Upside Down escrita por Lirael


Capítulo 20
Em casa




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O vento despenteava o cabelo de Merida. Ela inspirou fundo, concentrando-se em sua respiração e tentando ignorar os espasmos que o choro provocava em seu corpo. Astrid apareceu ao lado dela e rodeou seu ombro, sacudindo-a de leve e sorrindo, para encorajá-la enquanto as duas percorriam o cais em direção aos navios. Deixar Berk não tinha sido fácil para Merida. Ela tentou ao máximo suportar a longa série de despedidas sem chorar. Tinha se apegado a aquele lugar, criado raízes profundas na rocha e ter que sair a machucara. Mas foi quando teve que se despedir de Dealan que as lágrimas até então bem presas rolaram sem parar, surpreendendo até mesmo ela. O dragão era arrogante, orgulhoso e teimoso, mas Merida o amava tanto que mal podia aguentar ficar longe dele. E mesmo com todos os olhos voltados para eles, o Skrill havia se deixado abraçar, envolvendo Merida com uma das longas asas para protegê-la de olhares curiosos. Até mesmo rugiu de leve para Soluço quando ele chegou perto demais para separá-los, rendendo mais alguns minutos para Merida expressar sua tristeza.

– Queria te levar comigo. - ela murmurou, debaixo do abraço protetor de Dealan, aproximando-se e deixando um beijo em seu focinho antes de se afastar.

Um pouco distante, Bocão assistia a cena ao lado de Estóico, assim como vários dos moradores que vieram para despedir-se.

– Ele não pode mesmo ir com ela? - perguntou, comovido.

Estóico negou com a cabeça.

– As leis do tratado de paz são claras. Os dragões pertencem aos povos vikings e não serão concedidos a Dunbroch.

Bocão suspirou, levemente resignado. Era para a própria segurança de Berk. Embora ninguém acreditasse que Dunbroch se voltaria contra eles, a possibilidade ainda existia. E se os escoceses utilizassem dragões como armas, todo o esforço que Soluço fizera para trazer a paz teria sido em vão. Um dragão poderoso como um Skrill não poderia nunca cair em mãos erradas. Era essencial que os dragões permanecessem em Berk. O ferreiro franziu a testa. “Se pelo menos ele fosse menor”, pensou. Então surgiu a ideia.

– E quanto à pequenina? Isean. - ele comentou, dizendo o nome do dragão com uma certa reprovação. - Um terror terrível sozinho não pode derrotar Berk.

Estóico calou-se por alguns momentos, ponderando uma resposta, pesando cuidadosamente os prós e os contras da decisão.

– Muito bem. Apenas Isean. Dealan fica.

Bocão sorriu. De uma maneira confortante, Estóico sempre ouvia as sugestões dele.

____

Uma vez que o vento estava ótimo e o mar estendia-se diante deles calmo e liso como um tapete, os três navios zarparam juntos. Merida ainda se recuperava do choque de deixar Dealan e Berk para trás quando procurou por Soluço e não o encontrou a bordo. Algum tempo depois o viu, em um outro navio mais adiante. Astrid surgiu ao lado dela quase imediatamente, debruçando-se preguiçosamente na amurada, analisando o rosto de Merida como se fosse a página de um livro.

A princesa cerrou os punhos e seu rosto era metade frustração, metade confusão. Não compreendia por que Soluço estava agindo daquela maneira. Desde o encontro no cais ele passara evitá-la como se ela tivesse três doenças, todas contagiosas. E mesmo quando estavam em casa ele logo conseguia alguma tarefa para fazer e a deixava sozinha com Dealan. Quando finalmente conseguiam ficar sozinhos, ele mal a tocava, e se ela tivesse sorte, despedia-se dela com um casto beijo no rosto.

Suspirou, frustrada.

– Ele tem os motivos dele. - Astrid comentou, encarando o oceano em volta delas, com a mesma indiferença de alguém que comenta sobre o tempo.

– Não é justo! - Merida protestou. - Eu não fiz nada para ele me tratar assim. Eu não entendo...

