O Tigre Negro escrita por Willabelle


Capítulo 16
Jaula De Tigre


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo pra vocês. Obrigada por comentarem, fico tão feliz!!
Ahhh e obrigada também por sugerirem traduções para as expressões em hindi, já traduzi tudinho!
E pra quem pediu, fiz o trailer da fanfic https://www.youtube.com/watch?v=jTuWtGbJ5Bs&feature=youtu.be



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Uma descarga elétrica de 50 mil volts passa pelo corpo e chega ao cérebro.
O sistema nervoso embaralha. A vítima continua consciente, mas não pode se mexer.
A única coisa que pensamos no momento é: “Quando tudo isso irá passar? ”
E essa é a experiência de ser atingido por uma arma de choque.
O involuntário grito de ambos ecoaram pela floresta, resultando num bando de andorinhas assustadas voando sobre nossas cabeças.
Apesar de tudo, por um breve momento tive uma bela visão. Os pássaros negros recortados na paisagem de nuvens brancas e céu azul inspiraria esperança a qualquer pessoa. Mas naquele instante minha esperança me abandonava, voando junto ao bater de asas das andorinhas assustadas.
Uma lágrima nasceu e eu desejei que tudo aquilo não passasse de um pesadelo, que eu não fosse uma andorinha assustada. Porque não havia beleza ali naquele cenário como houve quando as andorinhas deixaram seus galhos e voaram. Elas voariam para outra árvore e tudo ficaria bem, bastava fugir. Mas eu não poderia fugir, não era simples como a vida de uma andorinha.
Não havia notado quando meus sentidos começaram a perder o foco, apenas deixara de escutar, sentir e ver em certo momento; até que minhas pálpebras fraquejaram e tudo se acalmou.
Acordei de repente ofegando como se não conseguisse separar realidade de pesadelos.
Meus olhos se recusavam à focar e estavam embaçados demais para que eu pudesse reconhecer a área.
Senti um tecido ao qual meu rosto estivera apoiado e fiz massagem na minha bochecha esquerda que estava dormente e tentei me levantar.
Algo pousou sobre os meus ombros, me impedindo de me levantar.
– Vai com calma, Liz. – A voz era gentil – Você bateu a cabeça.
Era Manik. Suspirei aliviada por escutar uma voz familiar.
Manik me ajudou a me sentar em algo plano e frio. E cuidadosamente apoiou minha cabeça em seu ombro.
Meu corpo inteiro doía e minha cabeça latejava numa terrível enxaqueca.
– Parece que participei de uma malhação de Judas e fiquei no lugar do boneco. – Reclamei – Quanto tempo fiquei desacordada?
– Umas duas horas, Sr. Kadan trará remédios.
– Sr. Kadan? Eles já sabem da verdade? – Perguntei entusiasmada.
– Bom, eu lhes contei que tudo não passara de um blefe mas Kishan não acreditou. Sr.kadan disse que averiguaria os fatos, concluindo que não tiraria nenhuma conclusão precipitada. E Kelsey não quis saber de nada, está trancada em uma das barracas.
– E onde estamos? – Perguntei, já que minha visão continuava embaçada – Parece tão... cinza.
– Essa é a parte ruim, estamos numa bendita jaula de tigre.
– O que!?
– Porque o espanto? Somos os acusados de traição aqui.
– Eu só... não esperava.
Senti uma pontada de dor no meu cérebro e guinchei de dor.
Manik segurou meus ombros e pediu para que eu tapasse meus ouvidos.
Sem pensar muito, o fiz.
Vi a embaçada figura de Manik pousar a mão direita ao lado de seus lábios, sua mão estava aberta e a palma em direção à boca, como se fosse chamar alguém que estivesse longe.
Vi sua boca pronunciar o nome de Sr. Kadan.
Ele assentiu para que eu destampasse minhas orelhas e sorriu. Ao menos foi o que minha limitada visão embaçada me permitiu ver.
Dentro de alguns minutos Sr. Kadan aparecera com uma enorme caixa branca em mãos.
– Como está se sentindo Srta. Elizabeth? – Perguntou ele, como um médico pergunta à um paciente. Sua voz era imparcial, não demonstrava afeto ou frieza.
– Minha cabeça está doendo demais e meu corpo também. Minha visão está embaçada e parece que estou com uma enxaqueca que está a ponto de explodir.
Sr. Kadan passou uma garrafa de água e vários comprimidos por entre as barras de ferro para as mãos de Manik.
Apesar da dor de cabeça, não pude resistir em pensar em perguntar à Sr. Kadan se ele acreditava em nós. E quando percebi já havia feito a pergunta em voz alta, em claro e bom tom.
