Diamante Bruto escrita por Natsumin


Capítulo 75
Capítulo Um - Start Spreading the News


Notas iniciais do capítulo

Finalmente chegamos aqui... Depois de tantos anos, Diamante Bruto está se encerrando. Essa temporada será a menor de todas. Eu amava escrevê-la, mas com o tempo, faculdade, trabalho... Esse hobbie acabou se tornando algo sem retorno, por isso insisto pelos comentários, recomendações, favoritos, para ter reconhecimento e não ser em vão. Espero que gostem! :)



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Ethan foi a melhor coisa que a aconteceu.

                Nos olhos, havia um par de ônix bem conhecido, onde nada havia de doce. Era um menino alto para a sua idade e de personalidade forte que em breve a deixaria precoces cabelos brancos. Gostava de assistir a programas musicais e decorava todos eles. Assistia filmes que não eram para sua idade e, embora pouquíssimo entendesse daquilo, ainda conseguia surpreender através de comentários e visões que não cabiam a um menino dos dois para os três anos.

                Fazia perguntas demais, falava muito bem, andara pela primeira vez aos oito meses e meio para ser mais precisa, aos dois anos já não mais usava fraldas e, o principal, aprendia muito rápido. Não era um prodígio, mas um menino cheio de interesses e emoções. A lembrava dela mesma quando mais nova.

                Ela estava bem, finalmente.

                Não se sentia plenamente feliz porque a felicidade, acreditava, não passava de um breve momento. A felicidade é um momento, na verdade. Ficar grávida dele foi a melhor e a pior coisa que a aconteceu. Poderiam ser os hormônios, poderiam ser as palavras de Castiel que a seguiram por todos aqueles anos, ecoando em sua mente que, sim, se ela continuasse naquilo, simplesmente não viveria, ficaria sozinha para sempre. Mas então Ethan nasceu e ela teve certeza de que nunca mais ficaria sozinha.

                Ele era apegado a ela como ninguém. As mãozinhas pequenas acariciavam seu rosto toda vez que o punha para dormir, era uma mania deliciosa que ele adquirira sozinho e para ela mais parecia uma lembrança de que abandonar a própria maldição foi uma imposição da vida, diante de tudo o que ela se recusou a aceitar. A despedida de Castiel havia sido, para ela, um selo que a condensaria na maldição para sempre, porque quando ele se foi, ela teve certeza de que não voltaria.

                Mas ele voltou.

                Só que não é dele que ela gostaria de falar. Não agora.

                Mas do menino que tinha os olhos, os cabelos e a personalidade dele.  A vinda de Ethan foi um castigo e uma benção da vida para prová-la que já havia bastado daquela maldição. O menino foi o seu motivo para se manter viva. Não tentara nada trágico, mas depois que ele partiu, entrou sozinha numa cólera profunda, que acumulava apenas dentro de si. Viveu sua vida normalmente, como a marionete que se acostumou a ser, até saber que carregava em si um pedaço dele.

                Não demorou muito tempo, na verdade, ela notou depois do atraso de dois meses no ciclo. O teste de farmácia não errou, muito menos o de sangue. Guardou esse segredo consigo por meses, até que ficasse bem aparente. Antes de ele nascer, ela ainda persistia com a maldição, tudo só mudou quando o segurou em seus braços e admirou aqueles pequenos pezinhos e aquelas mãozinhas.

                Quando descobriu a gravidez, não contou de imediato para ninguém. No mesmo dia, ela soube do acidente de Viktor que ocorrera um pouco antes de Castiel partir e soube que ele ainda estava internado, mas fora de perigo. Outra culpa a tomou, a daquele final de tarde para noite, quando ele apareceu na porta do hotel e a viu com Castiel. Poderia ser a culpa, a compaixão, ou a amizade que tinha por ele, mas ela passou a visita-lo todos os dias no hospital, assim como ele fez a ela. Conversavam por horas, riam e brincavam até tornarem-se melhores amigos mais uma vez. Ela o empurrou na cadeira de rodas, o ajudou enquanto usou muletas e numa noite de jantar a dois revelou-o a verdade. Na época, sua barriga estava de quase quatro meses e ela disfarçava com roupas largas, embora a barriga não tivesse crescido muito.

