HERMIONE

Rony permaneceu mais três dias como dragão.

Não é preciso dizer que foi uma experiência ao mesmo tempo estranha e divertida.

Assim que voltamos ao castelo de Beauxbatons, fomos recebidos pelos alunos e demais funcionários com um misto de surpresa e curiosidade. Madame Maxime e todos do Ministério já haviam sido devidamente avisados, e nos receberam com uma simpatia que eu não esperava. Rony teve permissão de transitar livremente pelas propriedades assim que confirmaram que era completamente inofensivo na forma animal.

As crianças do primeiro ano ficaram encantadas da vida com Rony. Durante os dois dias seguintes, não era raro ver uma ou outra menininha escorregando por seu longo pescoço ou abraçando seu focinho, ou alguns meninos subindo nele como se o pobre garoto fosse um trepa-trepa.

Já nossos amigos ficaram espantados ao verem Rony em sua nova forma. Foi o cão ter que agüentar Gina e suas piadinhas sobre o irmão “escamoso” que tinha agora.

Rony se adaptou bem á dieta draconiana, e já não demonstrava frescura nos últimos dois dias. Ainda assim, era evidente o quanto estava doido para voltar ao normal.

No último dia, caiu uma chuva torrencial no castelo. Eu havia saído na sacada da Torre de Astronomia de Beauxbatons para admirar o céu escuro da noite, quando fui pega de surpresa por um aguaceiro.

– Droga! – arfei, tentando proteger o pouco de cabelo seco que havia me restado com as mãos.

Senti a chuva cessar na sacada repentinamente. Ergui o olhar, confusa, antes de sorrir para a enorme asa acobreada que havia se estendido acima de mim.

– Obrigada – agradeci ao dragão que estava pendurado nos tijolos da Torre.

Entrei de volta na Torre, vendo Rony descer e se dependurar nas grades da sacada, me observando.

– Saco, vou pegar uma pneumonia – fiz menção de tirar a jaqueta que usava, mas percebi que Rony ainda me observava tontamente – cai fora, bicho! Posso ter privacidade pra tirar minha blusa?

Rony me lançou um esgar cheio de dentes que eu só podia descrever como um sorriso de malícia, mas piscou para mim e desceu a Torre, emitindo um rosnado que parecia uma risada e desaparecendo na escuridão da noite.

Fui me trocar e dormir pensando no quanto havia tirado Rony do bom caminho nos últimos meses.

O dormitório feminino de Noble estava vazio, já que os alunos haviam ido para um passeio noturno no vilarejo das proximidades, assim como fazíamos em Hogwarts. Deitei em uma das camas, refletindo no como eu estava gostando de conhecer todas as facetas do meu namorado instável.

Assim como eu podia perfeitamente passar o tempo de bobeira ao lado dele, na forma humana e na forma animal, também gostava de sua personalidade brincalhona. Gostava até mesmo de suas burrices e lerdezas. E, mais do que tudo, gostava de seu toque, de seu corpo perto do meu, de sentir seus lábios, de acariciar seus cabelos.

Eu estava, definitivamente, aprendendo o que realmente significava amar e ser amada.

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O homem saiu da casa arrastando uma grande maleta preta, que foi jogada violentamente dentro do porta-malas de um Mustangue velho.

Ele tentou entrar correndo no carro, mas algo pequeno e aflito se agarrou em sua perna.

– Hal, não vá embora!

Ele olhou para o irmão, que havia saído angustiado da casa, abraçando a cintura da mulher.

– Anda, saia daí! – ele bufou, tentando desvencilhar a menininha de cinco anos que se atara á sua perna, com lágrimas nos olhos.

– Não, não, tio! Não vai embora, tio, por favor! Eu vou ser uma menina boazinha... nunca mais vou fazer isso de novo!

Por trás de sua expressão indiferente e raivosa, o coração do homem se despedaçou. Ah, pobrezinha... ele nunca poderia explicar-lhe que não estava indo embora só por que ela derrubara um copo de vidro no chão...

– Eu tenho que ir, Wel! Não posso explicar! – ele disse ao irmão. Por mais que doesse, ele tinha que convence-los.

O irmão recuou, magoado, como se o homem tivesse cuspido nele.

– Ótimo! Então vá! – ele respondeu, com raiva – estou cansado de você esconder tudo de mim, Hal! Talvez você deva ir embora mesmo!

