só com a mãe, que as protegia do mundo ferrenhamente. O único momento em que não podiam ser protegidas era na presença do pai. Então, elas apenas o observavam ou olhavam para o chão.

Elas nunca haviam falado com o pai.

Mas naquele dia, elas iriam além do muro, e buscariam aquilo que não podiam ter ali. O que era? Elas não sabiam, mas as chamava, elas sentiam, era incontrolável.

Elas eram completamente iguais, como cópias. Cada traço, a cor da pele, dos olhos, o movimento das madeixas, tudo. E mesmo as cores do vestido.

A torre não era tão alta. Elas a desceram escalando, usando as reentrâncias das pedras. Ao chegarem na muralha, havia, no entanto, um problema. Elas não conseguiam descê-la a tempo de despistar os guardas em vigília. Em cerca de um minuto, eles estariam na curva do muro, e as pegariam descendo.

Não. Elas pensaram em outro jeito. Perigoso, mas precisavam levar aquilo adiante.

Aalis e Arya deram as mãos e pularam da muralha. No primeiro instante, conseguiram controlar a queda, planando levemente até um terço da distância. Porém, quando atingiram esse limite, perderam o controle. Só conseguiram retomar nos últimos metros, por pouco não atingiram o chão.

Vinte segundos ainda. Atingiram o chão e começaram a correr. Correram o mais rápido que puderam, os pés voando sobre a grama. Seria impossível descrever a felicidade delas. Era a primeira vez que pisavam no solo, os pés descalços, o vento no rosto e um sorriso de iluminar a alma. Elas precisavam correr muito para não serem vistas.

Atravessaram a linha da floresta e não pararam, pois o Rei do melhor reino militarmente falando não seria burro de não deixar soldados rondando por ali. Mas, àquela velocidade, os que as vissem talvez pensassem que fossem animais selvagens, e não pessoas.

Elas continuaram, até que Arya ouviu um barulho atrás de si. Alguém as perseguia.

Não. Mais de uma pessoa. Um medo terrível tomou o coração das duas crianças. Elas não podiam ser pegas. Se fossem, deuses, elas nem queriam pensar. Uma lágrima teimosa começou a escorrer dos olhos de Aalis, e ela apertou a mão da irmã, aceitando que estava tudo perdido.

Elas pararam e se viraram, encarando, não uma penalidade, e sim duas pequenas lobas, ainda filhotes. Ambas eram marrons, de pelo arrepiado. As lobas ficaram assustadas com a parada repentina da corrida, de modo que tropeçaram no chão. Em meio à histeria, Aalis sorriu, ainda com lágrimas nos olhos.

Você é minha. Disseram-lhes as lobas. Diga-me como me chamo.

Arya aproximou-se de sua loba e chamou-a Danika, que é estrela da manhã. E Aalis chamou sua loba de Yelena, que quer dizer brilhante.

Aqueles anos longe de qualquer interação com formas de vida quaisquer que fossem não as haviam preparado. Elas não sabiam nada sobre lobos. Nem sabiam que eles eram perigosos. Então, quando a loba de Arya, Danika, tentou mordê-la, ela mordeu de volta, e as quatro começaram a brigar, como qualquer filhote.

Ao final da brincadeira, os vestidos estavam rasgados, e elas tiveram que iniciar a caminhada para casa, já pensando como esconderiam dois lobos dentro do castelo. E quando elas crescessem?

Mas elas não iam se separar. Agora o sangue das lobas era o sangue delas, e não havia como voltar atrás.

Pegaram suas lobas no colo, e desta vez, conseguiram levitar até a janela da torre, sem problemas. O Sol estava no pico, a mãe não havia voltado. Estava tudo bem. Será que ela entenderia quando visse os dois animaizinhos ali?

Um barulho no corredor. Não era o passo leve de sua mãe, nem o farfalhar de um vestido de encontro ao chão. Era um som pesado.

As duas paralisaram de puro medo. A porta foi aberta. Entrou um homem completamente assustador. Alto, quase da altura da porta. Cabelos negros na altura dos ombros. Uma cicatriz cruzando o rosto. E um olhar tão sádico quanto a morte.