                O que a impressionou, não foi só a bondade dele, mas a forma como ficou feliz por ela. Ela sabia que Viktor sabia de quem era a criança. Mas o rapaz não era vingativo e não guardava ressentimentos e a acolheu tão docemente como amigo e como o amparo que ela precisava que desenvolver afeição por ele não foi difícil. Isso levou um tempo, ela ainda podia sentir o beijo do ruivo nos lábios quando Viktor a beijou pela primeira vez alguns meses depois.

                Era cristalino, ele havia arranjado tudo. Viktor convidou Natsumin para um concerto no cruzeiro que pertencia ao pai dele. Ethan tinha dois meses e Natsumin estava receosa na época, pois não conseguia desgrudar do pequeno. Mas ela gostava tanto de Viktor e Alexy insistira tanto para ela ir, que não pôde recusar. Ainda bem, pois aquela noite foi inesquecível. Natsumin chorou ao fim do concerto, emocionada com a beleza daqueles músicos. As melodias invadiram sua mente de uma maneira que ela não se sentiu capaz de explicar e causou-lhe emoção. Naquele misto de emoções, ela virou para trás e era o rosto dele que a olhava tão docemente: Viktor. Ele a deu um sorriso tímido e Natsumin sorriu de volta, enxugando os olhos. Quando foram para o lado de fora do salão, Natsumin maravilhou-se com a melodia das estrelas e da lua refletidas no mar. Viktor parou ao seu lado - ele nunca esteve tão em silêncio como naquela noite e, entre risadas depois que assumiram o relacionamento, ele confessou que aquilo tinha sido fruto do nervosismo. Ventava muito naquela noite e Viktor olhava Natsumin acariciar os próprios braços. Ele abraçou-a por trás e afagou seu pescoço com o nariz, a respiração quente dele em seu pescoço a provocou arrepios. Natsumin sentiu novamente aquela sensação boa de se sentir querida, mas dessa vez, sem a culpa para a atrapalhar. Foi ela quem se aproximou ao notar as intenções dele e Viktor a tomou finalmente para um beijo.

                Mesmo depois daquele cruzeiro, a presença de Castiel ainda era constante em seus pensamentos e ela resolveu afastar-se enquanto tivesse tempo. Deixou claro à Viktor que aquela criança tinha um pai e que ela não podia mentir, ainda estava em seu pensamento. Embora ela adorasse Viktor e tivesse certeza de que ele também a adorava, não tinha certeza do que queria naquele momento. E ele foi muito compreensivo. Esperou seu tempo, mas sem deixar de lado a amizade dos dois. No primeiro aninho de Ethan, o pequeno apressado – o menino era muito prematuro em tudo, inclusive no nascimento, por ter sido de sete meses – falou o nome de Viktor pela primeira vez. Desde esse dia, Natsumin viu que a presença de seu velho amigo, a dava pontadas no peito.

                Mesmo antes de Ethan nascer, Natsumin estava completamente independente. Sua tia, Agatha, viajou para outro estado, deixando-a um dinheiro para sobreviver sozinha o suficiente por alguns meses e ajudar com a criança. Natsumin guardou o dinheiro para o bem de Ethan e não poupou esforços para trabalhar. Decidiu que pagaria a própria faculdade e mesmo com seu Ethan em casa, ela teve de se sustentar. Viktor não queria que ela trabalhasse, é claro, mas a vida era dela e teria de medir seus próprios esforços, pois nunca conseguiria pagar um amor não correspondido. Ela começou como camareira no hotel antes de Tsubaki chamá-la para ganhar melhor no restaurante. A amiga entrara para a faculdade de gastronomia logo depois de terminar o Ensino Médio e ela e a mãe passaram a administrar um restaurante sofisticado dentro de um dos melhores hotéis da cidade e só de trabalhar com aquela menina que era uma figura, já ganhava o dia.

                Ela contou sobre a gravidez para as amigas dias depois de ter contado à Viktor e, é claro que ficaram chateadas, mas sabiam que Natsumin era como um gato: escondia-se quando tinha problemas.

                Os anos foram se passando muito rapidamente e ela só via seu menino crescer e se tornar uma cópia do pai antes de ter os cabelos tingidos de rubro. Ela nunca vira Castiel de cabelos pretos pessoalmente, mas já vira fotos que Lysandre, inclusive a mostrara. Ele, a propósito, recentemente ganhava dinheiro com composições e em breve estaria lançando um livro de poemas. Quem diria, estavam se tornando adultos.

