Capítulo 2 – Loving counselor

Fito o teto acima de mim, tentando pegar no sono e acabar de vez com a insônia desgraçada.

Essa é a primeira noite que eu passo sozinha em meu apartamento depois de longos meses de ausência. Os móveis cobertos por uma grossa camada de poeira. Tudo exatamente no lugar que eu havia deixado há uns dois meses.

Olho para o relógio em cima do criado mudo. Três horas da manhã, e até agora eu não consegui dormir direito. Um cochilo ou outro rolou, mas todos foram interrompidos pelas lembranças que insistem em perturbar a minha noite de descanso.

E eu acabo de lembrar o porquê que eu não tiro férias, pois na SHIELD eu sempre mantenho minha cabeça ocupada com alguma coisa, não deixando espaço para as lembranças do passado, mas agora que estou “suspensa”, certamente os pesadelos se tornarão mais freqüentes e incontroláveis...

Oh droga, em três meses eu vou enlouquecer por completo!

Coloco meus pés descalços sobre o chão gelado, levantando da cama em que estava deitada.

Minhas tentativas de dormir não estão funcionando muito bem, então só me resta uma coisa a fazer, qual me deixa relaxada e me faz esquecer os malditos pesadelos... Posso não estar na SHIELD, mas conheço o lugar perfeito para treinar.

[...]

Paro em frente à porta dos fundos da academia abandonada a duas quadras do meu apartamento, me surpreendendo ao vê-la entreaberta e não com as correntes e cadeados como de costume.

Empurro a estrutura de madeira com cuidado, sem fazer qualquer ruído. E assim que entro, o som de socos e gritos raivosos adentram meus ouvidos, deixando-me alerta.

Com passos cautelosos, adentro a academia, logo avistando uma mulher de cabelos loiros, que espanca o saco de areia a sua frente com violência e velocidade, arfando e com a respiração ofegante, as roupas coladas em seu corpo por conta do suor.

Era impossível não reconhecer a ex- agente da SHIELD.

– Você parece estar cansada Bárbara. – comento chamando a atenção da mesma, que me fita surpresa. Talvez eu a tenha assustado com minha pronúncia repentina – Não acha que é hora de parar?

Ela balança a cabeça negativamente.

– Não, ainda tem muitos sacos pra serem esmurrados. – ela retruca, voltando a socar o saco de areia.

Esboço um mínimo sorriso, me aproximando dela e começando a me preparar para treinar, tirando as faixas de minha mochila e as enrolando em minhas mãos, de maneira tranqüila, ao som dos gritos de Bobbi.

– Pensei que estivesse em missão. – Ela comenta parando novamente o seu treino, e me fitando curiosa.

– E estava. – respondo indiferente – Mas Fury resolveu me dar umas férias.

Ela ri, irônica. Afinal a mesma sabia que férias não é algo com qual estou acostumada.

– Poxa, nunca pensei que te veria distante da SHIELD por... – ela para e enruga o cenho – Quanto tempo ele deu a você?

Reviro os olhos, me direcionando a outro saco de areia ao lado do que Bobbi esmurrava.

– Três meses. – respondo a pergunta, distribuindo socos com ferocidade.

– Uau. – ela exclama um pouco surpresa – Isso é muito tempo.

Dou de ombros, continuando o que estava fazendo.

– A considerar que não passo um dia sem estar em missão desde que entrei pra SHIELD, acho que é um período apropriado.

– Se você diz. – ela fala sentando-se no chão da academia, a uma curta distância. – Mas se está de férias, deveria estar descansando, afinal são quase quatro da manhã.

Continuo a espancar o saco a minha frente, aplicando meus melhores golpes, com toda força que consigo.

– Não consegui pegar no sono, por isso estou aqui. – respondo simplesmente.

Mas Bárbara parece não ter engolido minha resposta.

– E qual é o motivo de sua insônia? – ela indaga, demonstrando estar bem curiosa para saber a respeito.

Arqueio as sobrancelhas, parando um pouco meu treino para fitá-la.

– E insônia precisa de motivo?

Ela da de ombros.

– Acho que sim. – e responde fazendo uma careta de dúvida – Vai falar ou não?

Suspiro um pouco frustrada.

Bárbara e eu nos tornamos amigas desde que ela entrou pra SHIELD há uns seis anos, e ficamos bem próximas com o passar do tempo, mas quando ela resolveu deixar a SHIELD por motivos que desconheço, nos falávamos raramente por telefone, e quase nunca nos víamos, por isso há muitas coisas sobre mim que a mesma desconhece, inclusive os pesadelos e lembranças do meu passado que certamente são os responsáveis pela minha insônia.

– Por que você não me fala o motivo de estar em uma academia abandonada há essa hora, e ainda por cima, esmurrando sacos de areia como se fosse o seu pior inimigo? – sugiro, me aproximando da mesma e sentando ao seu lado, mudando completamente o foco da conversa, que antes estava em mim e meus problemas para ter uma boa noite de sono.

Bobbi respira fundo, e me fita com um olhar abatido.

– Pensei que já soubesse. – ela diz, e eu arqueio as sobrancelhas, sem entender – Clint e eu brigamos.

Ah, sim. Isso explica o porquê do Gavião estar estranho durante a missão que fizemos juntos há dois dias. Ele se manteve calado a maior parte do tempo, perdido em pensamentos, sem fazer qualquer piada ou coisas do gênero, e suas expressões sempre eram de frustração, culpa ou nostalgia. Mas não ousei perguntar nada, afinal Clint é um tanto imprevisível às vezes.

