Percy Jackson se torna um Comunista escrita por Goldfield


Capítulo 1
I - Um espectro ronda o Acampamento Meio-Sangue...




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/555238/chapter/1

Percy Jackson se torna um Comunista

I

“Um espectro ronda o Acampamento Meio-Sangue...”

Transcorreu o ano e chegou um novo verão. A maioria dos jovens, eufóricos, tivera sua ansiedade pelas férias finalmente suprida; enquanto, para alguns deles, os chamados “meio-sangue”, semideuses filhos dos antigos deuses gregos com seres humanos, o período de recesso escolar possuía significado mais que especial: o retorno ao “Acampamento Meio-Sangue” em Long Island, costa leste dos EUA – local em que secretamente eram treinados nas habilidades herdadas de seus pais divinos e se preparavam para o sem número de desafios que surgiriam em suas vidas.

Naquele verão não era diferente. Os primeiros semideuses retornavam ao Acampamento com saudades dos amigos e cheios de histórias para contar. Outros aguardavam impacientes a chegada dos mais atrasados, fosse por mau hábito ou pelo fato de constantemente se envolverem em perigo, o que cercava a viagem de volta ao Acampamento das mais inacreditáveis confusões. Percy Jackson, filho de Poseidon, encaixava-se nesse segundo grupo.

Seus dois maiores amigos, a astuta filha de Atena Annabeth Chase e o atrapalhado sátiro Grover Underwood, já tinham chegado ao lugar dois dias antes – a garota vindo de um período morando com o pai em São Francisco, enquanto o sátiro retornara de mais uma infrutífera busca pelo deus Pan. Postos agora de pé, com os braços cruzados, junto à entrada do Acampamento, ao lado do pinheiro do qual Thalia revivera após terem usado o Velocino de Ouro algum tempo antes – Annabeth e Grover continuavam sua vigília à espera de Percy. Temiam que o amigo houvesse caído em mais uma enrascada, e até já cogitavam pedir permissão ao centauro Quíron para procurá-lo.

Foi quando a poeira levantada por algum veículo rodando a estrada rural de terra renovou suas esperanças. De início, antes de o transporte surgir de trás de uma colina, imaginaram ser o carro de Sally, mãe de Percy – trazendo-o até ali... Mas não foi sem espanto que constataram tratar-se de um ônibus do Sindicato dos Estivadores de Long Island, bamboleando pelo caminho enquanto agitava faixas e cartazes fixados à sua lataria com palavras de ordem contra empresários navais e o governo de Nova York. Grover chegou a esfregar os olhos e Annabeth buscou uma explicação racional para um ônibus daquele estar ali – imaginando talvez trazer um novo meio-sangue filho de Hefesto até então envolvido no trabalho das docas – quando o veículo parou na beirada da estrada ao pé da colina do Acampamento... e uma figura familiar, mas nem tanto, saltou solitária para fora dele.

O ônibus sindical fez um retorno um tanto malfeito pela grama e deu meia-volta na estrada, o motorista nem perto de cogitar ter deixado o passageiro ali por engano. Assim que se afastou e uma nova onda de poeira se desfez, Annabeth e Grover estreitaram os olhos, tentando identificar o garoto de camisa vermelha com o dobro de seu tamanho, jeans surrados e botas de couro nos pés... Confirmando, por mais bizarro que fosse, tratar-se justamente de Percy Jackson.

O amigo subiu a colina naturalmente, embora tivesse o semblante um pouco mais sério que o costume – ainda assim abrindo um sorriso e abraçando os dois companheiros de aventuras tão logo chegou onde estavam. Grover bateu os cascos alegre contra o chão, exclamando ao ver-se finalmente diante de Percy:

– Bem-vindo de volta! E bela camiseta!

– Obrigado – o filho de Poseidon replicou com um ar de orgulho.

– É, é uma bela camiseta mesmo... – Annabeth, intrigada, tinha uma mão no queixo e seu peculiar ar pensativo. – Fico imaginando o que significa...