                Com o trabalho no restaurante e mais o de camareira, ela conseguiu pagar sua faculdade e comprar um violão e, apesar de a rotina de mãe misturar-se ao dia a dia, ela contava sempre com a ajuda de amigos e da madrinha, a pessoa que também a acolheu como ninguém. E ainda, toda vez que a madrinha via aquele menino cheio de energia, a lembrava como os pais estariam orgulhosos e a arrancavam lágrimas.

                Porque ela sabia que um filho precoce não seria um motivo de orgulho para eles.

                Mas, ela não guardava mágoa ou dor. Não mais. Os visitava todo mês, levando flores para a mãe e uma caixa de cigarros para o pai. Conversava com suas lápides sobre a grama, contava suas aventuras, como Ethan crescia rápido e, acima de tudo, dizia o quanto os amava. Com o tempo, também, foi percebendo que sim, eles estariam orgulhosos dela sim, pois, apesar de sua rigidez de sempre, eram seus pais, a amavam e só queriam seu bem. Triste foi terem partido tão cedo e não ter visto quem ela se tornou.

                Ela mostrava a foto deles para Ethan todos os dias, para que não se esquecesse que eram seus avós. Não tinha foto dos pais de Castiel, muito menos os conheceu. Também não tinha foto dele e preferia não citar essa palavra para o menino.

                Após mais ou menos dois anos após a partida do ruivo, a madrinha teve oferta de emprego para fora do país e Natsumin teve de sair da casa, mas se recusou a deixar a cidade. A tia entendeu e a menina passou a morar no hotel onde trabalhava. O bom era que conseguia ficar de olho no filho de vez em quando. Viktor a alugou um quarto no hotel e logo ela descobriu que aquele estabelecimento na verdade pertencia ao pai dele. Ela se recusou a morar de graça, então combinou um preço baixíssimo que não cabia àquele estabelecimento, mas que pelo menos a acalmaria mais. Com as visitas frequentes dele, ela foi se afeiçoando mais e, principalmente por ver a alegria com que Ethan o recebia. Numa noite, faz pouco mais de sete meses, quando ele chegara tarde de uma de suas viagens de negócios e parou em sua casa apenas para deixar o presente do aniversário de Ethan, mas o menino já estava dormindo, ela o ofereceu para passar a noite.

                E aquela noite foi longa.

                Ao acordar no dia seguinte, nua sob os lençóis, sentiu-se leve. Provavelmente havia pagado pela culpa que sentira naquela noite com Castiel e a presença de Viktor. Mas ainda assim, mesmo vendo o belo corpo dele deitado em sua cama, os cabelos negros tapando os olhos castanhos, sua memória ainda estava naquele quarto de veludo rubro, como os cabelos daquele que havia ido embora para sempre. Ela o abraçava por trás e beijava seu ombro, mas sua própria memória a traía e o veludo rubro daquele quarto de hotel a permitia derramar lágrimas sem que Viktor visse. De qualquer forma, ele não falava muito. Apenas a deixava claro que a amava, que sempre amou e que, independente do que tinha acontecido naquela noite, se ela não quisesse, nada mudaria entre eles. Acontece que ela quis. Quis que mudasse, quis assumir um relacionamento com Viktor. Precisava esquecê-lo e saber que não voltaria e que, mesmo se voltasse, seria diferente. Não seria mais o rapaz mal-humorado de Sweet Amoris com quem fez uma aposta estúpida. Além disso, ela sabia que podia dormir com outros homens, mas Castiel sempre seria o pai de seu filho.

                As coisas fluíram normalmente depois naquela noite. Eles passaram a ficar mais juntos e construir um relacionamento que não era taxado com nomes como namoro, casamento, "ficada", ou algo do tipo. Apenas estavam juntos. A marionete desaparecera para sempre e a rebelde estava ativa todos os dias e a fazia entender que, afinal, era mulher, tinha desejos e ansiedades e que não poderia esperar Castiel para sempre porque ele também não a esperaria se estivesse em seu lugar.

