Dúbia escrita por Wolfie A


Capítulo 26
Capítulo 26




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O peso das minhas escolhas derrubava meu corpo na cama fria. Thomas tomava banho e eu mexia meus pés um sobre o outro tentando me aquecer. Minha pele estava álgida, meu corpo estava fraco, minha barriga pesava – quase tanto quanto minhas próprias escolhas. As meninas estavam inquietas, remexendo-se avidamente no meu útero.

– Acalmem-se, meus amores.

O barulho da vazão sumiu. A luz do lustre antigo e dourado refletia nos meus cabelos. Eu mordia o interior da bochecha tentando retirar alguma coisa dali, mas não havia nada além de pele e saliva. Meus olhos ambíguos olhavam incertos para a porta larga do banheiro aguardando o momento que Thomas abria e dizia alguma coisa. Minha cabeça doía.

A porta abriu vagarosamente.

Thomas estava enrolado na toalha branca, a pele estava saudável, a barba feita. O cheiro de loção para barbear atingiu minhas narinas. Abracei o travesseiro respondendo a algum estímulo imperceptível. Os músculos das minhas coxas contraíram-se, apertando o travesseiro com força.

Ele sorriu para mim. Naturalmente, respondi o sorriso. Eu parecia esgotada. Minha aparência estava levemente desgastada, olheiras ameaçavam a apontar. Passei os dedos nos olhos tentando tirar qualquer coisa, tentando também afastar o sono. Eu podia perceber no meu reflexo no espelho que eu estava perdendo a beleza de quimera que um dia tive, mas que a voracidade dela só aumentava. As meninas, eu pensava, elas estão aumentando meu reflexo de proteção. Estou pronta para fugir. Era péssimo pensar em fuga toda vez mesmo com a promessa de paz. Era péssimo que meu instinto cruel e fugaz estivessem tão fortes. A ambiguidade estava até nos meus olhos.

– Querida, não vai jantar?

– Estou cansada. Vou dormir.

– O médico pediu para melhorar sua alimentação. Jante antes de dormir, por favor.

A voz soou como um pedido apelativo, mas eu sabia que a intenção era que soasse uma ordem. Empurrei minhas pernas para a borda da cama e levantei minhas costas com dificuldades.

– Essa barriga deve ser difícil de carregar. Quer que eu te acompanhe?

– Não – falei quando me pus de pé. – Meu corpo não me daria algo que eu não pudesse suportar. Você não vai jantar?

Ele retirou a toalha e o vi, depois de tanto tempo, nu novamente. A mulher em mim estava morta. A mãe rugia ameaçando qualquer leão que ousasse tocar em sua cria.

– Já vou indo – ele vestiu a cueca. – Vou terminar de me vestir.

Uma cozinheira colocava as travessas sobre a mesa. O jardim lá fora estava iluminado por várias luzes externas. A piscina brilhava, no centro do gazebo de madeira, além do sofá suspenso, um piano branco e lustroso refletia as luzes do jardim como espelho. As enormes janelas de vidro do fundo da casa davam uma visão bem clara do jardim. Sentei-me.

– Obrigada.

Ela sorriu, mas não respondeu, voltando para a cozinha. Servi-me enquanto Thomas se sentava à minha frente. Ele também me deu um sorriso. Jantamos em completo silêncio.

O médico pediu que eu mudasse meus hábitos. Saí do meu emprego. Eu gostava de ficar tocando piano no gazebo, ouvindo só o toque de meus dedos nas teclas de marfim. Eu gostava de cantar baixinho para as meninas. Eu as amo tanto. Eu as quero tanto. O amor era real, eu sabia. Eu sei.

Frank aparecia vez ou outra para jantar conosco. Frank e a família. Os pais dele. Às vezes o meu. "Como estão as meninas?", perguntavam com os olhos brilhando. Estão ótimas, eu respondia. Pesadas, mas ótimas.

Frank me segurou na parede e falou bem baixo.

– Estela, você acharia melhor que eu me afastasse?

– Eu não sei Frank, pergunte a seu irmão.

– Vai fingir que nada jamais aconteceu?

– Nada jamais aconteceu, Frank.

Dei as costas enquanto ia conversar com Thomas. Talvez Frank e Thomas falassem sobre isso sozinhos, mas felizmente nunca mais me incluíram nisso. Dormíamos na mesma cama, como um casal, mas meu psicológico estava destroçado. Eu precisava abraçá-lo para afastar meus pesadelos. Não aguentava mais ouvi-los falando: você não vai sair inteira. Eu só queria minhas filhas.

