Chamem os Bombeiros escrita por Juliana Rizzutinho


Capítulo 36
Sob as teias de Aracne


Notas iniciais do capítulo

Olha... acho que as coisas estão tenebrosas na Folha da Manhã... Mas sorte nossa que vamos rir! XD Bora para história?



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Estou exausto. Relaxado na poltrona do carro, encosto a cabeça no vidro e meu pensamento voa.

— Está apaixonado, Murilo? – pergunta o Décio. E para variar ele devora alguns biscoitos.

— Ah, eu acho que sim! – afirma o Jura. – Dá um naipe no olhar de peixe morto do rapaz.

— Eu desconfio até quem seja o foco de admiração de nosso colega... – diz o fotógrafo.

— Hahaha! Muito engraçado! Estou cansado só isso.

Estou voltando de campo com Décio e o Jura. Quando algum repórter entra de férias ou fica doente, sempre meu tio pede para cobrir. Não acho ruim, não. Gosto dessa correria da rua. Já fiz bastante, mas na altura do campeonato prefiro ficar mais no canto até porque... Espera aí, eu vi isso?

— Jura!

O motorista me fala:

— O que foi, rapaz?

— Dá volta com o carro, por favor!

— Ué? Por quê?

— Está tendo algum assalto no jornal? Ou na rua ? – me pergunta o Décio.

— Que nada! Tem algo muito estranho no que acabei de ver! E se der, que seja rápido.

Me estico para ver se estou enganado ou fui traído pelos meus olhos. Mas não tenho dúvida. A Melissa e o Alan saindo de um bar. Às gargalhadas, eles se tratam com muita intimidade. Tenho certeza, esses dois estão aprontando algo!

Essa garota não dá um ponto sem nó. Só permanece no jornal porque a família tem vários parentes que são “peixes graúdos” na política. “Gente que não é para se mexer”, como diz o tio. O Alan então é pernicioso. A princípio o pessoal acha que pego no pé dele, mas que ele não é confiável, isso não é!

— Vai, Jura! Nem questiona!

— Mas afinal o que rola? - indaga o Décio.

— O que foi, Murilo? – pergunta o Jura.

— A Melissa está conversando com o Alan. Andando...

— Ah, vá! Isso? Vai ver que eles foram fazer alguma reportagem juntos... – diz o fotógrafo.

— Hum, isso é estranho! Logo hoje que o Alan saiu com a Giovanna em campo! – lembra o motorista.

— Perai! O Alan foi a campo com a Gi? E o Júlio?

— Foi com a Bárbara, pelo que me lembre. – o Décio fala pensativo.

— Caras! Tem encrenca aí!

— Então, bora! – afirma o Jura.

O motorista faz algumas manobras alucinadas para dar a volta no quarteirão. Procuro atento e com ansiedade aqueles dois. O Décio olha para o outro lado da rua. Vai saber se eles atravessaram.

— E aí? Acharam? – indaga o Jura.

— Nem sinal deles! – respondo.

— Também não vi nada! – revela o fotógrafo.

— Tem certeza que eram eles? – questiona o motorista.

— Tenho! Certeza absoluta.

Chegamos no jornal e o clima é estranho. Burburinhos ali e aqui, mas como o pessoal do fechamento está na correria, não dá brecha para perguntar se aconteceu algo. Pelo jeito, vou ter que dar uma de cachorro farejador.

******

Não acredito nisso! A dor é tão grande, absurda que toma meu peito de tal forma que tenho vontade de morrer! Primeiro ser acusada de dar bola para aquele babaca metido a galã! E depois... Depois... Como ele pode ter comido a Melissa? O Júlio é sujo, nojento! Nunca mais quero vê-lo.

Estou procrastinada no sofá. Lencinhos de papel por todos os lados. E o Ernesto não sabe o que fazer para me confortar.

“Humana! Não chore! Você tem a mim!!! Mas eu tinha te avisado! Aquele barbudinho não presta!”.

O gato senta no meu colo, ronrona e mia, tentando desesperadamente fazer carinhos improvisados.

— O papai... Papai... Papai, uma ova! Quero que o Júlio morra com Aids de mãos dadas com a Melissa!

“Eu te disse! Eu sou o único que a ama, humana! A propósito... daria para você colocar sachê hoje na minha ração? Afinal, é um favor, minha humana. Quem mais poderá te aturar se não for eu?”

Mas aí percebo que há algo além da dor... a fome! Dizem que se você cozinhar, pode transmutar os acontecimentos, os problemas, as mágoas... Por que logo comigo acontece isso???

