Finito Infinito escrita por Charbitch


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

A história é real. Aconteceu comigo. Note que a ilusão é o primeiro dos prazeres. E a sua irmã, a desilusão, é o primeiro dos sofrimentos.



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Eu que tinha tudo, hoje estou mudo, estou mudado.

À meia noite, à meia luz, pensando.

Daria tudo por um modo de esquecer

Eu queria tanto estar no escuro do meu quarto

À meia noite, à meia luz, sonhando.

Daria tudo por meu mundo e nada mais

–Guilherme Arantes

Talvez você não conheça o amor incondicional, e muito provavelmente nunca conhecerá. Eu apenas penso que sentir esse tipo de amor irradiando por cada um dos poros da sua pele é algo muito verdadeiro e que pouquíssimas pessoas são capazes de sentir, especialmente num mundo caótico como o de hoje. E nesse mundo sobre o qual falo, as tais raras pessoas que amam incondicionalmente sofrem, mas sofrem demais. Sofrem como pássaros com acrofobia, sofrem como corujas sem asas. E o meu grande problema é que eu sou uma delas.

Você ainda não acredita?

Talvez você pense: “O quê? Uma garota tão fria quanto você sabe o que é amar incondicionalmente?”. Oh, pasme, eu não sou fria, nunca fui. Na verdade eu sou sensível até demais. Sensível demais para um mundo tão destrutivo quanto esse. Então por que eu pareço tão fria, sendo que não sou? Porque eu admito, sinto pavor de mostrar os meus reais sentimentos para as pessoas, pois elas podem usar isso mais tarde para me machucar. Um dia eu fui uma chorona, chorava na escola, chorava em público. E você sabe o que aconteceu? Fui julgada. Então decidi fingir que era uma pessoa fria e totalmente sem sentimentos para que parassem de me julgar, para que parassem de dizer que eu era fraca demais. E de fato pararam. Mas isso não queria dizer que eu tinha realmente deixado de ser fraca. Eu dava uma de forte, mas no fundo era fraca. Fraca de amor.

Afinal, não importa o quanto esconda. O que toda mulher mais quer é nada mais e nada menos do que amar e ser amada em retorno...

E eu bem que queria ser uma exceção a essa regra estúpida, mas infelizmente não consegui fugir disso. Foi mais forte do que eu. Eu sempre fui uma pessoa muito carente, portanto a minha probabilidade de cair numa paixão tóxica era altíssima. E eu era tão inocente que não tinha o mínimo conhecimento de que me apaixonava tão facilmente. Eu até mesmo achava que era durona, que as pessoas apaixonadas me irritavam e que o amor era uma completa idiotice. Eu realmente não me conhecia. Ou talvez eu apenas fingisse que não me conhecia. Às vezes eu ocultava a verdade que estava lá, escancarada diante dos meus olhos, apenas por que me era conveniente. Contudo, acabaria sendo apunhalada por essa verdade mais cedo ou mais tarde, pois ela era como um bicho selvagem: Não poderia ser aprisionada por muito tempo. E o meu dia de ser apunhalada pela verdade chegou: Foi no mesmo dia em que te conheci.

E eu digo que atualmente não sinto vergonha disso. Apaixonei-me mesmo. Apaixonei-me desde o primeiro dia em que te vi. E conforme os dias foram se desenrolando, essa paixão só foi crescendo cada vez mais e mais, até que se tornasse maior do que qualquer coisa. Maior do que eu. E eu simplesmente não conseguia dizer se aquilo era bom ou mal. A única coisa que eu podia afirmar com toda certeza era que aquele fenômeno crescente no meu coração havia se tornado inevitável. Escapou do meu controle e quando eu vi, já havia tomado proporções astronômicas. No momento em que eu me dei conta de que estava perdidamente apaixonada por você, descobri que o amor era bem mais complexo do que eu imaginava. Amar não foi uma escolha minha. O coração escolheu por mim. E apesar de a escolha não ter sido minha, a consequência foi. E infelizmente a consequência não era a que eu esperava. Era catastrófica.

Talvez você esteja se perguntando o que foi que fez de tão bom para que eu me entregasse totalmente a você e me esquecesse de mim.

O que você fez?

TUDO!

Os seus olhos castanhos claros, as suas piadas sem graça das quais eu ria só para não te deixar para baixo, a sua amizade sem preço, a sua incapacidade de escrever uma redação coesa e coerente, o seu inglês pior do que o de uma samambaia plástica, os seus cabelos negros, as mágicas que você fazia só para me impressionar, o seu vício em “Wake Me Up” e até a sua mania irritante de cantar funk, mesmo que eu odiasse funk. Tudo! Tudo em você me enlouquecia! Você se preocupou comigo quando eu estava triste, abraçou-me quando as minhas lágrimas escorreram, fez-me sorrir quando a minha vontade era chorar e mais uma infinidade de lindezas que se eu fosse citar todas, não terminaria nunca esse texto.