                Ela passou por muita coisa naqueles anos e a maturidade que já era precoce a bateu como uma grande bigorna. Ser mãe aos dezoito a trouxe experiências indescritíveis e entrar num relacionamento com Viktor também. Ele a ensinava coisas sobre a vida, sobre a cama, sobre tudo que ela não poderia imaginar e ela compartilhava seus pensamentos, suas visões e era fantástico tê-lo ao seu lado.

                Ela só esperava poder se apaixonar por ele mais do que apenas por seu coração.             Mas agora estava difícil, quase impossível. Ainda mais com uma barba ruiva aproximando-se ligeiro, armado de dois pares de ônix.         

                Quando o viu pela primeira vez, tinha de confessar que seu coração palpitou. 

                Estava acompanhado de mais dois caras, um era bem alto e de cabeça raspada, olhos azuis, braços tatuados e sobrancelhas e barba grossas e castanhas. O outro, tinha o cabelo castanho claro em um corte na altura das orelhas e os olhos amendoados. Castiel vestia uma camisa preta de manga curta e sem estampa e jeans. O cabelo estava um pouco maior do que ela se lembrava, mas ainda acima dos ombros. Diria que uns três dedos acima dos ombros, para ser mais precisa. Os três sentaram-se na mesa mais ao fundo, o restaurante/lanchonete era bem sofisticado, digno de um hotel cinco estrelas, então as mesas ao fundo eram mais privilegiadas com cadeiras mais confortáveis e climatização específica com pouca luz e veludo vermelho nas paredes.

                Tsubaki de repente apareceu no balcão com a bandeja na mão e o prato da mesa número dois. Natsumin tirou os olhos dele e levou-os para a amiga, que pouco mudara durante os anos, ainda tinha o rosto doce de menina e os cachos rebeldes mais compridos, abaixo da altura dos seios. Quando saiu da cozinha com o pedido notou que Natsumin olhava para algo e seguiu aquele olhar. Arregalou os olhos amarelos. Lá vamos nós novamente.

                — Atende, Natsumin. — Tsubaki murmurou, apontando sutilmente com a cabeça para a mesa ao fundo.

                Natsumin negou com a cabeça.

                — Natsumin. — Tsubaki pôs o pedido no balcão e tocou o pequeno sino prateado sobre ele antes de pôr a mão sobre a da amiga. — Há coisas que não acontecem por acaso.

                Natsumin crispou os lábios. Tsubaki amadurecera muito com o passar dos anos. Apesar de ainda ser aquela pessoa louca como sempre foi, ela mantinha segredos e ambições que cabiam a uma pessoa que tivesse a capacidade para suportá-las. E ela também passara por muita coisa nesses anos. A começar pelo casamento de Nathaniel com Melody.

                Mas isso é outra história.

                Natsumin continuou a hesitar e não teve como Tsubaki forçá-la a atender Castiel. Foi aí que entrou Pryia. Pryia era uma mulher linda de descendência indiana e olhos claros, também por volta dos vinte e dois anos, cuja família mudou-se recentemente para a cidade e estava morando temporariamente no hotel. Os pais eram empresários bem-sucedidos e tinham muitas viagens de negócios, o que forçava a filha a ter de ir junto desde pequena e adquirir gosto por aquela vida, a ponto de mesmo depois da maioridade continuar acompanhando-os. A banda de Castiel era bastante conhecida e Pryia era uma das fãs. Pryia, no entanto, olhou antes para Natsumin, que devolveu um olhar que a encorajou.

                Pryia e Natsumin se conheceram quando Natsumin começou a trabalhar ali. Desde então, a amizade entre as duas prevaleceu. Pryia era uma pessoa maravilhosa e foi fundamental para a decisão de Natsumin de seguir em frente. Ela só não sabia que a pessoa de quem Natsumin queria esquecer, quando grávida e desamparada, desatou a chorar no final do seu primeiro dia de emprego, era, na verdade, Castiel, o ruivo de barba sentado naquela mesa junto aos demais membros dos Tríades.

— Gente, não é por mal, mas... Ninguém vai atender não? — Helena, uma ruivinha de óculos fundo de garrafa e sardas que trabalhava no caixa, saiu timidamente de sua posição e murmurou entre as meninas.

