Upside Down escrita por Lirael


Capítulo 23
Convidado




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/553030/chapter/23

Elinor franziu a testa, segurando as saias enquanto subia as escadas que levavam ao quarto de Merida. A princesa estava atrasada para suas lições, e a rainha, sem nenhuma paciência. Fora Merida quem pedira por aquilo tudo, afinal. Elinor realinhara todos os seus compromissos apenas para ensiná-la. Era uma grande falta de consideração da parte de Merida atrasar-se em mais de duas horas. Ao parar diante da porta da filha, Elinor ergueu o punho com um suspiro e bateu três vezes. Esperou. Nada. Nem mesmo um único som. Sua boca cerrou-se em uma linha fina ao pensar que Merida nem se dera ao trabalho de se levantar da cama!

Bateu outra vez, com mais força, e ficou outra vez sem resposta. Com um movimento rápido, sua mão agarrou o trinco da porta, girando a maçaneta e empurrando levemente. Mas a porta não se abriu. Elinor ergueu uma sobrancelha, um pouco surpresa. Merida jamais trancava a porta. Determinada, a rainha tentou outra vez, empurrando com um pouco mais de força dessa vez. A porta cedeu uns poucos centímetros, como se estivesse sendo travada por alguma coisa pesada. Elinor firmou os pés na pedra e apoiou-se na porta com o ombro, empurrando com toda a sua força. Finalmente conseguiu uma pequena brecha, mas teria que se apertar para passar por ela.

Com um pouco de esforço, conseguiu, virando-se para libertar uma parte da saia que havia ficado presa no trinco. Inspirou fundo e alisou o vestido, recompondo-se pelo esforço anterior e voltou-se para Merida, pronta para fazê-la ouvir o maior sermão de sua vida. Foi quando o viu.

Enorme, imponente, de escamas roxas em diversos tons, o dragão a encarava, curioso, deitado em um dos tapetes do quarto, embora nem tenha se dado ao trabalho de erguer a cabeça para olhar para ela. Elinor prendeu a respiração e moveu seus olhos na direção da cama de Merida, esperando ver uma poça de sangue ou algo parecido. Mas sua filha não estava entre os lençóis esparramados. Um vislumbre de uma massa de cabelo vermelho captou a atenção de Elinor, embaixo de uma das asas do dragão. A rainha arquejou e inspirou fundo, tentando assimilar a cena diante dela. Havia um dragão no quarto de Merida. Sua filha estava, na melhor das hipóteses, inconsciente, a mercê da fúria da fera. E Elinor estava sozinha.

Antes mesmo de pensar nas consequências do que fazia, Elinor virou-se e puxou uma espada que estava presa em um suporte na parede. No mesmo instante, o dragão ergueu-se e ficou de pé sobre as duas patas traseiras, abrindo as asas quase em sua totalidade, com os dentes à mostra e um rosnado cavo saindo do fundo da garganta. Todos os fios de cabelo dela se arrepiaram de repente, mas a única coisa que Elinor parecia perceber era que o dragão estava entre sua filha e ela. Uma vozinha interior lhe disse que mesmo que soubesse manejar uma espada, aquilo era um dragão e ela não teria a menor chance. Mesmo assim, o instinto materno a fortalecia, e o desejo de proteger sua filha era maior do que qualquer argumento racional que ela tivesse.

Totalmente alheia ao que estava acontecendo no quarto, mas acordada pelos rosnados de Dealan, Merida remexeu-se e se espreguiçou embaixo dele, afastando os cabelos do rosto com indiferença. Então se sentou, olhou para a mãe e para Dealan, sem alterar sua expressão. Subitamente pareceu ter se dado conta do que acontecia e levantou-se em um pulo, colocando-se entre Elinor e o dragão, de braços abertos.

– Mãe! - ela exclamou - Mãe, não faça isso! Abaixe a espada!

– Você enlouqueceu? Isso é um dragão, Merida! - Elinor lançou-lhe um olhar de profunda incredulidade, mas logo voltou sua atenção à criatura. - Saia daí e venha para perto de mim imediatamente. Vamos sair devagar e chamar seu pai.

– Mãe. - Merida chamou - Mãe, olhe para mim. Olhe para mim, mãe. - Elinor olhou, ainda sem baixar a espada. - Mãe, ele é Dealan. Meu amigo. Mãe, ele não vai nos machucar. Abaixe a espada bem devagar.