E eu não sei se você sabe, mas...

Você foi o meu primeiro beijo.

Eu perdi o meu BV com você. E eu tinha (ainda tenho) quinze anos. Talvez você não acredite que hoje em dia ainda existam garotas BVs com quinze anos, mas enfim, elas existem. E pelo seu caminho, você tropeçou numa delas. Você pegou a minha mão, abraçou-me bem forte, acariciou o meu rosto, deslizou os seus dedos pela minha boca, beijou a minha bochecha, foi chegando mais perto, beijou o canto da minha boca, deu-me um selinho e logo depois me beijou de fato. Foi muito rápido, durou cinco segundos no máximo. E eu mal consegui me mexer durante o nosso beijo, entrei em completo êxtase. Foi naquele momento que eu descobri que a nossa bela amizade estava se transformando numa amizade colorida. E eu confesso: Estava com um pouco de medo de amar. Mas nem me importei, estava tão apaixonada que mergulhei de cabeça no abismo da loucura. Você se tornaria a minha razão de viver. A minha única razão de viver.

Contudo, o que eu não sabia era que aquele nosso primeiro beijo seria o primeiro e último. Depois que você me beijou, nunca mais fez menção de me beijar novamente. Nunca mais pegou na minha mão, nunca mais me abraçou, nunca mais acariciou o meu rosto. Afinal, o que houve? Eu fiz algo de errado durante o beijo? Você estava com medo de estragar a nossa amizade? Ou... Você conheceu outro alguém? Alguém especial? Alguém que tomou o meu lugar? Não tenha vergonha de responder. Eu aceito qualquer tipo de resposta, contanto que seja sincera.

Talvez você não tenha consciência do quanto a sua pessoa foi importante na minha vida. Não só porque você foi o meu primeiro beijo, mas porque me deu forças quando eu parecia não ter nenhuma, por ter sido o único que se preocupou comigo além dos meus pais, por ter sido tão amigo meu quanto um irmão mais velho e ao mesmo tempo tão louco por mim quanto um namorado, embora nós nunca tenhamos namorado.

Sabe, isso pode até ser meio trivial, mas preciso dizer:

Eu sinto saudade de quando você me chamava de “menina bonita”.

Por que você não me chama mais assim?

Eu me tornei só a sua melhor amiga agora? Nada além disso? Por quê? Eu juro que gostaria de saber o porquê de você ter mudado tão de repente. Antes você era sedento por mim, agora parece estar querendo se libertar. Desculpa, meu amigo e quase namorado, eu preciso te dizer: Talvez nem tenha sido por querer, mas eu digo que o que você fez comigo foi uma maldade e tanto. Você me iludiu. Se a sua intenção não era ficar ao meu lado para sempre, porque me fez apaixonar? Por que me conquistou para depois me abandonar? Por que despertou o meu amor para depois deixá-lo perambulando sozinho por aí? Eu não merecia isso. Tudo bem, talvez eu merecesse. Nunca fui uma menina muito dócil, sempre tive o temperamento mais difícil do mundo, arrumei (e ainda arrumo) grandes problemas com os meus pais, tomo remédios estabilizadores de humor e antidepressivos. Talvez eu merecesse uma lição, quem sabe. Mas precisava mesmo ser uma lição tão dolorida assim?

A ilusão é o primeiro de todos os prazeres. E você me deu esse prazer. Mas como todo prazer não é muito durável, estou chorando agora, pois a ilusão se dissipou. E não restou nada além de lágrimas sobre o travesseiro, corações desenhados no vidro do carro dos meus pais, poesias dedicadas a você. Oh, as poesias... Elas são tudo o que eu ainda tenho de você. Nelas eu me conforto, pois nas minhas doces palavras melancólicas, ao menos ainda posso fingir que você é meu. Que você ainda está aqui comigo, me envolvendo em seus braços. E por que não? Às vezes eu penso que se eu fechar os meus olhos, vai parecer que nada mudou. Vai parecer que nós ainda estamos num banco de ônibus, nos abraçando pela primeira vez. Vai parecer. Mas não vai ser. E quando eu abrir os meus olhos, vou descobrir que a ilusão me traiu novamente. E vou gritar, vou gritar de tristeza, vou gritar de dor, vou gritar de amor.

Porque, enfim, o nosso finito foi infinito enquanto durou.


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Notas finais do capítulo

Comentem, por favor. Deixem o apoio de vocês, eu estou precisando muito de palavras reconfortantes. Se você nunca se sentiu importante, pode se sentir agora, ajudando alguém. Eu agradeço infinitamente.