Eu escovava os dentes pensativa quando algo me atingiu forte. Muito forte. Senti algo entre minhas pernas, água. E então algo quente. Levei minha mão até minhas pernas e o líquido quente tingiu meus dedos: sangue. Apoiei-me na pedra da pia. Minhas costas envergaram para frente, encostei a barriga na pedra, flexionei os joelhos, apoiei minha cabeça no espelho, minhas lágrimas vazaram, a dor ardeu.

Gritei.

A dor era intensa quando deitei no banco de trás de carro.

– Estela – falou Thomas, apertando o pé no acelerador e arrancando o carro com violência. – pelo amor de Deus, por favor, aguente um pouco.

Eu quis responder, mas não consegui. Meus músculos contraíam-se contra minha própria vontade, eu podia sentir meus ossos movendo. As coxas apertavam-se. Eu estava apavorada. Thomas ia sussurrando para si mesmo "vai dar certo, vai dar certo, vai dar certo", com um mantra, entre respirações pesadas e curvas bruscas. Paramos em frente ao hospital. Ele me pôs no colo e me colocou na maca. Arrastaram-me em velocidade para a sala do parto, o Doutor me aguardava pronto, com uma cara de sono espantado e os cabelos bagunçados.

– Doutor, – falei baixinho, meus olhos escorrendo. – não deixem que elas morram.

– Está tudo bem. Vai dar tudo certo.

Colocaram uma máscara de oxigênio em mim, puxaram meu vestido, colocaram lençóis sobre mim. Enfermeiras iam aparecendo ao meu lado e eu podia ter um vislumbre rápido de seus rostos. Eu perdia o controle da ambiguidade, meus olhos não me respondiam. Concentrei-me em respirar e ouvir.

– Sim, agora o corte... Aqui vem a primeira criança... segure... pronto.

Ouvi um choro, deixei que meus olhos respondessem ao estímulo e a lágrima escorreu.

– Ainda tem mais uma... corta o cordão... calma... sim, estou vendo... segure... pronto. Corte o cordão. Está feito.

O segundo choro foi tão voraz quanto o primeiro. Eu queria vê-las. Um frio bateu em mim, meus olhos, mesmo abertos, não viam nada. Estava tudo escuro. Eu podia ouvir os choros, mas era como se eu estivesse imersa em água. Eles estavam sufocados por água. Eu ia afundando em um lago negro de escuridão, os choros iam ficando distorcidos, mas a sensação era acolhedora. Eu queria vê-las, queria tocá-las. Nade para cima, falei calma. Nade, nade, nade. Não!, respondeu algo, não nade!. Eu só ia afundando, o choro sumindo em distorção, virando apenas um barulho baixo e mais baixo. Por favor, falou a quimera, nade! Não. Sim. Não. São nossas meninas... Estamos cansadas. Mas somos fortes. Mas estamos cansadas. Não vê que as perderemos? Não vê que aqui é pacífico? É pacífico, mas dói. Não dói, não sentimos nada. Eu sinto. Não sente. Quero tocá-las, por favor, nade. Não. Não as ama? Amo, mas estamos cansadas. Estamos cansadas, mas somos fortes. Não o suficiente.

– Rápido, o desfibrilador.

Algo correu em mim. As águas tremularam.

Não!

– Um... dois... três... De novo.

De novo.

Estamos cansadas!

Maldita! Eu preciso tocá-las.

Estamos cansadas.

– De novo...

Eu sou uma cadela, eu sou uma vadia. Estou me casando. Embora planejada, nasci errada. Você não vai conseguir sair inteira. O caos que vi soterrou os meus olhos. Estamos fodidos. Tearing apart, tearing apart. Eu mentiria. Quem disse que se você se tornar frio você não vai se machucar? Os olhos verdes têm um ar metafórico diferente. Perto de um medo real, pequenos medos incendeiam-se. Meu Deus, você está maravilhosa. Tenho a expressão mais sórdida que já vi. Cada um destrói sua vida a sua maneira. Meu coração é nuclear, o amor é tudo que eu temo. Prometi te amar e cuidar de você. Quando não há amor, tudo se torna simples. O amor quebra meus ossos e eu rio. Quimera louca. Estamos cansadas. Tudo bem.

Mergulhei em paz.


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Notas finais do capítulo

Obrigado a cada um de vocês que acompanhou a história até o final. Foi um prazer imenso escrever essa história e desenvolver cada um dos personagens. Sinto que esse é apenas o começo. Outras histórias virão, melhores histórias virão. Para quem não se satisfez com os vinte e seis capítulos, o posfácio retoma e finaliza. Para os que não gostaram do final, desculpem-me – minhas histórias são insensíveis. Para os que gostaram, só tenho a agradecer. Os comentários de vocês só me fizeram seguir em frente. Amei escrever cada linha e cada palavra dessa história.
Muito obrigado. Estela, Thomas e Frank só existiram porque vocês estiveram lendo.



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