A peça de roupa, de um vermelho de arder os olhos, possuía a figura cinza de uma cabeça barbada, aparentando pertencer a alguma antiga escultura grega, desenhada no peito. Annabeth quisera jogar verde e descobrir pelo próprio colega quem era aquele senhor, de certo algum pensador da Grécia Antiga, ao que Percy esclareceu sem demora, como disposto a dar uma aula:

– Este é Sólon. O maior e melhor legislador que a cidade de Atenas, e toda a Grécia, já tiveram!

Annabeth torceu o rosto numa careta, enquanto Grover ficou olhando para Percy com cara de paisagem. Aquela mísera explicação foi como se alguém lhe falasse que latas de alumínio não eram boas de serem comidas.

– E por que você chegou aqui naquele ônibus do Sindicato dos Estivadores? – Annabeth cruzou os braços. – Não sabe que é proibido e perigoso trazer pessoas de fora, assim, aos limites do Acampamento?

– Aqueles são meus novos amigos, fieis camaradas na luta contra a exploração dos estivadores de toda Nova York! – Percy afirmou como se desse um minidiscurso. – Além do mais, foram as primeiras pessoas que pensei em procurar assim que abandonei a casa da minha mãe. Aquela burguesa reacionária não aceitou minhas novas ideias, preferindo continuar a fazer bolos e doces com as cores do Tio Sam para a máquina imperialista estadunidense!

Grover quase cuspiu, e o rosto de Annabeth ficou subitamente descorado.

– Peraí, como é que é? – ela quis confirmar, incrédula. – Você foi embora da casa da sua mãe?

– É isso mesmo – ele assentiu resoluto. – Ouçam: até os últimos meses, houve uma névoa obscurecendo minha visão, mais espessa que a névoa ao redor dos mortais que os impede de perceber o mundo dos semideuses. Eu era como Perseu, meu xará de outrora, evitando olhar direto para a Medusa e com isso me subjugando totalmente às suas ordens. Até que finalmente criei coragem e resolvi encará-la, e descobri que a Medusa na verdade se chama Capitalismo, com seus cabelos de serpente como tentáculos que dominam tudo e todos, corrompendo a vida no mundo com seu veneno. A maioria das pessoas, ao encarar a verdade sobre o monstro Capitalista, é convertida em pedra, ficando sem agir, presa à sua zona de conforto. Mas eu não, meus caros. Eu me levantei e decidi lutar contra o monstro. Quero arrancar sua cabeça. De agora em diante, batalharei pela igualdade de classes e a construção de um mundo socialista. Pretendo usar minha posição privilegiada de semideus, que muitos usam para explorar os outros, visando angariar forças contra a burguesia!

Parando para tomar fôlego, finalmente concluiu:

– Sou agora, meus caros, um militante comunista!

Annabeth e Grover trocaram um demorado olhar, em silêncio... até que a garota desatou a rir descontroladamente, o sátiro acompanhando-a meio sem graça por não entender o motivo e nem patavina do que Percy acabara de falar. O semideus, calado, passou a olhar a amiga com o rosto fechado, bastante insatisfeito com aquela reação. E sua irritação aumentou quando a ouviu responder:

– Qual é, cabeça de alga! Você só pode estar de brincadeira!

– Você acha mesmo que estou brincando? – o jeito de Percy estava quase tão irritado como na ocasião em que desafiara o próprio deus Ares. – Essas palavras não são da boca para fora, Annabeth! Eu li, sei do que estou falando!

Assim falando, o garoto retirou da calça jeans um livro de bolso de capa vermelha, a pintura de dois outros barbudos, separados por bons séculos daquele na sua camiseta, estampada na capa: Karl Marx e Friedrich Engels. O título da obra estava grafado em grandes letras amarelas: “Manifesto do Partido Comunista”.

– Onde foi que você conseguiu isso? – a filha de Atena questionou.