Astrid deu uma risadinha e olhou para ela sorrindo.

– Soluço é um homem, agora, Merida. Você é uma mulher outra vez. E uma princesa. Não pode esperar que ele te trate da mesma forma. Quando vocês estavam enfeitiçados era diferente, mas agora...

Merida abriu e fechou a boca, pensando nas palavras de Astrid. Soluço se afastara para não comprometê-la em público.

– E além disso - Astrid continuou - você conseguiria ir para casa se ele ficasse colado em você o tempo todo? Realmente voltaria se ele te beijasse, se te abraçasse e lhe dissesse que te ama, todos os dias, até que você considerasse desistir da decisão e ficar? - Astrid fez uma pausa, esperando por uma resposta. Quando ficou claro que Merida não diria nada, ela prosseguiu - Soluço quer que você decida sozinha, Merida, sem interferências, nem mesmo dele. Eu sei o quanto custa para ele ficar longe de você também, mas ele quer fazer isso do jeito certo dessa vez. Ele te ama, e é por isso que se afastou. Não fique chateada com ele.

Merida assentiu, um pouco mais resignada, embora seu coração se rebelasse contra a ideia de ficar longe dele. E teria que suportar mais um ano ainda!

____

A notícia do retorno da princesa de Dunbroch já havia chegado, com a ajuda de um Terror Terrível. Quando os navios vikings atracaram no cais, uma multidão já esperava por eles. Merida sentiu o coração acelerar ao ver sua família procurando por ela, expectantes, separados da multidão por um anel de guardas. Ela sorriu quando a encontraram com os olhos, grata pela cor vibrante do seu cabelo facilitar as coisas. Quando finalmente a rampa foi estendida sobre a plataforma do cais, Merida esqueceu-se de todas as normas de etiqueta e avançou correndo, pisando duro nas tábuas de madeira abaixo dela.

Assim como ela, seu pai estava pouco se importando com os protocolos e correu até a filha gritando seu nome. Quando se abraçaram as lágrimas vieram, inevitáveis. Fergus prensou a filha em um abraço de urso, rindo, chorando e beijando o topo de sua cabeça ao mesmo tempo. Aquele era o abraço de um homem que pensou que nunca mais veria a própria filha. Hesitantes, os dois se separaram e Merida cobriu a distância que a separava de sua mãe, ainda correndo.

Elinor ria cobrindo os lábios com a mão ao ver Merida correndo até ela. Não aguentou. Seu instinto materno falou mais alto e ela abandonou todas as formalidades correndo desajeitadamente até ela também. Lutando contra o próprio vestido. Seus braços a envolveram com força e sentiu que nunca mais a soltaria. Merida inspirou seu perfume e em meio à confusão de braços, beijos e risos, perguntou-se como conseguiu passar tanto tempo sem isso. As duas riram até perderem o fôlego, completamente alheias a vikings e escoceses que as cercavam. Não disseram uma palavra uma para a outra. Não havia necessidade disso. Seus olhares falavam por si próprios, contendo todas as coisas que diriam e as emoções que deixariam transparecer. Então um baque sobressaltou Merida. Ela riu ao olhar para baixo e ver Hubert, seguido por Harris e Hamish abraçarem suas pernas com força, falando todos ao mesmo tempo.

Então, mais uma vez, os braços do pai a rodearam, erguendo Elinor e Merida ao mesmo tempo, girando-as no ar rindo, sempre rindo. Elinor deixou sair um gritinho de espanto, mas não tentou pará-lo, deixando os risos cessarem naturalmente e o peso extra das duas sobrecarregar a perna de Fergus, forçando-o a colocá-las no chão.

Quando seus pés alcançaram o solo, Merida notou as figuras atrás dela. Estóico e Astrid que assistiam a cena sorrindo. E Soluço, que a observava com uma expressão ilegível. Seus olhos se encontraram por alguns segundos e Merida pensou ter visto um lampejo de tristeza nele. Mas tão rápido quanto surgiu, desapareceu e ele vestiu outra vez sua máscara de calma.