Vou ao banheiro, prendo os cabelos com uma piranha, lavo o meu rosto e mãos, observada pelo Ernesto.

“Isso, humana! Bola para frente! Aproveite e coloque sachê na minha ração já falei!”.

Abaixo e abraço o Ernesto.

— Você é a único que me compreende.

“Nem tanto, humana. Mas vou fazer um carinho aqui para falar que fui bonzinho”.

E sinto sua pata acariciar meu rosto com cuidado.

Vou até a cozinha, e verifico a geladeira. Desolada, vejo que estou com pouca coisa. Não tenho feito compra, afinal, nos últimos finais de semana, eu... POR QUE ELE DORMIU COM AQUELA PERIGUETE? Meu Deus! Será que peguei alguma doença?

Balanço a cabeça com força, tentando afastar meus pensamentos. Afinal, isso é pouco provável, porque todas as vezes em que... bem, você sabe... Usamos preservativos. Então longe disso!

Decido por pão de forma integral, ovos, salsinha, um pouco de milho em conserva e... Ah, achei! Noz moscada em pó. Quebro os ovos e coloco em uma tigela. Acrescento sal e começo a bater. Adiciono a noz moscada, mas o pacote escorrega pela minha mão. Tento recupera-lo, mas em vão. E assim o tempero se encontra com o chão. O Ernesto se aproxima curioso e cheira.

“Hum, o que isso? Cheiro bom!”.

Do nada, o Ernesto começa a esfregar a cara no chão e dar piruetas. E aos poucos aumenta a velocidade delas.

— Ernesto pare com isso, vamos!

O meu gato fica com uma cara debochada, uma expressão que não sei como definir. Parece que está em outro mundo.

“O que são esses camundongos coloridos voando em volta de mim? Isso é muito leeeeegal!”.

O Ernesto começa a saltar como fosse pegar algo, mas para o NADA! Oh, Deuses, o que aconteceu com meu gato?

“Humana, nunca me senti tão bem na vida”.

******

Chego ao jornal esbaforido, arrumo meus cabelos, ajeito a minha roupa e vou em direção ao hall do prédio.

— Bom-dia, Farofa!

— Bom-dia, Murilo!

— Tudo calmo, rapaz?

— Até agora sim, né? Não tendo outra briga como ontem, tudo bem?

Dou dois passos para trás e indago:

— Que briga?

— Você não soube? – ele me pergunta perplexo.

— Não! Aliás, estive ontem aqui, mas como era na hora do fechamento parecia tudo normal. Bem, o normal de um fechamento.

— Mas ninguém te contou?

— Não! Falei com a Lilian, trombei com a Cassandra, o chefe...

— Ah, eles não viram. Por isso que não te contaram. O fuá foi aqui embaixo e quem estava indo embora ou chegando para o fechamento viu tudo.

— Oh, rapaz! Para de enrolar, o que foi?

O rapaz pede para chegar mais perto e começa a falar quase num sussurro:

— Sabe o Júlio?

— Ah, o fotógrafo? Sim, sei.

— O barbudinho ou melhor ex-barbudinho.

— Para de enrolar, moleque, conte logo.

Ele respirou como procurasse fôlego para manter a calma e começou:

— Isso! Ele está namorando aquela espevitada da Giovanna? Ou melhor, namorava?

— Namorava? - repito surpreso.

Nisso, uma moto chega. Aliás, moto não! Vespa! E estaciona. É o Júlio. Ele tira o capacete e reparo nos olhos fundos e inchados. E pelo seu aspecto parece que ele dormiu no mato.

O Farofa inclina a cabeça para me indicar que o fotógrafo chegara e diz:

— Depois eu te conto.

O Júlio passa por nós, nos cumprimenta muito timidamente e continua a andar. Encaro o segurança do estacionamento e ele mexe os ombros com ar de preocupado.

Vou atrás do Júlio e tento chamar a atenção do fotógrafo.

— Oh, Júlio! O que foi? Parece que teve uma noite assombrada.

Ele para ainda de costas para mim, abaixa a cabeça e respira fundo. Meu sexto sentido (apesar de não ser uma mulher, eu tenho tá?) me diz que algo bem feio aconteceu. Agora, o fotógrafo se vira e me encara. E dá uma resposta torta.

— Murilo se pudesse desaparecer nesse mundo, seria a primeira coisa que faria. Bom-dia para você! – e volta a andar.

Dou a volta no fotógrafo, e fico na sua frente, bloqueando sua passagem.

