Upside Down escrita por Lirael


Capítulo 22
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Pela décima vez naquela tarde, Soluço arrumou cuidadosamente outra pilha de toras. Voara com Banguela pela manhã, ajudara Bocão com seu trabalho até a hora do almoço, quando o gigante louro pareceu finalmente se cansar de seu aprendiz pedindo coisas para fazer e lhe deu a tarde de descanso. Então, Soluço foi para casa, não exatamente para descansar. Seu pai estava do outro lado da ilha, ajudando alguns pastores que reclamavam ter perdido ovelhas durante a última chuva. Era dia livre na academia e os alunos o aproveitavam para explorar as ilhas com seus dragões. Soluço simplesmente não tinha nada para fazer. E era nesses momentos que a imagem dela surgia. Não com força, mas a princípio como um fio leve e delicado de fumaça entrando por debaixo de uma porta, deslizando, silencioso, ocupando, preenchendo, até não restar nada a não ser ela. O que estaria fazendo? Já teria almoçado? Sairia para a floresta após o almoço para tirar uma sesta entre as árvores como costumava fazer aqui, de vez em quando? Estaria sentindo falta dele? Soluço balançou a cabeça para desanuviá-la. Já fazia quase seis meses desde que devolvera Merida a Dunbroch. Ficar se perguntando como ela estava não ajudaria o tempo a passar mais rápido. Tinha que fazer alguma coisa para ocupar sua mente ou acabaria ficando louco. Começou por bater o pó dos tapetes. Depois, varreu o chão, procurando teias de aranha no teto, sem ver nenhuma. Poliu os escudos e as lanças das paredes até brilharem. Foi buscar água. Mas aquilo não era o bastante. Ela continuava vindo. Precisava de algo mais pesado. Então viu a pilha de toras atrás da casa e o machado convidativo encostado a elas. Não fizera outra coisa desde então. E o sol já estava quase se pondo. Em algum momento ele tirou a camisa, mas não pôde se lembrar de qual.

Estóico que observava o filho a alguns minutos, aproximou-se em silêncio, vendo Soluço partir uma tora atrás da outra como se esperasse que Merida fosse sair de dentro de uma delas.

– Já tem lenha aí para aquecer três invernos. - o chefe viking comentou, vendo Soluço sobressaltar-se e baixar o machado.

Ele pareceu surpreso ao notar a altura da pilha de madeira que tinha feito, como se a visse pela primeira vez. Depois, franziu as sobrancelhas, pensativo, ao notar que já estava escurecendo.

– Eu não percebi que estava tão tarde. - ele observou, secando o suor da testa com o dorso da mão.

Estóico assentiu, e a julgar pela altura da lenha que Soluço empilhou, ele deveria estar nisso a horas.

– Vá tomar banho. Eu faço o jantar. Soluço concordou, encostando o machado junto as toras e seguindo com o pai para dentro de casa

______

Uma hora depois, Estóico serviu ao filho um encorpado guisado de carne de ovelha com legumes. Jantaram em silêncio, cada um imerso em seus próprios pensamentos.

– Você tem estado quieto, Soluço. Está tudo bem? – Estóico perguntou entre uma colherada e outra.

Soluço ergueu os olhos de seu prato por alguns instantes, pensando no que responderia. Há alguns anos atrás, Estóico e ele jamais teriam uma conversa à mesa. Estóico tinha estado distante, sem saber como se relacionar com um filho tão diferente dele, muito preso aos papéis tradicionais, mas ele sempre se preocupara com Soluço e queria o melhor para ele, mesmo quando ele não podia vê-lo. Com a derrota do Morte Rubra e a paz com os dragões, Soluço e Estóico agora tinham um ponto em comum, algo que os obrigaria a trabalhar juntos: a adaptação dos dragões aos vikings. Com essa aproximação, Soluço finalmente pôde ver o quanto Estóico sofrera, dividido com a tarefa de criar o próximo líder de Berk, uma criança diferente e que não se adaptava ao mundo em que vivia e o desejo de se aproximar mais do filho, como um pai. Soluço sorriu com o pensamento. Estóico nunca desistira dele. Não havia razão para esconder nada, Estóico se tornara bastante sensível ao humor de Soluço. Mentir só levaria a mais perguntas.

Baixando a colher, satisfeito, ele evitou o olhar do pai ai responder.

– Eu sinto falta dela. - ele suspirou, consciente do quanto estava parecendo patético. Mas enquanto ficasse entre ele e o pai, não se importava - Passamos meses juntos e ficar longe dela é...

– Estranho. - completou Estóico, com um sorriso.