E acabo de descobrir o que realmente se passava com meu amigo arqueiro, ele havia brigado com a namorada.

Pois é, assim que Bobbi entrou pra SHIELD, Clint se encantou por ela, e há dois anos mais ou menos, ambos começaram o namoro, que em minha opinião, é um tanto esquisito. Os dois vivem brigando por motivos banais, e na mesma hora que não querem ver a cara um do outro, logo já estão se agarrando ou se comendo no apartamento de Clint... Mas intimidades de casais esquisitos não são de meu interesse, então vamos esquecer isso.

– Clint estava estranho realmente, mas ele não comentou nada e eu também não perguntei. – explico dando de ombros – E vocês brigaram por quê?

Bobbi suspira, erguendo os ombros.

– Sinceramente eu não sei. – arqueio as sobrancelhas outra vez. Eu disse que os dois eram esquisitos – Estávamos indo tão bem, até que ele surtou do nada e terminou tudo.

Penso por alguns segundos. Clint ama Barbara demais para romper com ela por nada, com certeza ela havia feito algo, ou ele devia estar totalmente bêbado para tomar tal decisão.

– Você não disse ou fez algo que o magoou? – pergunto.

A loira nega.

– Claro que não. Eu o amo demais para até mesmo pensar em magoá-lo. – e responde começando a derramar algumas lágrimas – Na ultima conversa que tivemos, eu até disse a ele que estava pensando em me casar e formar uma família.

Bingo! Isso explica tudo!

Bobbi estava pensando em tornar o relacionamento mais sério, e isso certamente deve ter assustado Clint, o que resultou no rompimento do namoro.

Rio do drama amoroso e desnecessário que ambos estavam vivendo, fazendo Bobbi me olhar confusa e um tanto incrédula.

– Ai Bobbi, honestamente, eu pensei que você fosse mais esperta. – falo, usando meu sarcasmo e falando exatamente o que penso.

Ela me fita ofendida.

– O que quer dizer com isso Natasha?

Permaneço com meu sorriso torto nos lábios.

– Não me leve a mal Bobbi, mas eu conheço Clint há muito mais tempo que você, e de cara percebi qual é o problema.

Ela bufa, revirando os olhos.

– Então me esclareça, senhorita “sabe tudo”. – e pede fazendo aspas com os dedos.

– Acontece que você, Bárbara Morse, é a única pessoa para qual Clint entregou verdadeiramente seu coração, e amou da maneira mais intensa e sincera. – começo a explicar, sentindo-me ridícula por estar fazendo papel de conselheira amorosa. O que eu não faço por esses dois? – Ta na cara que ele ficou assustado quando você deu a entender que queria aprofundar esse relacionamento.

Observo Bobbi franzir a testa, mostrando sua confusão.

– Mas eu não entendo. – ela confessa erguendo as mãos – Se Clint me ama tanto quanto você diz, por que ele não iria querer que nosso relacionamento fosse aprofundado?

Balanço a cabeça, revirando os olhos e soltando um riso incrédulo. Acho que se afastar da SHIELD a deixou mais lerda que o normal.

– Simples Bobbi. O Clint não está acostumado com esse tipo de avanço em um relacionamento amoroso, tudo isso é novo pra ele. – respondo a pergunta como se fosse obvio, e na verdade era – Ou seja, ele ainda não está preparado pra “aprofundar” a relação de vocês.

Bárbara fita o nada, pensativa, antes de dirigir-se a mim novamente.

– É, você tem razão. – ela diz por fim, fazendo-me concordar com a afirmação – Eu estava com tanta raiva dele que nem parei pra pensar nisso. E disse tanta coisa na hora, e isso faz eu me sentir a pior pessoa do planeta.

Assinto, concordando com cada palavra que saia de sua boca.

– Acho que vai querer falar com ele, estou certa? – indago, já prevendo o que aconteceria.

– Sem dúvida alguma. – ela confirma levantando-se do chão, e eu faço o mesmo – Eu vou lá agora mesmo.

Sorrio. Aposto que Clint vai adorar a surpresa, e com certeza matar a saudade de dormir com a loira que ele tanto ama, qual ele não fica um segundo sem mencionar, e eu é que tenho que aturá-lo.

– Boa sorte. – desejo ao ver Bobbi pegar sua mochila e colocá-la nas costas.

A loira me lança um sorriso sincero.

– Obrigado Nat, por tudo. – ela agradece.

Apenas aceno com a cabeça de forma positiva, com um meio sorriso nos lábios.

– Disponha.

Observo Bárbara se retirar da academia, rumo ao apartamento do Gavião. Como eu já havia dito, eles são um casal estranho, e aposto que esta tarde eu já os verei se agarrando por aí.

Sorrio irônica comigo mesma. Eu vim a esta academia para treinar e acabei resolvendo o problema amoroso do casal mais meloso deste planeta.

Mas com tudo isso, descobri algo... Se um dia por acaso eu sair da SHIELD e resolver ter uma vida normal, já tenho um lugar no ramo de conselheira de casais garantido.

Faço uma careta ao me imaginar sentada em uma poltrona ouvindo os problemas de casais desesperados.

Pensando bem... O Fury ainda vai ter que me aturar por muito tempo.