Elinor franziu a testa e olhou para a filha como se ela fosse uma idiota. Ali, diante delas, colossal, estava um dragão claramente furioso, rosnando e preparado para atacá-las, e Merida ainda o chamava de amigo. Mas embora o dragão mantivesse uma pose ameaçadora, não parecia ter a intenção de atacar Merida. Sua atenção estava focada em Elinor, e a rainha viu cautela naqueles olhos inteligentes. Ele estava esperando um movimento dela. Lenta e delicadamente a espada desceu, assim como o rosnado de Dealan, cessando completamente quando a lâmina atingiu o chão. Merida soltou um suspiro quando o dragão apoiou-se novamente nas asas e tocou-lhe o ombro, mais calma. Mesmo assim, Dealan não tirava os olhos de Elinor, olhando-a com uma expressão que só poderia ser traduzida como antipática.

– Merida. Explique-se. - Elinor exigiu, cruzando os braços sobre o peito.

– Mãe, esse é Dealan. Ele é de Berk. É meu amigo.

– Como você o trouxe?

– Eu não o trouxe. Ele veio sozinho. Acho que sentiu minha falta.

O dragão revirou os olhos e bufou, como se dissesse que aquela era toda a falta que sentia dela. Merida deu um sorrisinho sem graça e olhou um pouco nervosa para a mãe.

– Quando isso aconteceu?

– Ontem a noite. Ele me encontrou nos jardins. Estava muito tarde, eu não pude avisar que ele tinha chegado.

– Você planeja mantê-lo aqui? - Elinor fez um gesto com mão. - No seu quarto?

Merida fez que não com a cabeça.

– Foi só por ontem a noite. Dealan não gosta muito de lugares fechados. Estou atrasada, não estou? Acabamos caindo no sono.

Elinor relaxou ao entrarem em um campo mais seguro. Nada era mais importante para Elinor do que a educação da filha.

– Sim, está. Mas está com um convidado, então é mais do que desculpável. - Elinor comentou, assumindo outra vez uma postura régia, fingindo não ver a surpresa na expressão da filha. - Será que há alguma coisa que podemos oferecer a Dealan? Carne, ou peixe assados? Ou talvez ele prefira aves...

Merida ficou completamente chocada com a atitude da mãe e demorou um tempo para se recompor. Dealan simplesmente encarava Elinor de olhos arregalados e pupilas dilatadas, sem conseguir esconder a curiosidade.

– Merida. - Elinor chamou-lhe a atenção com um estalar de dedos - Uma princesa não deve deixar seus convidados esperando. Especialmente se forem amigos. - repreendeu Elinor, lançando um olhar divertido a Dealan.

– Eu acho que ele prefere carne crua, mãe. Não vejo a necessidade de assar.

– Que tipo? Cordeiro, peixe, aves ou...

– Peixe. Enguias não. - Merida cortou. - Peixe está ótimo.

– Perfeito, então. Por favor, desçam em trinta minutos. Ah, e está dispensada das suas tarefas para hoje. - Elinor virou-se de súbito, saindo do quarto com passos leves, deixando a filha de boca aberta e olhos arregalados, perguntando-se se havia alguma coisa no mundo capaz de assustar a mãe.

_____

Após um farto café da manhã para Merida e uma refeição de peixe fresco temperado em ervas finas para Dealan - Elinor havia concordado em não assá-los, mas ainda assim conseguia deixar o seu toque em tudo o que fazia - Merida calçou suas melhores botas de caminhada e levou Dealan para conhecer a floresta. Após voar com ele pela primeira vez em Berk, Merida sempre imaginara como seria sobrevoar a floresta de Dunbroch junto com Dealan, imaginando como seria a visão do castelo visto de cima. Mas não se atreveu a pedir. Caminharam pelas trilhas em silêncio, cada um envolto em seus próprios pensamentos. Então, como se lesse a mente dela, Dealan fez aquele costumeiro gesto com a cabeça, indicando que ela subisse. Merida não perdeu tempo e subiu nele, grata pela sensação quente e libertadora das escamas abaixo das mãos.

____

Seis meses depois.

Soluço encarava o oceano, sentado no cais ao lado de Banguela. O dragão grunhia embaixo dos dedos dele, subindo e descendo pelas laterais da cabeça em um movimento acariciante. Uma brisa suave despenteou Soluço e ele afastou o cabelo dos olhos. Quando voltou a olhar, Astrid estava diante dele, os braços cruzados sobre o peito.

– Está na hora. - disse simplesmente, estendendo-lhe uma mão para ajudá-lo a se levantar. - Está pronto?

Soluço inspirou fundo e aceitou a mão de Astrid, colocando-se de pé com um impulso.

– Sim. Estou.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Mais dois capítulos e acaba. Prometo.