Soluço susteve o olhar do pai por alguns momentos, antes de desviá-lo. Estar longe de Merida doía, incomodava, como um puxão persistente na direção dele. Era assim que Estóico se sentia sem a esposa?

– Pai, como você soube que queria se casar com a mãe?

– Nunca houve qualquer dúvida em minha mente. – ele fez uma pausa, olhando para longe, como se pudesse ver a esposa. - Tudo nela era certo.

Soluço assentiu. Era exatamente assim que ele se sentia. Mas Merida ainda se sentia da mesma forma? Soluço começou a se arrepender de ter decidido esperar um ano pela decisão dela. Muita coisa poderia mudar em um ano. Talvez, junto de sua terra e sua família, Merida decidisse que aquilo tudo era apenas passageiro e que era mais feliz em seu lar.

Estóico levantou-se da mesa, retirando a louça. Depois, pousou a enorme mão esquerda no ombro do filho, enquanto lhe dirigia um olhar penetrante.

– Não pense mais nisso. Ela vai dizer sim. E se não disser, será por que não te merecia, de qualquer maneira. Mas ela vai dizer sim.

Soluço riu, tentando acreditar nas palavras do pai.

_______

Merida desceu as escadas, ainda mais pálida com a camisola bege clara e silenciosa em seus chinelos de pano. Caminhou em direção à cozinha, certa de que um pouco de leite morno a ajudaria a dormir. Não haveria nenhum criado acordado assim tão tarde, mas depois das lições de sua mãe, mesmo que não encontrasse leite na cozinha Merida sabia que poderia ir ao curral e ordenhar uma vaca com o mínimo de barulho possível. Quando chegou à cozinha, surpreendeu-se ao ver que estava iluminada e não escura e deserta como ela imaginara. Espiou pelo batente e relaxou ao ver seu pai fazendo um lanche, arrumando um pedaço de presunto nas grossas fatias de pão. Ele olhou para ela no batente, indiscutivelmente atraído pelo brilho vermelho do cabelo da filha e deu-lhe uma piscadela. Merida entrou, feliz por encontrar o jarro de leite cheio na mesma mesa. Fergus encheu um copo para ela, despejou no copo um pouco de mel e empurrou um prato de biscoitos em sua direção.

Merida agradeceu, puxando uma cadeira e bebericando o leite, pensativa.

– Não conseguiu dormir? – ele perguntou, enquanto mordiscava um dos biscoitos.

– E se ele não voltar, pai? - ela despejou, totalmente ciente de que se dissesse aquilo para a mãe deveria se preparar para um sermão de uma hora. Fergus era diferente. Seu pai a compreendia.

– Ele vai, se souber o que é bom para ele. - o rei comentou, antes de morder outra vez o biscoito.

– Pai... - ela protestou.

– Merida, nós não temos nenhum motivo para acreditar que ele não voltará. Na verdade, eu acredito que ele fará tudo o que puder para voltar para você.

Merida encolheu-se na cadeira, chamando a si mesma de covarde por não confiar nele. Concentrou-se no pensamento de Soluço caminhando no cais, vindo na direção dela, como se o simples pensamento pudesse trazê-lo de volta.

Sorriu para o pai e terminou seu leite, levantando-se em seguida e se despedindo dele com um “boa noite” um pouco insosso.

Mas ao invés de ir para a cama, Merida foi em direção ao jardim. A lua agigantava-se acima dela, produzindo um pouco de luminosidade. Não estava frio, nem havia brisa e Merida sentou-se em um dos bancos de pedra, abraçada às próprias pernas. Pensou em Soluço e tentou se agarrar às palavras que seu pai dissera, acreditar que ele realmente voltaria, mas não conseguiu. Em um ano, muitas coisas poderiam mudar. Talvez ele se arrependesse da decisão e decidisse que não a queria mais. Ele estava mesmo um pouco distante quando foi embora. Durante os dias em que esteve no castelo, nem sequer a beijara. Merida baixou a cabeça, encostando a testa nos joelhos.

– Por favor, volte para mim... – murmurou baixinho, sem de dar conta de que o fazia. Então, subitamente, todos os pelos de seu corpo se levantaram, arrepiados. A princesa esqueceu-se de tudo o que estava pensando e só levou um segundo para se levantar. Antes mesmo de se virar por completo, seus lábios já proferiam o nome que ela tanto amava.

– Dealan!


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Notas finais do capítulo

Ela pediu para voltar, mas não disse nada sobre quem.
P.S.: A quem interessar possa, a continuação de Wings of Fate já está no ar, ok? Beijinhos.



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