— Júlio, o que aconteceu? Você me dá arrepios!

Ele abaixa a cabeça e fala baixo.

— Não sei como será a reação das pessoas e se conheço bem, muitos vão te cobrar de que lado você irá ficar. Bem, você decide, mas na hora da confusão falei um monte de merda. E deu o que deu!

Mexo a cabeça sem entender.

— Oh, Júlio, desculpe, mas não estamos no filme O Código Da Vinci para falar em enigmas e parábolas.

Ele levanta os olhos de forma desafiadora.

— Fique tranquilo, afinal, trabalhamos em um jornal e o que mais o povo faz é passar informação. Mesmo que ela seja distorcida.

Me contorna e mantém o passo. Nisso, avisto a Giovanna a entrar do outro lado. E da entrada principal. Estranho porque aí que me toco que nos últimos tempos os dois têm chegado juntos. E aí que cai a ficha: Eles brigaram. E muito provavelmente, na frente de todo mundo. Ou melhor, na frente do pessoal que estava na garagem.

A repórter chega com os óculos escuros e não os tira. Está mais que na cara que chorou. E pelo jeito foi feio. Percebo que ela tenta me evitar e vai para outro lado pegar os elevadores que levam aos andares superiores. Aliás, não a mim que quer evitar, mas sim, o Júlio. E isso fica evidente. A garota prefere subir mais alguns andares e descer pelas escadas de incêndio, assim não dá de cara com namorado. Bem, pelo menos o fotógrafo era até ontem.

Muito bem, tomo o elevador e chego no andar da redação.

— Bom-dia, bonitão. Sempre com garbo e elegância. – me diz o Felipe.

— Bom-dia!

Nisso eu vejo no meu canto esquerdo a Juliana passar. Ela me olha de soslaio, ainda arisca desde o dia que... Putz grila, como ainda saio dessa? Ainda bem que ela não espalhou para os outros que sou sobrinho do Edgar. Ou espalhou?

Quando percebo o Felipe me acompanha o olhar e depois vira para ver quem estou encarando.

— Hum... então você está gamado na nossa pequena tigresa! Olha que é brava, viu? E provavelmente o dominará na cama! Uuuauu!

— De quem você está falando? – me faço de desentendido.

— Hum... Tá bom! Engana que eu gosto! Mas agooora é hora de...

— Não, Felipe, nem venha querer imitar a Anitta!

—Tá louca? Minha Rainha é Valesca Popuzada! Porque sou a diva que você quer copiar! – pigarreia e continua: - So! De que lado você está: Giovanna, a lacradora ou o comedor de bucetas de fim de carreira, o Júlio?

— Ahãm!?

— Não faça de desentendido de novo, cão! Sei que você os ajuntou...

O Felipe é interrompido pelo Décio que devora um misto quente e bebe um suco de laranja.

— Opa, Murilo! Felipe!

— Bicha! Você me interrompeu!

— Ops, desculpe!

— E... – o Felipe olha para o suco de laranja e diz: - Bicha leva esse suco à boca.

— Para quê?

— Faz o que tô mandando!

De forma obediente, o Décio faz o que Felipe pediu, ou melhor, exigiu.

— Isso! Agora mantém assim! Olha para cima, digo para aquele vão lá!

E o fotógrafo continua sobre os comandos do Felipe.

—Ótimo! – enquanto saca o celular e tira uma foto.

— Para que isso?

Ele olha para o celular e salva a foto. Se vira para mim e diz:

— Vou mandar para o Pai de Família Indelicado 3! Afinal só falta o Décio deixar uma barba cerrada e ter um aeroporto de mosquito no cucoruto.

Faço uma cara: “O que tem a ver isso?”

A minha “amiga” suspira e me informa:

— Bicha! Jailson Mendes! Do Aiiiiiii, que delícia, cara!!!

— Pode parar de me enrolar, Felipe. Me explique essa confusão do Júlio com a Giovanna.

— Bora para reunião de pauta, galera! – passa a Lilian por nós e segue seu caminho.

— Oi, flor! Tá linda com esse arranjo na cabeça e...

Seguro o cotovelo do Felipe, observado pelo Décio que deixa seu lanche suspenso no ar.

— Fofo, é hora...

— Hora de você me contar o que aconteceu! – exijo.

— Mas vamos perder a reunião...

— Pode contar que seguro o rojão.

Ele franze o cenho tentando entender o que eu disse.

— Tenho as minhas influências! Agora, conte! – revelo.