– O Senhor acredita em nós? – Vacilei com a voz insegura.
Sr. Kadam suspirou pesadamente.
– A senhorita precisa entender que não posso concluir a veracidade de seus depoimentos tão rápido. Por um lado, Kishan os viu dando um recado à Lokesh e por outro lado vocês dizem ser um blefe para que Lokesh acredite que estão ao lado dele. Se coloque no meu lugar, ambos os fatos fazem sentido, o que torna tudo mais complexo.
– Tem razão... – Concordei, mesmo que contrariada.
– Às vezes, um blefe muito bom se torna traiçoeiro, senhorita.
– Vou me lembrar dessa na próxima vez.
Tomei os remédios e uma espécie de sopa revitalizante de legumes.
Manik me ajudou com as colheradas já que derrubara quase metade da sopa tentando comer sozinha.
– Me desculpa por te fazer de babá.
Manik riu.
– Não ache que sairá de graça, você está me devendo uma, Lomari*. (*raposa)
Dei de ombros.
– Um verdadeiro cavalheiro nunca diria isso. Diria que seria um prazer ajudar uma dama indefesa. – Falei como se lesse falas de um roteiro dramatizado.
– Mas é isso aí. Você nunca foi uma dama indefesa. Sempre esteve um passo à frente de todos. Não precisa de cavalheiros.
– Homens não gostam de damas que se salvam sozinhas.
– Eu compreendo esse sentimento, eu quero dizer, as mulheres fazem tudo, são sensíveis e trazem cor e vida ao mundo, e se dispensam nossa ajuda, o que mais sobra para homens fazerem? Nosso papel e função no mundo parecem tão minúsculos se comparado ao de vocês.
– Feministas iriam te amar – Eu disse, rindo.
Tomei o resto da sopa e me senti sonolenta. Manik me aconchegou em seu peito e dormi com o aroma de âmbar que vinha de sua pele.
Naquela noite tive pesadelos, daqueles que você não consegue escapar ou acordar. Em um deles Kishan corria com Lokesh ao seu lado, ambos me seguiam raivosos, gritando xingamentos enquanto eu fugia da onda de fúria deles. Eu gritava (ou pelo menos tentava) por socorro e pelo nome de Manik incessantemente.
Acordara assustada e com lágrimas aos olhos.
– O que aconteceu? – Perguntou Manik, claramente preocupado. – Você estava gritando o meu nome.
– Pesadelo.
– Está tudo bem agora, Liz.
Sorri amargamente e ri de mim mesma.
– Como posso ser a garota forte que despensa ajuda, se acordo às lágrimas depois de um pesadelo idiota?
Manik franziu a testa como se a resposta fosse óbvia.
– Não é porque você é forte que significa que não possui um bom coração. – Disse ele - Você reconhece que é uma boa pessoa, quando o mal te enoja e te faz até chorar às vezes. Isso não é fraqueza, Liz. Isso é a prova do quão boa você é.
Bufei irritada.
– Boa? Sou tão boa que estou numa presa numa jaula de tigre acusada de traição.
Manik levantou uma das sobrancelhas.
– Ossos do ofício, somos heróis e nossa missão é tudo mesmo que, temporariamente, nossos aliados pensem que somos os vilões, consertamos isso depois.
Suspirei percebendo o quão imatura eu deveria estar parecendo.
– Desculpa. – eu disse – Desculpa se estou reclamando demais. Só que estou muito apreensiva com tudo isso, não resolver problemas pendentes “me dá nervos”.
– É compreensível. Não está sendo fácil para ninguém.
– Certo e o que vamos fazer então?
– Como assim?
– Como vamos convencê-los de nos soltar, afinal de contas somos inocentes!
Manik esfregou as mãos e refletiu.
Aquela calma que ele mantinha era simplesmente desesperadora.
Eu me sentia como um impaciente aprendiz de um sábio monge. O aprendiz sabia que o monge estaria certo em qualquer ensinamento que lhe fosse revelado, mas mesmo assim o aprendiz queria aprender tudo do dia para a noite e bom... até Karatê Kid nos ensinou que nada pode ser apressado dessa maneira.
Bati o pé tentando extravasar a impaciência.
– Você parece muito melhor, não é? – Manik indagou, de repente.
Olhei para ele e me lembrei da minha turva visão. Manik agora parecia se ressaltar como a imagem de um filme em alta definição. Minha visão retornara.
Nesse meio tempo, me perdi um pouco, por alguns segundos na figura de Manik.
