Intragável escrita por Secreta


Capítulo 3
Impensável


Notas iniciais do capítulo

Dei uma desanimada, mas estou aqui - ainda. Bom capítulo.



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"E enquanto a crise nos mostrou o risco que vem com a mudança, este risco é superado pela suas oportunidades. Pensem no que é possível hoje, que era impensável há duas décadas".

Folha de São Paulo, 07/07/2009

Significado de Impensável

adj. Que não pode ser pensado ou suposto.

O resto da semana passou rápido, assim, logo chegou a sexta-feira e, com ela, meus ânimos melhoraram. Meu voo para Nova York seria no dia seguinte pela manhã.

A perspectiva de rever minha família após dois meses certamente me parecia agradável. Meus pais haviam demonstrado se importar com alguma coisa além das aparências pela primeira vez em muitos anos e eu estava esperançosa que minha saída de casa impusesse algumas regras em nossa convivência. Quanto a Brad, teria que dar um jeito. No fundo podia até admitir estar com saudade do pirralho.

Estava arrumando minha mala antes de ir para o Bread Coffee tomar café-da-manhã com Derick, quando Chloe surgiu inesperadamente nervosa a minha frente - já era estranho o suficiente que ela estivesse acordada tão cedo.

– Reinheart, hã... - Ela titubeou.

– Sim? - Arqueei as sobrancelhas, curiosa.

Chloe colocou uma mecha loira (roxa na ponta!) atrás da orelha, aparentando... Timidez?!

Isso é algum tipo de alucinação?

– Meus amigos... E eu - a segunda parte parecia ter saído de uma quase convulsão. - Estávamospensandosevocênãoestariaafimdeirpraumafestacomagentehoje.

Juro que tentei raciocinar. Não deu.

– O que?

– Eu e os caras estamos querendo saber se você não iria com a gente pra uma festa hoje... - Falou pausadamente dessa vez, fitando o chão. - Como forma de agradecimento, sabe, pela carona.

Passei algum tempo para processar o convite. Chloe e seus amigos malucos estavam mesmo me chamando pra uma festa?

De qualquer forma, não precisei pensar muito sobre a resposta. Eu tinha que viajar cedo para Nova York no sábado e a perspectiva de curtir uma festa com pessoas que supostamente me odiavam não era tão estimulante.

– Desculpa, Chloe - mordi o lábio, porque falar o nome da minha colega de dormitório em termos amigáveis era bem esquisito. - Mas eu estou indo para Nova York amanhã cedo... Vou passar o final de semana com minha família, então, não vai rolar.

Esforcei-me para sorrir educadamente. Era importante que nossa relação melhorasse ao ponto de ser possível conviver em paz - pelo menos - e eu prezaria por isso.

Ela pareceu extremamente decepcionada com minha resposta. Mais uma vez, estranho, porque as pessoas não costumam se importar tanto com o que ou quem odeiam.

– Ok - disse e se jogou de volta em sua cama, enrolando-se nos lençóis como um gatinho.

Dei de ombros. Dificilmente chegaria o dia em que eu afirmaria entender Chloe Asper.

Quando finalmente terminei de arrumar a mala e dar uma conferida no vestido azul e botas de couro que estava usando, saí do dormitório e caminhei durante alguns minutos até o Bread Coffee. Derick já me esperava, como sempre.

Porém, para minha surpresa, ninguém menos que Jimmy Renner encontrava-se sentado ao lado do meu amigo.

Todo mundo tirou o dia para pirar?

Derick finalmente me avistou e deu um suspiro aliviado. De fato, ele não devia estar se sentindo muito bem conversando com alguém como o pior gêmeo.

– Reinheart! - Renner me cumprimentou sorridente quando sentei na mesa com eles.

Arqueei as sobrancelhas.

– Oi. - O que porra você tá fazendo aqui, cara?!

– Renner apareceu aqui e se dispôs a tomar café-da-manhã conosco - Derick explicou, lançando-me um olhar como se estivesse desculpando-se.

O gêmeo aumentou o sorriso.

– O que vocês comem ou tomam aqui? - Perguntou, capturando rudemente o cardápio das mãos de Pawn.

Pisquei algumas vezes para ter certeza de que esse não era um sonho ou pesadelo bizarro.

– Sanduíches - Derick respondeu, educado demais para mandar Jimmy à merda. - E capuccino.

Renner se desvencilhou do cardápio, amuado.

– Que seja - deu de ombros e depois virou-se para mim com um sorriso. - E aí, Chloe já te contou da festa na minha fraternidade?

Derick nos fitou confuso enquanto eu balançava a cabeça positivamente.

– Não vou poder ir. Tô indo pra Nova York amanhã bem cedo - declaro.

Renner, por um segundo, tem estampada na face a mesma decepção que minha colega de dormitório havia demonstrado mais cedo, mas logo se recompõe.

Passamos mais algum tempo conversando sobre amenidades até o gêmeo dar qualquer desculpa e se retirar do local antes dos sanduíches e capuccinos chegarem.

Derick olha para a porta do Bread Coffee, por onde Jimmy passa e me lança uma careta confusa.

– O que deu nele?

Dou de ombros.

– Chloe também está agindo... Diferente - admito. - Não sei se justifica, mas dei uma carona pra eles terça-feira.

– Estão se dando melhor, então? - Meu amigo questiona, sorrindo. Parece feliz por mim. - Bom. Muito bom.