O homem sentiu como se houvesse levado uma facada do irmão. Ele nem tentara convence-lo a ficar...

Mas era melhor assim...

Ele ficou angustiado e apavorado ao ver que a sobrinha ainda se agarrava nele. Pobre Lontrinha... ela era sua princesa, sua menininha. Quase como uma filha... ele não podia deixar que ela corresse perigo. Tinha ir embora.

E, para isso, tinha que sair de sua vida também.

Queria ao menos secar aquelas lágrimas tão sofridas que escorriam de seus olhinhos castanhos. Queria se despedir com um último abraço. Queria lhe explicar por que ia embora.

Mas não podia.

Sentindo ódio de si mesmo, ele fingiu indiferença ao empurrar a garotinha para longe e se virar em direção ao carro.

Já dentro do Mustangue, com um nó na garganta, viu sua Lontrinha se erguer do chão, com a mágoa estampada no rostinho, antes de sair correndo para o colo da mãe, que o encarava com choque e aversão.

Foi só quando finalmente ligou o carro e se afastou dali que se permitiu chorar de verdade. As lágrimas escorreram livremente por seu rosto.

....

– O que foi que você disse?

A mulher se encolheu, já intimidada desde que fora requisitada para lhe dar a notícia.

– A Ordem... acha que a profecia se refere á ela...

Dentro do seu íntimo, ele sentiu-se cair num precipício.

O homem cerrou as mãos, escondendo a tristeza e a dor.

– Não... – ele arfou.

Ele havia feito de tudo para deixá-los seguros... havia fugido, forjado sua morte...

E agora, o velho pesadelo parecia recomeçar...

Sua Lontrinha podia ser a próxima Wicca...

Ele tinha que fazer alguma coisa.

Nem que fosse contar toda a verdade...

A mulher começou a tremer ao notar a preocupação do bruxo. Era impossível não perceber, ao seu redor, as chamas das lamparinas dobrando de tamanho, a água da fonte se contorcendo, as plantinhas do canteiro enrolando-se uma nas outras, o vento uivando nas janelas...

– Tem outra coisa... – a mulher estremeceu, temerosa com a próxima demonstração de raiva do homem.

– O que é? O que foi?

Ela engasgou antes de falar.

– Rodrick Carrow voltou.

Ele recuou vários passos, ficando finalmente furioso.

O maldito Wicca Negro voltara.

Sua Lontrinha estava em perigo.

O fogo das pilastras invadiu o espaço entre ele e a mulher.

As chamas engoliram sua visão...

....

Acordei gritando.

Ainda trêmula, me levantei, com as mãos no rosto.

O que fora quilo? O que fora aquilo?

Um pesadelo...

Não.

Não foi um pesadelo. Eram lembranças.

Mas não eram lembranças minhas.

Não tive tempo de refletir nada...

Percebi, tarde demais, que não estava sozinha.

Saltei da cama, apavorada. Apanhei a varinha da cabeceira, apontando para a sombra hesitante na escuridão.

– Quem está aí? Saia!

A sombra se moveu, avançando lentamente. Du repente, o invasor apareceu na frente do feixe de luz da janela, com os braços em gesto de rendição.

Quando vi sua fisionomia, paralisei, surpresa.

Era um ruivo atarracado, que me era estranhamente familiar.

Pensei em todos os parentes de Rony no casamento de Fleur e Gui. Nenhum deles era parecido com aquele homem.

– Peço perdão... – ele disse, num ronronar receoso – não quis assusta-la...

Ouvi passos subindo ansiosamente a escadaria. Fiquei surpresa quando a figura de Rony, já em sua forma humana, irrompeu no dormitório, com a varinha em riste.

– Hermione...? – ele também paralisou ao ver o estranho.

– Se permitirem.... posso explicar... – o ruivo falou, me encarando.

Por alguma estranha razão, eu confiava nele.

Foi quando a ficha caiu.

Impossível...

Nesse momento, finalmente descobri por que aquele homem não me era estranho. O andar trôpego e arqueado, como se estivesse com assaduras entre as pernas... a fisionomia achatada do rosto, como se ele houvesse batido de cara com a frente de um trem...

– Hermione... – Rony arfou, deduzindo o mesmo que eu.

Como era possível?

Meu Deus...

Era Bichento.