Ele estava muito... bonito. Eu não me sentia mais atraída por Manik, mas ninguém poderia negar a beleza daquele homem.
O seu rosto era anguloso e sua feição fazia parecer que ele estava escondendo algum segredo valioso, sempre. Eu nunca conseguira deduzir o que ele estava pensado baseado em sua linguagem corporal, ele parecia ser alheio a isso.
Manik levantou uma de suas sobrancelhas novamente e eu “acordei”. Ao perceber que não havia respondido a pergunta de Manik, corei instantaneamente, ao notar também que havia me esquecido de sua pergunta.
Droga! Ele vai achar que eu estava admirando sua beleza grega, quer dizer, indiana.
Mas você não estava!?
Bem... sim, mas quem precisa saber? E foi por alguns segundos, não é como se fosse ilegal, okay?

– O que você disse mesmo? – Toquei o topo de minha cabeça e fiz uma careta de dor – Estou com um pouco de dor de cabeça ainda.
– Porque estava olhando para mim daquele jeito?
Manik cruzou os braços e sorriu travesso.
Maças da Branca de Neve substituíram minhas bochechas na mesma hora.
– Eu não estava... – Gaguejei – Hey! Essa não era a pergunta que você havia feito antes.
– Não era... mas agora é.
– Isso não é um jogo, Manik. Ou é ou não é.
– E agora é? Ou não é?
– É o que? Droga!
– Um jogo.
Parei de falar e ambos caímos em um silêncio estranho.
– Estamos falando da mesma coisa? – Perguntei.
– Acho que não. – Respondeu ele, parecendo levemente irritado e desapontado.
– É sobre nós, não é? – Eu disse, receosa.
Manik me encarou com seus profundos olhos verdes, nenhuma resposta era necessária. A tensão do momento já respondia tudo.
– Porque seria um jogo? – Perguntei delicada.
– Porque você o envolveu.
Involuntariamente Manik pousou o olhar em uma das barracas no acampamento.
– Eu a vi beijando-o na cachoeira.
– Manik, eu nunca soube que se sentiria assim...
– Só porque se passaram 300 anos você acha que isso simplesmente se dissiparia?
– Não, eu... apenas aconteceu, Manik. Eu pedi para que ele parasse, que a gente não se tratasse ou falasse dessa maneira, até porque eu comecei a me lembrar de nós. Deixa eu te explicar, algo está acontecendo com a minha memória, ela está voltando. E é esquisito porque antes de conhecer Kells eu não me lembrava de nada e então quando me envolvi com a maldição dos tigres comecei a me lembrar gradativamente que minha vida ia além de ser uma garota normal do Oregon. Eu estou andando no escuro e só descobrindo minhas memórias quando tropeço nelas, uma hora nada existe ali e um segundo depois a memória está lá como se nunca tivesse sido esquecida.
Respirei fundo e me sentei de costas para a grade de ferro.
– Suas memórias estão voltando? – Manik perguntou cautelosamente – Como acha que elas são relembradas?
– Bom, acho que conforme tenho contato com elementos do meu passado. Como ações, palavras-chaves, lugares, pessoas...
– Você se lembra sobre algo que Lokesh tenha mencionado sobre a quebra da maldição dos tigres, ou pelo menos algo que possa acelerar essa quebra?
Balancei a cabeça, negando.
– Eu me esforço para me lembrar, mas não consigo. Eu preciso entrar em contato com o meu passado, refazer meus passos. Alguma sugestão?
– Bem, eu me lembro que você gostava muito de arco e flecha e também gostava de correr pela floresta transformada em raposa, pode tentar fazer isso pra relembrar.
– Só precisamos nos livrar dessa cabaninha antes. – Eu disse indicando as grades da jaula que nos cercavam.
– E se não conseguirmos convencer Sr. Kadam? – Manik perguntou.
– Daí teremos de fugir.
– Na verdade, não temos muito tempo. O líder da Matilha disse que eram dois dias mas temos que contar a viagem até onde Lokesh está.
– E como sabemos onde ele está?
Manik “farejou” o ar.
– Eles deixaram rastros.
– Certo, parece que Sr. Kadam e os outros já estão dormindo. Se dependermos da avaliação justa de Sr. Kadam ele nos solta no máximo amanhã, isso se acontecer, o que acho muito improvável. E temos um longo tempo de viagem já que não temos transporte. Isso nos dá apenas uma solução viável que é...
– Fugir agora. - Manik completou.
Observei o céu estrelado e tentei fazer o cálculo de quanto tempo havia dormido, quando desisti, passei para o tópico de fuga.