____

A ala norte fora outra vez fechada para hospedar os vikings e seus dragões. Elinor havia planejado um banquete para homenagear seus aliados e comemorar a quebra do feitiço. Merida lamentou ter de se livrar do kilt e da camisa e voltar a usar seus vestidos de seda e brocados, sempre acompanhados por um espartilho justo e desconfortável. Sua mãe insistira que naquela noite tudo teria que sair perfeito. Elinor temia a dissolução da Aliança por parte dos vikings, e embora Merida tenha lhe assegurado que aquela não era a intenção deles, Elinor insistia que tudo deveria correr perfeitamente bem. O que significava que Merida seria banhada como uma criança, escovada como uma égua e contida em roupas justíssimas como um animal selvagem, para depois ser exposta aos olhos de todos como uma obra de arte.

Mas Merida não reclamou quando uma legião de aias a cercou em seu quarto, a banhou, perfumou sua pele essências de flores, desfez os nós de seus cabelos com sofreguidão. Ela estava em casa, e por um momento, tudo parecia certo. Mesmo aquilo.

Quando finalmente acabaram, Merida lutava para respirar em um vestido pêssego e creme, com rendas delicadíssimas onde as mangas encontravam seus pulsos. Seu cabelo fora preso em uma grossa e ornamentada trança que lhe descia pelas costas e ornado com uma tiara fina em forma de corrente que lhe provocava uma sensação fria e agradável contra a pele da testa.

Tentou respirar fundo ao se olhar no espelho, mas o espartilho a impediu. As criadas saíram, deixando-a sozinha com aquela mulher linda olhando para ela no espelho com uma expressão hesitante.

____

Soluço conversava distraidamente com Estóico quando viu Merida surgir em seu campo de visão, descendo as escadas. Parecia flutuar naquele vestido, e embora Soluço soubesse que Merida provavelmente estaria sofrendo para respirar dentro dele, não pôde deixar de achá-la deslumbrante. Astrid surgiu ao lado dele e com uma risadinha empurrou seu queixo para cima, forçando-o a fechar a boca.

Merida encontrou seu olhar e sorriu para ele, um pouco corada, antes de terminar o último lance de escadas e juntar-se à sua família à mesa. Houve um momento de tensão antes que todos se sentassem e a comida fosse servida, um silêncio constrangedor e denso. Como se lesse os pensamentos de Merida, Estóico pigarreou e começou a falar:

– Da última vez em que estivemos nesse castelo, meu filho foi enfeitiçado pela princesa Merida. – ele comentou, espalhando o mal estar entre as pessoas da mesa. – Mas também aconteceram coisas boas. Nossos povos firmaram uma aliança comercial e bélica e meu filho assumiu com os Dunbroch o compromisso de se casar com a princesa Merida.

– Casamento que poderá ser anulado, se ele assim o desejar. – comentou Elinor, ansiosa por desfazer a tensão recente.

– Quanto a isso acho que não vai haver nenhum problema. – disse Soluço em um tom de voz alto o suficiente para que todos na mesa ouvissem. – Eu não tenho nenhuma intenção de desistir desse compromisso

– Não tem? – exclamou Fergus – Mesmo depois de... – O rei urso silenciou-se com o olhar gélido que a esposa lhe lançou.

– Não. Na verdade, gostaria de manter o noivado, com uma condição.

A rainha olhou para Merida e depois para Soluço, com uma expressão cautelosa.

– E qual seria essa condição? – perguntou, estudando-o atentamente.

– Gostaria que Merida tivesse um ano para refletir sobre se casar ou não comigo. Ao término desse prazo eu voltarei a Dunbroch e ouvirei sua resposta.

Elinor piscou por alguns segundos, perplexa. Olhou para a filha, mas não encontrou nenhuma das respostas que queria naqueles olhos. Depois, olhou para o marido, mas Fergus estava simplesmente boquiaberto, incapaz de dizer palavra alguma. Foi Estóico quem se pronunciou.