Pryia avançou. Era completamente natural para ela se comunicar com as pessoas e, naquele momento, Natsumin a invejou por ser assim, tão espontânea e livre diante daqueles homens sentados à mesa. Suspirou. Ela também seria, se não fosse a pela presença de Castiel.

                O uniforme das meninas era sofisticado. As do caixa usavam calças pretas com camisas brancas sociais e o ambiente permitia, pois além de aconchegante tinha temperaturas amenas. As garçonetes, ou seja, o caso de Natsumin, usavam um vestido preto e branco com comprimento abaixo dos joelhos, mas cujo pano contornava bem o corpo, agraciando suas curvas, acentuadas após ter tido o filho. O vestido parecia tomara que caia, mas por dentro tinha uma blusa branca de mangas curtinhas, um pouco acima dos ombros e, por baixo, usavam uma blusa branca sem mangas, mas com o colarinho abotoado até o pescoço, onde ele abria e era acompanhado de uma gravata borboleta preta. Nos pés, elas usavam sapatos sociais pretos e, no caso de Natsumin, saltos médios no máximo, pelo amor de Deus.

                Ela não ousaria se aproximar dele. Entretanto, ao mesmo tempo, seu peito ardia num misto de sentimentos que não podia explicar. Sentimentos esses, que guardou numa caixa de Pandora.

                Que foi aberta.

                Natsumin despertou de seus pensamentos ao ouvir tocar o sininho dos pedidos. Sem voltar a olhá-los novamente, ela pegou a bandeja na bancada e aproximou-se da mesa dois, bem distante dali. Os cabelos negros estavam presos num meio rabo de cavalo. Ela usava batom rubro e sorriu ao entregar o pedido. Mas, todo esforço de passar despercebida foi em vão.

Da mesa de número onze, ele a notou.

                — Boa tarde, Tríades. — Pryia sorriu para os rapazes na mesa e o primeiro a corresponder o sorriso, não antes de notá-la em sua beleza exótica de cima a baixo, foi o de cabeça raspada. — Então, o que desejam?    

                — Uma fã? — o de cabelos castanhos perguntou.

                — Digamos que admiradora. — ela piscou para o rapaz e notou que o ruivo mantinha-se sério, com o cardápio de capa preta e letras douradas apoiado na mesa e tapando seu rosto. De trás daquelas páginas, ele olhava a moça de cabelos negros na mesa dois. Estava há alguns metros de distância, nada que não o permitisse acreditar que fosse ela. Caso fosse, sim, ela mudara bastante. Diria que até teria encorpado e adquirido curvas que o vestido apertado expunha com clareza. Ela não olhava de volta, então não tinha como ter certeza.

                — Vou querer o pato. — George, o barbudo de cabeça raspada sorriu para Pryia maliciosamente.

                — Tuudo bem. — ela retirou um pequeno bloco do bolso e anotou. — Algo para beber?

                — Chopp. De 500. — ele desfez o sorriso.

                — E você? — ela apontou com a cabeça para o de cabelos castanhos, James.

                — Uma coca e o bife à parmegiana. — ele apontava para o segundo cardápio, deitado sobre a mesa.

                — Recomendadíssimo. — Pryia anotava enquanto balançava a cabeça positivamente. —E você? — olhou para Castiel. Nada.

                — Ele não é lá muito simpático. — George deu uma cotovelada no ruivo.

                — Mas que porr... — Castiel parou de xingar George quando notou Pryia à sua frente. Estava tão distraído na pessoa que, pelo menos se parecia com a Natsumin que conheceu, que mal a notara ali.

                — O seu pedido, Castiel Hayes. — Pryia sorriu para ele docemente. Quem não conhecia os Tríades?

                Ele pigarreou, antes de voltar os olhos ao cardápio. — O hambúrguer de picanha. Completo.

                — Claro, claro... — ela sorria enquanto anotava. — Algo para beber?

                — Chopp. Maior tamanho. — ele completou.

                — Ótimo. — Pryia acabou de anotar e desceu a mão com a caneta. Agora um autógrafo? — ela arrancou a página do pedido no bloco e deixou sobre a mesa deles com uma caneta antes de levar o pedido ao balcão.

De longe, Tsubaki apenas acompanhava o rumo dos acontecimentos.

                Quando retornou, Pryia notou os autógrafos no bloco e abaixo do nome de Castiel, havia um número de telefone. Ela baixou os olhos para o ruivo, que sorriu para ela maliciosamente.