– Como faremos para fugir? – Perguntei, analisando as barras de metálicas ao nosso redor. – Isso é ferro ou aço, sei lá não entendo de materiais metálicos.
Manik passou uma das mãos pelas frias grades cinzas.
– Não poderíamos passar nem se nos transformássemos em animais.
Suspirei, lamentando:
– O poder de raio de Kelsey viria à calhar agora...
– Tecnicamente o poder de Kelsey é de fogo e não raio, mas a velocidade com que o poder é disparado faz com que o fogo pareça branco como um raio. Minha visão de águia me fez perceber isso.
– Tudo bem, nerd. Não sei como essa informação seria relevante agora. Raio ou fogo, Kelsey não está do nosso lado.
Manik se levantou num pulo, de súbito.
– É isso!
– Isso o que?
– Fogo!
– Sim, o poder de Kelsey é de fogo, eu já entendi.
– Não é isso – Manik franziu a testa -, o seu poder de fogo, Liz.
– O meu? Que poder?
– Você o usou algumas vezes no passado, não se lembra?
Balancei a cabeça negativamente.
– Ele só aparece quando você se torna raposa. Você o recebeu depois de uma missão no passado, nunca contou a ninguém como conseguira.
– Eu realmente posso fazer isso? – Perguntei incrédula.
– Sim, mas você deixou de usar o poder quando quase ateou fogo numa floresta inteira.
– E como acha que o poder de fogo irá ajudar na nossa situação?
Manik sorriu um riso travesso de quem possuía todas as respostas na ponta da língua.
– Tá vendo essas barras? Elas são de ferro e acho que são “derretíveis” com o calor do seu fogo.
Ri involuntariamente com a colocação de frase de Manik.
Ele inclinou a cabeça levemente em direção ao ombro e sorriu balançando a cabeça de leve.
– Tudo bem, sem piadinhas. – Levantei as mãos para cima, fingindo me render.
– Você acha que consegue se transformar agora?
Fechei os olhos e me concentrei. Ordenei que meu corpo se transformasse, logo em seguida senti o calor subindo pelo meu corpo até se dissipar no topo de minha cabeça.
Abri os olhos e era uma raposa novamente.
Fechei meus olhos de raposa e me concentrei, imaginei fogo, fogueiras, lareiras e chamas queimando sobre brasas. Escutei um crepitar baixinho e continuei pensando em fogo até que o crepitar que eu ouvira antes começara a se intensificar cada vez mais rápido.
Abri os olhos e logo notei uma iluminação vermelha no chão da jaula de ferro, me virei para a direção da luz e me deparei com a minha cauda em chamas.
Era lindo como as chamas de uma fogueira de acampamento.
Eu não sentia nada queimando minha cauda ou pelos então balancei a cauda de leva no ar, vendo o fogo dançar sob o ar.
Manik me deu instruções, sempre evitando tocar minha cauda.
Assim como ele dissera, enrolei minha cauda em chamas em uma das barras da jaula e retirei-a rapidamente.
O ferro se avermelhou instantaneamente. Na mesma hora, Manik sacou uma faca e forçou sua lâmina onde a vermelhidão da barra se instalara. A barra se entortou molenga e foi solta da base, antes que a barra se resfriasse, Manik forçou o meio e o ferro se entortou novamente, dessa vez se soltando inteiramente da barra.
Ele fez carinho na minha cabeça de raposa entre minhas orelhas e meu instinto de raposa me fez ronronar involuntariamente.
– Vamos sair antes que alguém acorde, okay? Você está sentindo o cheiro do rastro dos lobos?
Balancei minha cabeça positivamente.
– Temos que seguir viagem em forma animal senão não chegaremos a tempo.
Manik se transformou em águia e passou pelo buraco que havíamos derretidos por entre as barras de ferro.
Chequei minha cauda que já havia sido “apagada”, saí do buraco e vi Manik levantar voo e seguir pelo lado leste da floresta, sobrevoando a floresta.
Eu teria de ir pelo meio da floresta mas não me importava já que minha visão noturna era boa agora.
Dei uma última olhada para as barracas apagadas antes de seguir pela floresta, tomei impulso para a longa corrida esticando minhas patas de raposa.
De repente algo acontecera, minhas pernas fraquejaram, meus pelos eriçaram e pude sentir meus olhos se arregalarem. Naquele momento eu não conseguira correr ou fugir.
Um selvagem tigre negro de olhos dourados tomados de ódio estava à minha frente bloqueando minha passagem e pronto para atacar.


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Notas finais do capítulo

Comentem o que acharam desse capítulo, pfvr!!