– Entenda, majestade, nós não guardamos absolutamente nenhum rancor pelos acontecimentos passados. O Tratado permanece, não é o nosso desejo quebrá-lo. Durante a sua estadia em Berk, meu filho e a princesa se tornaram muito próximos e a decisão de manter o compromisso de noivado foi inteiramente deles. – Concluiu o chefe viking, olhando para Merida com simpatia.

Soluço assentiu, confirmando as palavras do pai.

– Mas a resposta a um pedido de casamento pertence somente a Merida. Não há nenhuma dúvida quanto a minha escolha. Não há nada que eu queira mais neste momento do que me casar com a sua filha – Ele fez uma pausa, lançando um olhar tão intenso a Merida que a fez corar. – Mas me parece que ela não estava de acordo com o noivado alguns meses atrás.

– Tivemos algumas discordâncias na época. – Elinor explicou calmamente. – Mas Merida tinha concordado que essa era a melhor escolha.

– É mesmo? Não me parece. – Soluço ironizou, e o olhar que dirigiu a Elinor era capaz de congelar lava.

Por sorte Estóico interferiu, perguntando a Elinor sobre alguns pormenores do tratado antes que a conversa se tornasse mais ácida. Ele sabia como Soluço podia ser sarcástico as vezes. Seu filho pareceu não notar, concentrando-se em sua comida e fechando-se em um silêncio sombrio pelo resto da noite.

____

Uma semana depois, Merida observava do cais os navios vikings preparando-se para partir. Quis abraçar Soluço e beijá-lo, mas sabia que se fizesse isso jamais o deixaria ir. Ao invés disso, aproximou-se dele, um pouco relutante, contendo a muito custo a vontade de beijá-lo ali mesmo. Ele parecia calmo e conformado diante dela, mas seu olhar o traiu e Merida soube que ele também estava se segurando para não levá-la com ele.

– Por que está fazendo isso? – Merida perguntou, deixando as palavras jorrarem sem controle. Uma lágrima caiu em sua bochecha, mas ela não lhe deu a menor atenção. – Por quê você vai me deixar? Você não me quer mais por que eu mudei?

Soluço segurou as mãos dela e as apertou de leve, retendo seu olhar.

– Você acha que eu não te quero? – ele perguntou, com uma expressão incrédula. – Merida, eu quero você mais do que quero respirar! Você é tudo o que eu sempre quis. Nunca diga isso outra vez. Nunca.

– Então por que vai me fazer esperar um ano? Por que não podemos nos casar agora? - A princesa fungou baixinho.

– Por que você precisa de espaço. Você ama a sua família. Deixá-la para trás rasgou você por dentro. Qualquer um pôde ver isso. – ele fez uma pausa, girando os polegares contra o dorso das mãos dela. – Um casamento é uma decisão séria, Merida. Eu quero que você pense sobre isso com muito cuidado, todos os dias. E se em um ano você mudar de ideia, então será por que eu não fui digno do seu amor. – ele se aproximou e segurou seu rosto com delicadeza, beijando-a na testa. – Promete que não vai se esquecer de mim?

– Como você pode perguntar uma coisa dessas? – Merida protestou, indignada.

Soluço sorriu com a expressão dela. Depois se afastou, juntando-se aos outros e entrando nos navios.

Merida ficou observando-os partir, mal se dando conta da presença de sua mãe ao lado dela até Elinor pousar uma das mãos em seu ombro. Merida olhou para ela com uma expressão tão firme que a assustou.

– Certo, mamãe. Me ensine tudo o que eu preciso saber para ser uma esposa. – disse sem vacilar.

Elinor inclinou a cabeça para observá-la melhor, a dúvida estampada em seu rosto.

– Eu ficarei feliz em te ensinar essas coisas, mas espero que você esteja pronta. Caso contrário, vai odiar cada segundo. – a Rainha advertiu, em um tom sereno.

Mas Merida apenas sorriu com uma expressão determinada.

– Eu estou pronta. Não tenho tempo a perder.


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Notas finais do capítulo

Sim, estou atrasada. Sim, peço desculpas, a inspiração demorou a chegar. Mas assim como a justiça, meu capítulo tarda mas não falha!



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