                — Obrigada. — ela sorriu de volta e se foi. Enquanto retornava ao caixa, admirando o próprio pedaço de papel, notou em letras menores:

Para a garota de cabelos pretos

                Pryia crispou os lábios. Era para Natsumin.

***

                — Não, querido. Mamãe vai cantar hoje à noite. Não posso levar você porque não é um lugar com crianças da sua idade, entende?

                Ele a olhava com aquele olhar do pai, profundo, um par de ônix na pouca luz e cinzas ao sol. Esse diamante bruto era pequeno, mas ela era tão apaixonada por ele quanto foi pelo primeiro. A exceção, no entanto, era que ela tinha certeza de que amava imensamente essa fatia de bruto diamante diante dela naquele momento.                 

                — Mamãe, mas eu amo ver você cantar. — Ethan abraçou sua perna e seu coração se derreteu por completo, mas ela sabia que não podia levá-lo. Já o fez semana passada e teve de desviar-se de comentários ingratos de homens para que o filho não tivesse de ouvi-los.

                — Ethan, a mamãe não pode. — Ela agachou-se, vestida naquele longo preto e de paetês. As noites em que cantava eram sempre noites temáticas e a de hoje era Nova York. O cabelo estava preso num coque baixo e bem feito, a maquiagem era de noite, o batom, rubro. O vestido tinha mangas compridas, mas a fenda larga na perna expunha as pernas alvas com audácia, incluindo a tatuagem da coxa.

                — E quando você vai voltar? — ele olhou para trás, onde Alexy sorria com os cabelos azuis e a franja mais comprida do que o normal. Alexy estava trabalhando na loja de Leigh atualmente e cursava sociologia. Nos finais de semana ele normalmente ia para casa do namorado na cidade vizinha, havia terminado há três dias, dessa vez, definitivamente, e estava passando alguns dias com Natsumin em sua casa, vulgo quarto de hotel.  Alexy tinha Natsumin como irmã e com o tempo a amizade dos dois só se tornou mais forte. Ele sabia todos seus segredos e guardava-os como o bom melhor amigo que era. 

                — Quando você acordar de novo, já estarei aqui. — ela beijou o rosto de seu pequeno, o cabelo preto na altura das orelhas, liso como o do pai. — Agora canse bastante o tio Alexy! — ela sorriu para o amigo.

                — Mamãe, amo você. — Ethan abraçou forte o pescoço dela e Natsumin mal se importou com o penteado que poderia desmanchar ou algo do tipo. Ethan era a melhor coisa que a ocorrera em todo esse tempo e ela tinha um amor incondicional por aquele menino.

                — Eu também te amo, filho. — ela separou-se do abraço, beijou a bochecha dele, tocou seu rostinho e esfregou o nariz no dele, como sempre fazia antes de sair. — Mais do que tudo nessa vida.

                — Aproveita que Viktor só volta em alguns meses e arrasa corações, Nat! — Alexy tinha um sorriso de orelha a orelha, enquanto a olhava com malícia.

                Natsumin parou de avançar para a porta e voltou o rosto para trás, balançando a cabeça e sorrindo.

                — Você não tem jeito. — ela voltou a andar.

                — Calma, calma. — Alexy pegou Ethan no colo e andou em direção a ela. — Eu soube que ele está na cidade. — sorriu maliciosamente mais uma vez. — Talvez seja a hora de...

                — Alexy. — ela o cortou com um olhar de reprovação. — Minha vida é outra, a dele mais ainda. As coisas mudaram e, além de tudo, estou com Viktor.

                — Você citou Viktor por último. — ele não desmanchou o sorriso.

                Natsumin balançou a cabeça. Ele ia mesmo insistir com aquilo?

