Upside Down escrita por Lirael


Capítulo 14
Frio


Notas iniciais do capítulo

Sim, eu sei que o combinado seria postar todas as sextas feiras. Mas aí eu pensei: "O capítulo já está pronto, revisado e agora são 22:00h. Faltam apenas duas horas para meia noite, quando será sexta feira. Então, por que esperar, não é mesmo?



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/553030/chapter/14

O inverno abraçou Berk como uma amante. As noites esfriavam cada vez mais e quando Merida acreditava ter chegado ao limite, a temperatura caía um pouco mais só para provar que ela estava errada. E ainda nem começara a cair neve.

Dormia pouco e mal, e as olheiras marcavam presença constante abaixo de seus olhos. Em uma noite tremia tanto que quando finalmente conseguiu fechar os olhos por mais de uma hora já era de manhã e a claridade a impediu de continuar dormindo. Mas estava tão cansada, tão cansada...

Merida afastou os cobertores grossos ainda meio zonza de sono. Tentou ficar alguns segundos sem eles para se acostumar com a temperatura, encarando as próprias pernas repletas de pelos ruivos, sentindo saudade da sua aparência de garota. Se ao menos todos aqueles pelos servissem para aquecê-la ela não reclamaria. Foi entre esse pensamento e outro que algo chamou sua atenção, logo abaixo do umbigo. Um volume estranho e antinatural. Ela ergueu o kilt com muita lentidão, sobressaltando-se em seguida e deixando sair um berro que teria sido algo muito parecido com um guincho se ela ainda estivesse em seu corpo feminino. Contou até dez para se acalmar e olhou de novo. O desespero tomou conta de seu rosto. Como iria sair da cama assim?

Então Soluço abriu a porta de rompante, com um machado duplo na mão, as correias da perna amarradas com desleixo, os cabelos desalinhados e roupas de dormir – masculinas, é claro, ele se recusara a usar roupas de garotas desde o momento da transformação, ainda que as dele ficassem caindo e precisassem de cintos e ajustes na costura.

– O que houve Merida? – ele perguntou, e mesmo assim, cheio de sono e descabelado era a imagem da preocupação.

– Tem algo errado comigo... – ela falou, meio gemendo meio murmurando, olhando para os lados. Então encarou Soluço e apontou para si mesma entre as pernas, pálida como se tivesse visto a morte.

Soluço baixou o machado e olhou para ela, sua mente entorpecida pelo sono fazendo esforço para funcionar e tentar entender o que estava realmente acontecendo. Ele franziu a testa, confuso.

– O que é que há de errado? – ele se aproximou, cautelosamente.

Merida levantou os cobertores devagar e tremendo, mas não o kilt, dando a Soluço um vislumbre rápido do “problema” antes de desviar os olhos, surpreso.

– Oh... Isso... – ele correu os dedos pelos cabelos, deixou o machado no chão, fechou a porta e sentou-se na beira da cama, próximo dela. – Veja, isso pode ser um problema e não há muito que você possa fazer sobre isso.

A expressão de Merida era de total pânico e ele tentou ao máximo parecer sério e não rir daquela situação. Será que ele tivera uma reação parecida quando acordou uma manhã todo manchado de sangue?

– O que eu posso fazer? – ela perguntou, ansiosa.

– Não muito. – Soluço explicou. – Na verdade, você pode ficar aqui e esperar passar ou...

– Ou? – Merida o interrompeu, com um tom urgente.

Soluço desviou o olhar dela, visivelmente constrangido e corado.

– Acho que sua única escolha seria esperar passar. – ele despejou as palavras, tropeçando nelas como uma criança. – Mas não fique preocupada. Essas coisas acontecem, as vezes.

– Ás vezes? Ás vezes quanto? – ela perguntou, encarando-o.

– Com bastante frequência. – ele garantiu, lançando lhe um olhar penetrante.