– Na escola burguesa em que minha mãe me colocou no começo do semestre passado. Lá por fevereiro, uma harpia tentou me devorar no meio de uma aula de desenho. A diretora imperialista, confundida pela névoa, achou que eu tinha resolvido colocar fogo na classe, e com isso me mandou para a detenção. Por saber que sou disléxico, colocar livros para eu ler de cabo a rabo e depois fazer relatórios lhe pareceu um ótimo castigo, digno de Guantánamo. E foi assim que eu topei com esta maravilha, que sem ela saber rompeu minhas correntes!

– Percy, acorda! – Annabeth exclamou em tom sabichão. – Você não pode virar comunista. O comunismo não deu certo. Os países que o implantaram mataram milhões e fizeram o povo morrer de fome!

Foi como se Percy fosse acometido de um choque elétrico. O corpo estremeceu, fazendo-o recuar vários passos da amiga num salto para trás. Por um momento, pareceu-lhes até que o garoto estava a um passo de desembainhar Contracorrente. Grover, a julgar por seu rosto, estava cada vez mais confuso. Interferiu na conversa:

– Até os sátiros morreram de fome nesses países? Eles não tinham sequer latas ou um bom sofá para comerem?

– Annabeth, você está contaminada pela ideologia burguesa capitalista! – Percy acusou, apontando-lhe um dedo indicador. – Não sei o que andou lendo ou ouvindo, mas criou uma falsa consciência baseada apenas em mentiras!

Alô, cabeça de algas vermelhas? – ela zombou. – Se os deuses do Olimpo aprovassem o comunismo, não teriam transferido sua morada para o topo do Empire State Building, na mesma cidade onde estão Wall Street e a sede da Macy’s, e sim para Cuba! E você sabe que lugar abandonado pelos deuses Cuba é... às margens do Mar de Monstros...

– A morada dos deuses muda junto com a civilização ocidental, e o comunismo é o próximo passo da civilização ocidental! – Percy rebateu exasperado. – Marx previu isso!

– Alguém aí falou na Macy’s? – uma voz feminina até então alheia à conversa foi ouvida pelos dois semideuses em sua Ilíada político-econômica.

Corados e ofegantes, os dois adolescentes, mais Grover, voltaram suas cabeças para a entrada do Acampamento. Lá estava a bonita Silena Beauregard, filha de Afrodite – com suas costumeiras roupas da moda e adereços que faziam-na parecer ter saído de um revival de “As Patricinhas de Beverly Hills”. Observando curiosa os jovens recém-engalfinhados em suas acusações, avisou-lhes, num risinho:

– Vocês aí, o senhor Quíron chamou todos para a frente da Casa Grande. Vai fazer um discurso iniciando as atividades deste ano do Acampamento. Parece que teremos mudanças na administração. Todos os meio-sangues devem comparecer, e rápido!

Os três amigos se entreolharam um tanto confusos; e as tais “mudanças na administração”, mesmo sem saberem ao certo o porquê, deram em Percy e Annabeth a impressão de aquela discussão sobre ideologias se prolongaria por todo o verão...

Deram de ombros e, apressados pelo trotar de Grover, que já se adiantara, acompanharam o sátiro e Silena através da colina.

Glossário:

Sólon: Legislador (o que correspondia a governante, na época) da cidade de Atenas, Grécia Antiga. Viveu entre 638 e 558 a.C., e tornou-se conhecido por suas propostas de profundas reformas sociais, como o fim da escravidão por dívidas e até o início de uma reforma agrária – que não aconteceu.

Karl Marx e Friedrich Engels: Filósofos políticos alemães (vida e morte entre 1818 e 1883; 1820 e 1895; respectivamente). São considerados os principais teóricos e fundadores da corrente chamada de “socialismo científico”, pela qual uma sociedade mais justa só seria possível com uma revolução dos trabalhadores, que encerraria o capitalismo e criaria uma sociedade sem classes sociais, o comunismo. São a principal base teórica dos movimentos socialistas existentes atualmente.

Macy’s: Famosa rede de lojas de departamento dos EUA.

Ilíada: Poema épico atribuído ao grego Homero (do qual os historiadores não têm certeza da real existência), narrando os acontecimentos da Guerra de Troia.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!