O Décio fica boquiaberto e continua com o lanche na mesma posição.

E aí sim, o Felipe conta tudo em meio a sussurros e por vezes se exalta em determinadas partes. O fotógrafo gordinho escuta e em alguns trechos me encara, como pedisse reciprocidade.

Ao final, digo:

— Então é isso!

— Isso o quê?

— Felipe, eu vi a Melissa saindo de um bar com o Alan e cheio de intimidades.

— Como que é? – ele fala quase gritando.

Eu e o Décio fazemos:

— Sssshuuuu!

— Ei, vocês três! A reunião começou! Quer que traga uma liteira para leva-los até a sala? – a Lilian retruca indignada e com a mão na cintura.

— Já disse que você está linda com esse arranjo na cabeça? – tenta disfarçar o Felipe, enquanto começamos a seguir a secretária do chefe.

— Já! E isso não vai me iludir ou dispersar o que tenho que fazer, tá, Felipe?

Ele entorta a boca. Nesse meio tempo, aproveito que estou um pouco atrás dos fotógrafos e seguro nos braços dos dois e aviso bem baixinho:

— Deem um jeito de nos encontrarmos na hora do almoço na padoca aqui na esquina! Vou precisar da ajuda de vocês.

Os dois assentem com a cabeça.


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Notas finais do capítulo

A coisa tá pegando fogo... E quando o Murilo entra na treta, meu amigo, minha amiga, aí vem bafão!
Bora para o glossário?
Glossário – Chamem os Bombeiros
Sob as teias de Aracne – o título faz referência à Aracne, pertencente à mitologia grega. Ela, uma linda jovem, era uma bordadeira de mão cheia. Seus trabalhos eram tão perfeitos que ficaram conhecidos por todo Olímpio. Até o que o dia que ela começou a espalhar que seus bordados eram superiores à Deusa Atena. Ah, encrenca na certa. Então, Atena a desafiou para quem bordava melhor. No fim, Atena venceu, Aracne fugiu e se enforcou. Apiedada, Atena a transformou em uma aranha para continuar tecendo teias ao invés de tecidos. Na Bruxaria, ela é conhecida como “aquela que trama intrigas”. Capicce?

“(...)Adiciono a noz moscada, mas o pacote escorrega pela minha mão. Tento recupera-lo, mas em vão. E assim o tempero se encontra com o chão. O Ernesto se aproxima curioso e cheira. (...)’Humana, nunca me senti tão bem na vida’”. – A Vanessa, uma amiga que tem duas gatas, me contou que uma vez, sem querer, ela deixou noz moscada em pó cair no chão. As bichanas cheiraram e agiram de forma estranha por pelos menos 10 minutos. Será que noz moscada dá para barato para gato? Só testando mesmo.
Fuá – confusão, treta.
Pai de Família Indelicado 3! / Jailson Mendes - Há um filme que se chama “Pai de Família”, um pornô gay protagonizado pelo ator Jailson Mendes. Não sei qual o verdadeiro motivo, mas a atuação de Mendes tem povoado memes pela internet com seu bordão: “Aiiiiiiii que delíííícia, cara!”. Tanto sucesso chegou aos grupos de Facebook. E um deles é o Pai de Família Indelicado 3.
E a seção Q & A continua! Hoje estamos com o convidado...
“Olá, autora!”, abano o rabo. “Rola biscoitinho de osso?”
— Mozart é cara de pau sempre ou é impressão minha?
“Hum... não sei, mas... Rola biscoitinho de osso?”
— Só rola se o senhor me responder à pergunta da Senhorita SM.
“Agora, eu fiquei com ‘uma pulga atrás da orelhas’, pensando se o Mozart derrubou a árvore do Ernesto, acidentalmente ou propositalmente. E aí, Mozart?”
— Então, mocinho?
Vou ficar olhando do lado e fazer não é comigo...Olha... acho que aquilo é uma abelha.
— Mozart?
— Mozart? Para de papagaiada e responde, rapaz! Olho de soslaio e..
“O que é soslaio?”
— Olhar de lado, assim, oh.
“Vou imitar você, quer ver?”
— Mozart, te manca e responde!
“Tchau, autora e vou caçar abelhas e... aiiiiii!”.
— Mas esse cachorro é um xarope! Pronto, toca eu correr com você! Olha só, onde já se viu morder uma abelha! Olha a sua cara!!!
Oh, laiá! Deixa lá levar esse tonto no veterinário! E então até sábado que vem com... Chamem os Bombeiros! Beijinhos.




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