– Ah... – Merida murmurou, cobrindo o rosto com as mãos. Parecia estar sussurrando algo por entre os dedos, um tagarelar baixinho e desconexo, e Soluço só conseguiu ouvir a parte do “O que foi que eu fiz, o que foi que eu fiz, o que foi que eu fiz...”

Ele tocou as mãos dela com as suas e as afastou, olhando para ela.

– Merida... Pensar nisso só vai piorar as coisas... Por que você não desce e toma café da manhã comigo?

– Desse jeito?

– Não vai ser um problema. Só... Tenha cuidado para não esbarrar em nada, pode ser bem doloroso.

Ela assentiu e Soluço se levantou, puxando-a pela mão, fazendo o melhor possível para não rir daquela situação absurda.

__

Uma ou duas horas depois, Merida acompanhou Soluço até a forja. A forja havia se tornado seu lugar preferido durante o inverno, pois estava sempre aquecida.

Bocão tirava alguns parafusos de um molde estranho e Soluço prontamente abasteceu as chamas com lenha. Merida deixou-se cair em um banquinho e tentou se distrair polindo algumas espadas. O gigante louro deu uma olhadela de esguelha para ela e comentou:

–Você parece horrível.

– Eu não tenho dormido muito bem. – Soluço ergueu uma sobrancelha para o comentário, mas não disse nada. – Você sabe de alguma coisa que possa ajudar?

– É melhor você pedir a Gothi sobre isso. – ele respondeu, sem desviar os olhos do que estava fazendo

– Não acho que ela seja capaz de ajudar, a menos que possa fazer a temperatura subir. – ela comentou, com amargura, soltando um suspiro quando Soluço passou à sua frente com a terceira carga de toras. – Vamos, Bocão! Tem que haver alguma coisa aqui capaz de aquecer a minha cama!

O ferreiro abriu a boca para responder, mas foi abafado pelo escândalo de toras sendo derrubadas sobre uma pilha de escudos metálicos. Bocão suspirou, enquanto um Soluço com o rosto muito, muito vermelho se desculpou e recolheu as toras, uma a uma.

Merida arregalou os olhos e depois se colocou a olhar para Bocão, que havia parado de despejar parafusos e olhava para o alto com uma expressão pensativa.

– Bem... Agora que você mencionou, existem várias maneiras de dormir mais confortavelmente. – continuou ele, num tom profissional – Você pode por exemplo, usar mais cobertores...

– Estou usando praticamente todos os cobertores da casa. – Merida rebateu, descartando a hipótese.

– Pode ficar mais perto da lareira... – sugeriu.

– Minha cama é enorme e pesada. – Ela abanou a cabeça em negação.

– Você pode ficar bêbada antes de...

– Uma princesa não pode abusar do álcool. – ela disse, com um sorriso, lembrando-se das palavras de sua mãe.

– Ou não dormir sozinha. – ele sugeriu, com a expressão mais tranquila do mundo.

– O-O que? – Ela balbuciou, olhando de relance para Soluço, que correspondeu ao olhar dela, com uma expressão ilegível. Pela primeira vez em muito tempo ela se sentiu verdadeiramente quente. – Eu não... Como... O que você está sugerindo?

– Dragões são quentes. – ele explicou com perfeita indiferença. – Consiga um e seus problemas acabam. Exceto, talvez, roupas de cama chamuscadas. Por que? O que você achou que eu quis dizer? – Um olhar para seu rosto corado e ele obteve sua resposta, sorrindo sobre o bigode.

__

Naquela noite, ajoelhada em frente à lareira e colocando mais lenha nas chamas, Merida ouviu uma batida na porta. Ela se levantou, limpando as mãos no kilt antes de abrir. Do outro lado estava Soluço, com uma mão levantada pronta para bater de novo e outra escondida nas costas.

– Olá... – ele disse, abaixando a mão devagar.