Como aquele não era um assunto cômodo, passamos a falar da minha ida à Nova York. Derick ia quinzenalmente visitar a família, mas sua cidade natal era bem mais próxima que a minha, permitindo viagens de carro. Divertimo-nos deliberando sobre momentos da infância até chegar a hora de nos despedirmos, já que eu iria para a aula de piano e Derick para a de aparelhagem sonora.

Encontrava-me na metade do caminho quando o celular tocou.

– Filha? - A voz materna soou apressada. Era comum: minha mãe sempre fazia milhões de coisas ao mesmo tempo.

– Oi, mãe - respondi prontamente.

– Querida... - Ela iniciou e eu captei que algo pouco favorável viria em seguida. Os termos carinhosos sempre eram parte dos joguinhos emocionais dela.

Segurei o ímpeto de desligar a ligação naquele momento. Não queria acreditar que ela faria isso depois de tanto tempo longe de mim.

– Seu pai e eu precisamos que você nos acompanhe a um jantar com os Rooseberg no domingo - declarou. Bingo! Ela realmente estava fazendo aquilo. - Eu não queria te incomodar com isso antes de você estar aqui, mas estive dando uma olhada nos seus vestidos e acho que precisa de um novo para a ocasião...

Se eu continuasse ouvindo, explodiria. Era óbvio demais que eles não se esforçariam tanto para me ter em casa só por minha presença.

Senti-me tola por ter acreditado e por ter tido esperança. Então, desliguei. Não suportaria mais um segundo daquilo.

Desnorteada, migrei para a sala de música, onde poucos alunos já aguardavam a aula de piano com o professor Ritchie.

Maurice Ritchie era legal demais para me fazer simpatizar com ele. Digo, é ótimo que os alunos ganhem uma dose extra de estímulo e apoio, mas elogios demais não costumam ser algo sadio. Não até onde eu saiba, pelo menos.

A sala de música da Saint Louis, por sua vez, era espaçosa, como um grande salão em forma de estúdio. Lotada de instrumentos espalhados, paredes de tons pastel e piso lustroso, constituía um dos meus locais favoritos desde minha chegada.

E, para minha sorte, meu instrumento favorito estava sem usuários no momento. Dirigi-me rapidamente ao piano marrom e comecei a tocar coisas desconexas, baseadas apenas no tormento dentro de mim. Não senti os minutos passarem, nem passos próximos até encontrar o professor Ritchie bem ao meu lado, sorrindo, do alto dos seus cabelos brancos e cinquenta e pouco de idade.

(Música tocada pela Catarina)

– Bravo, senhorita Reinheart!

Não senti nenhuma satisfação diante de seu comentário. Estava enojada com qualquer tipo de jogo emocional e isso incluía os de Maurice. Sendo assim, para evitar descontar toda a raiva no homem, apenas afastei-me do instrumento e aguardei silenciosamente o início da aula.

O fim da tarde veio como benção, não me importando se eu encontraria uma Chloe Asper intragável em meu dormitório. Entrei no quarto e simplesmente joguei minhas coisas na cama, irritada ao visualizar a mala que eu havia organizado pela manhã. Por que meus pais sempre estragavam tudo?

Dane-se Nova York!

Decidi desistir da viagem. Não suportaria rever meus pais dessa maneira. Furiosa, comecei a desfazer a mala, só notando que Chloe estava, de fato, no quarto e me observava com curiosidade.

– O que foi? - Perguntei irritada.

Dane-se o meu comportamento. Eu a tinha tratado bem durante dois meses e só recebera seu mau humor, ela sobreviveria a um dos meus dias ruins.

– Desistiu de Nova York? - Ignorou minha raiva, parecendo genuinamente interessada.

– Não vou mais - resumi. Não tínhamos intimidade suficiente para eu despejar meus problemas familiares sobre ela.

Talvez Derick pudesse me ajudar, todavia, nesse momento, meu único amigo daqui deveria estar em sua cidade natal, divertindo-se com seus familiares.

Uma pontada de inveja roeu uma parte do meu bom senso. Chloe, mesmo alheia a isso, tirou vantagem.

– Rola uma reconsideração da festa, então? - Sugeriu.

Eu tentei ficar longe das coisas que fazia antes. Tentei bastante. Mas a festa da fraternidade de Renner parecia a única coisa com chance de me fazer parar de pensar na minha vida por algumas horas.

– Sim - objetei, dobrando algumas roupas e as levando de volta às gavetas. Adeus, Nova York.

– Ótimo. Vamos no seu carro às dez, eu indico a direção - comandou.

Apenas assenti, decidindo ignorar o tom mandão que me afetaria em outras ocasiões. Agora, pequenas ofensas pareciam inofensivas diante das grandes - como as familiares.

Consegui desfazer a mala e jantar em tempo recorde, logo partindo para um banho relaxante, colocando meu vestido favorito, vinho, de corte decente e com alguns laços na parte do decote e as usuais botas de couro. Festas de fraternidade não eram, pelo menos em Nova York, um evento para ir com trajes desconfortáveis.

Em seguida, escovei os dentes, sequei o cabelo com agilidade e coloquei uma maquiagem mais forte que a habitualmente usada. Fiquei pronta às dez e quinze, enquanto Chloe já me esperava impacientemente.

Ela, por sua vez, usava jeans rasgados, coturnos e camiseta do Metallica. Nada fora do seu comum também.

Terminei acrescentando um crucifixo de madeira as minhas vestimentas e, recebendo um olhar feio de Asper, recolhi as chaves da BMW, gesticulando para que ela me seguisse.


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Notas finais do capítulo

Realmente seria legal se vocês comentassem sobre o que estão achando, tô meio triste e desanimada por motivos pessoais e isso certamente me ajudaria muito.



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