O Rei.

Elas não tinham culpa. E, na verdade, aquilo as ensinou. Elas nunca mais fariam novamente.

O pai viu o estado de suas roupas. Viu dois filhotes nos braços das crianças. Viu os olhares assustados, como um pedido de clemência.

Nada daquilo o impediu, e não se pode dizer que Aalis e Arya não provocaram. Havia isso nos olhos delas.

Foi a primeira interação com o pai que tiveram. Ele as pegou pelos pulsos e as levou além das escadas. Uma sala escura, e Arya notou um arsenal de espadas. As mãos foram amarradas em um poste. O Rei puxou a capa para o lado, revelando uma pequena chibata...

Elas fecharam os olhos, conectando-se, mentalmente, como se fossem uma só pessoa.

Todos ouviram os gritos naquele dia.

A mãe as esperava no quarto da torre. Havia dois filhotes ensanguentados em volta de suas pernas. Ela chorava tanto, que parecia que poderia encher um balde só de lágrimas. E gritava, não se importando quem iria ouvir.

Não se sabia por que chorava. Por tudo, talvez. Ela não era mais só naquela vida que escolhera. Tinha duas crianças para proteger. Porém não havia mais como protegê-las. O Rei sabia delas. E o que ela faria? Como ela faria?

Já havia o povo. Desde que chegara, elas os vira, nas cidades. A maioria muito pobre. Viviam nas ruas, ou trancados em casa, com medo do exército. Uma mãe poderia deixar o filho sair para buscar água no poço e nunca mais vê-lo. Era uma possibilidade. Ou talvez ir trabalhar em qualquer campo para sustentar suas crianças e ser estuprada e morta. Outra possibilidade. A terra pouco fornecia aos que trabalhavam nela. Ia tudo para o castelo. E não se aumentavam as áreas de cultivo.

A jovem Rainha via apenas problemas. Problemas. Problemas. Problemas. E era tão irritante que sentisse o dever de governar justamente. Como se ela pudesse fazer isso. Como se pudesse fazer qualquer coisa! Ela não podia, na verdade. Mas aproveitou-se de todas as pequenas chances que teve. Uma campanha de guerra do Rei. Alguns moradores tiveram casas construídas. Saída diplomática. Um campo foi aumentado. E assim a Rainha construía sua vida diplomática, tão lenta e miserável que ela não se contentava.

Ela não era uma Rainha. Era a caçadora mestiça do reino da floresta. E naquele mundo, onde homens andavam em carruagens e mulheres usavam vestidos, ela não se encaixava. Ela aprendera que o rei servia o povo, e não o contrário. Se não, qual era o objetivo?

E, então, filhos.

Ela não esperava.

Aniquilava qualquer chance.

Um novo amor, uma nova semente. Não podia deixar. Como permitiu? A desgraça de sua vida, dois pares de olhos castanhos.

Ao voltar das duas crianças, a mãe lhes tratou os ferimentos, e ensinou como curá-los com magia. Não seria suficiente. Ela nunca se perdoaria. Era apenas o seu dever.

Dois dias após o ocorrido, Arya e Aalis foram mandadas para o campo, com os dois filhotes a seu lado, sob o olhar do rei e de 12 guardas reais, para que começassem a se tornar lobas de verdade.

Desculpe-me, se o chateei com toda essa descrição. Mas você precisa compreender isso antes de a história começar de verdade. Minha irmã e eu iniciamos mais cedo que qualquer outro lobo, ou felino, ou pássaro. De todos os transmorfos que vivem na terra. De todos aqueles que compartilham do poder do espírito de algum animal. Nós obtivemos o poder, entretanto sob a mais dura das responsabilidades.

Acho que agora você compreende o que falei sobre o amor, porque ele foi tão essencial. Foi o amor de nossa mãe que nos manteve vivas. Quando ela não estava mais lá, foi o amor por minha irmã que me ajudou a fazer esse sacrifício.


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