– Oi. – Merida sorriu, dando um passo para trás. – Entre.

– Eu ouvi você falando sobre os seus problemas para dormir... eu trouxe uma coisa. – De trás de suas costas subiu um pequeno dragão amarelo pálido, o que ela imaginava se chamar terror terrível. O dragão piscou para ela, sacudindo a língua bifurcada para lamber o próprio globo ocular. A ação foi ao mesmo tempo nojenta e cativante e fez Merida se lembrar dos seus irmãos.

Ela não pôde conter um riso e quase sem pensar, estendeu as mãos para pegá-lo. O dragãozinho inclinou a cabeça para o lado, considerando por um momento, depois se esgueirou para os braços dela, as pequenas garras picando as mangas da roupa.

– Qual o seu nome? – Merida perguntou, encarando o dragão.

– Ela ainda não tem um nome. Se você gosta dela e ela gosta de você, você pode fazer as honras da casa.

Merida virou a cabeça para olhar para ele.

– É uma garota?

– É claro. – ele comentou. – Você não vai querer um estranho dividindo a cama com você, vai? – Ele disse, com um sorriso e um tom irônico. Depois se virou e saiu, deixando-a acariciando o pequeno dragão.

__

Merida acordou, sentindo-se muito melhor pela manhã. Não tinha conseguido pensar em um nome para sua nova amiga, mas ela o faria a caminho da floresta. Levantou-se, vestiu-se, deixou a pequena Terror Terrível dormindo na cama e saiu, pegando uma maçã na cozinha enquanto se dirigia à floresta. Soluço sabia que não iria encontra-la, e com certeza também sabia onde ela estaria. Já a conhecia o suficiente para saber que Merida era ligada à terra, tão arraigada quanto um salgueiro antigo, assim como ele era ligado ao céu.

Ao sair, vestígios do frio que a noite deixara para trás a fizeram tremer, mas ela se agarrou a capa de pele de urso de seu pai e continuou caminhando. Uma geada branca cobria tudo e neblina se espalhava suavemente.

Merida caminhava, perdida em seus próprios pensamentos, adentrando cada vez mais na floresta. Árvores estranhas se erguiam diante dela, algumas totalmente desconhecidas, outras, velhas amigas, primas distantes daquelas em sua terra natal.

Quando pensou em Dunbroch, o coração de Merida apertou-se e as lágrimas foram inevitáveis. Mais do que uma vez tentara se conformar com a possibilidade de nunca mais voltar para casa. Já tentara de tudo, mas não conseguia compreender a mensagem das palavras na madeira. Sua casa agora era Berk. Merida balançou a cabeça para desanuviá-la. Tinha que se conformar, afinal fora tudo culpa sua, não fora?

Distraída e com os olhos marejados, Merida tropeçou e uma pedra e apoiou as mãos no chão para amparar a queda. Mas o tombo foi mais longo do que ela previa. Caiu rolando em um pequeno barranco, uma mistura bizarra de cabelo, kilt, folhas, galhos e terra. Quando achou que aquilo não acabaria mais, seu corpo bateu em uma coisa rígida e a queda parou. Merida encolheu-se, gemendo e praguejando e se apoiou no que quer que fosse que lhe dava apoio. Sua mão tocou a pedra – ela imaginava ser uma pedra – e ela se levantou, cambaleante e cheia de cortes e arranhões, virando-se para encarar seu apoio, apenas para recuar alguns passos e cair de novo, arquejante.

Por que a pedra contra a qual ela se chocara não era pedra nenhuma. Diante dela, rosnando furioso, estava um dragão.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O quê? Achou que eu ia deixar apenas o Soluço sofrer com problemas de garotas? Não seria muito justo, não é?
Como vocês já devem ter notado eu A-DO-RO momentos constrangedores. Quem leu Wings of Fate sabe. Então, por favor, não pensem que eu sou algum tipo de maníaca, ok?



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Upside Down" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.