                — Boa noite, Alexy. — ela beijou o filho mais uma vez e seguiu, com a chave do carro na mão. À medida que saía, Natsumin dava olhadelas para trás, aquele ser humaninho acenando do colo do tio Alexy, na porta do quarto de hotel onde morava. Ela acenou de volta e mandou um beijo. Ethan não pareceu muito satisfeito com aquela carinha triste, mas, por mais que doesse seu coração, ela precisava do dinheiro e do reconhecimento por aquele trabalho. Hoje não tocaria no restaurante, apenas cantaria, acompanhada por um pianista. Já no estacionamento, enquanto entrava no carro, lembrava-se do pedaço de papel que Pryia a entregou com os autógrafos dos Tríades, a banda de Castiel, e o número dele. Não entendera o motivo de ele não ter falado nada, ou a ligado, ele tinha seu telefone e ela não mudara o número por todos esses anos. Respirou fundo, tentou dissipar esses pensamentos que incluíam o papel que trancara numa gaveta.

                Realmente, ele era uma pessoa difícil de entender.

                                                                                     ***

Start  spreading the news

I'm leaving today

I want to be a part of it

New York, New York

                Sua voz estava diferente. Mais madura. Ecoava por aquele sofisticado restaurante, com um palco belo, repleto de luzes, como pedia o tema, carpete preto no palco e quadros com Nova York estampada ao fundo. Ela cantava sentada no piano de cordas que valia trinta mil e quem o tocava era um professor da faculdade de música, Sr Marvin, um senhor de cinquenta e poucos anos, casado e bem vivido, que se apaixonara por sua voz e propôs algo como isso. Ela pedira à Tsubaki autorização e o programa das sextas-feiras à noite deu tão certo que ela inclusive estava recebendo um extra por cantar e, de vez em quando, gorjetas.

These vagabond shoes

Are longing to stray

Right through the very heart of it

New York, new York

 

                Ela sorria enquanto cantava e, bela como estava, atraía muitos olhares. Os olhos azuis tinham luzes oriundas dos holofotes, mas em meio àquelas pessoas, buscava apenas uma. Disfarçava belamente a apreensão, como bem aprendera com a rebelde, mas era verdade que queria que ele a visse como estava, sexy e fazendo o que amava. Queria que ele visse que ela havia, afinal, se recuperado.

                Mas não chegou. Nem ele, nem os amigos e já passava de uma da manhã. Leigh e Rosa adentraram o salão de mãos dadas e Natsumin acenou de volta aos dois quando Rosalya a mandou um beijo. Naquelas noites de sexta-feira o palco era sempre seu e ela não tinha lugar melhor em que pudesse desejar estar.

I wanna wake up in that city

That doesn't sleep

And find I'm King of the hill

Top of the heap

                Diante do palco estavam Tsubaki e Nathaniel numa mesa para dois localizada ao fundo. Como uma das donas do estabelecimento, ela podia ficar onde bem quisesse e seu lugar favorito era aquele onde agora sentava. Diante do palco, mas longe das luzes. Usava um vestido vermelho, mais ou menos uma palma acima dos joelhos e, enquanto cruzava as pernas, parecia ainda mais curto e a deixava belíssima, destacando os olhos amarelos e o cabelo cacheado belo e rebelde que ela deixava cair sobre as costas.       

                Nathaniel acariciava um dos cachos em seus cabelos enquanto, os olhos fechando um pouco quando ele entrava os dedos pelo cabelo dela. Nathaniel realmente estava apaixonado por ela, era um fato. Estava escrito no rosto dele, na forma como seus lábios, agora com uma cicatriz, sorriam ao vê-la, ou quando estava em sua companhia. Mas aquilo não era certo. Ambos sabiam muito bem, mas não conseguiam se afastar. Mais ou menos um ano após Natsumin descobrir que estava grávida, Nathaniel apareceu à porta de Tsubaki com um ombro deslocado. Tsubaki estava sozinha em casa e os dois comemoravam o aniversário de namoro.

                — Nathaniel, precisamos chamar a polícia.        

                — Não é tão fácil assim.              

                — É sim, só pegar o telefone e discar os números.

                — Tsubaki, não estou para brincadeiras no momento.

                — Desculpe. — ela beijou o rosto dele. — Eu só não sei o que fazer. Você não...

                — Eu revidei. — Nathaniel tinha a cabeça baixa, não olhava nos olhos dela.

                — Como? — ela tocou o rosto dele.

                — Eu estava possesso porque não poderia me casar com Melody de jeito nenhum. — ele levantou o rosto para ela. — Porque eu simplesmente não consigo tirar você da minha cabeça.

                Ela, estranhamente, ficou sem reação.

                — Eu perdi a cabeça, eu sei. — ele baixou novamente o rosto. — Depois que revidei ele me atacou e caí da escada... eu não me controlei. Foi só um empurrão, Tsubaki.

                Ela tinha o cenho franzido e lágrimas nos olhos.

                — Ele não tem o direito de te machucar, Nathaniel.

                — Não, mas eu ainda sou fraco demais. — ele beijou o ombro nu dela, que usava uma regata fina. — Ele sabe de nós dois.

                — Isso tem que acabar, Nathaniel. — ela levantou a cabeça.

                — E vai. — Nathaniel levantou a dele. — Vou me casar com ela.

These little town blues

Are melting away

I'll make a brand new start of it

In old New York

                Estar casado com Melody não impediu os dois de se encontrarem. Tsubaki resistiu por meses, sequer conseguia olhá-lo nos olhos, mas numa noite de inverno, enquanto fechava o restaurante, ele apareceu. Ensopado pela chuva, não havia palavras na sua boca.

Manter aquele relacionamento extraconjugal machucava os dois. Nathaniel dormia com as duas, mas, ultimamente, sequer conseguia deitar-se ao lado de Melody. E Tsubaki, de alguma forma, já estava cansada, inclusive estava abrindo seu coração para outras pessoas. Mas, de alguma forma, Nathaniel intervinha. Só dormira com Melody na noite de núpcias e quando Tsubaki virou as costas para ele.

If I can make it here

I'll make it anywhere

It's up to you

New York, New York

                Natsumin notou-os saírem de mãos dadas do restaurante. Sabia que dali iriam para a suíte que sempre reservavam naquele hotel. Era triste ver aquele tipo de caminho que Tsubaki escolhera.

New York, New York

I want to wake up

In that city that never sleeps

And find I'm a number one, top of the list

King of the hill

A number one

                O coração dela palpitou. Assim que Tsubaki e Nathaniel saíram, o cara de barba e cabelo raspado entrou. Um dos integrantes da banda de Castiel. Ele estava acompanhado do outro. Ela continuou a cantar, tentando livrar-se daquela maldita expectativa, até que a porta se fechou e ela não viu nenhum ruivo entrar dentre eles.

These little town blues

Are melting away

I'm gonna make a brand new star of it

In old New York

 

And

If I can make it here

New York, New York

I want to wake up

In that city that never sleeps

And find I'm number one, top of the list

King of the hill

A number one

                Agradecida, ouvia as palmas antecipadas, pelos agudos que estava usando. Sorria enquanto cantava, sabia que seu lugar era nos palcos, com um microfone na mão, como o fazia naquele momento, sentada naquele piano.

These little town blues

Are melting away

I'm gonna make a brand new start of it

In old New York

 

And

If I can make it there

I'm gonna make it anywhere

It's up to you

New York, New York, New York!

 

                Ela desceu do piano diante daquela salva de palmas. Agradeceu num belo sorriso e aceno com a cabeça e daquela maneira encerrou aquela noite, por volta das duas e pouca da manhã. Era a última música que cantaria hoje, então já estaria dispensada e pronta para encontrar seu filhote, que provavelmente estava dormindo. Ansiosa, despediu-se do professor e da plateia e saiu pelos fundos do palco em direção ao estacionamento.

Suspirou no ar frio da noite e encarou as estrelas antes de se aproximar do carro. O destino estava certo. Era melhor ele não ter vindo. Era melhor ela não se aproximar dele novamente, era melhor não partir o próprio coração mais uma vez. Mas, sob aquela noite estrelada, ela sentiu um cheiro de cigarro e seu olfato guiou seu rosto para uma sombra entre os carros. Natsumin tentou tirara qualquer expectativa da sua cabeça e andou com o rosto para baixo em direção ao seu carro.

Até que uma voz a fez parar.

                — Bela voz. — ele levantou os olhos acinzentados, um par de ônix sob aquela noite, os mesmos olhos de seu Ethan. Estava encostado em um outro carro, há poucos metros de do Natsumin e fumava calmamente um cigarro.  Natsumin não se virou. Nas memórias do homem encostado ao carro, só havia uma garota medrosa, presa no porão de Sweet Amoris. O início de tudo.


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Notas finais do capítulo

Por favor, comentem, recomem e favoritem pra que a fic continue! Boa leitura :)



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