Destrua-me escrita por David JV


Capítulo 4
Não há regras.




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Destrua-me

Capítulo 4: Não há regras.

–Eu me pergunto o porquê de você não gosta das pessoas?–Erik se virou para mim. Ele estava sentado dois degraus abaixo de onde eu estava deitado. As arquibancadas do lado de fora estavam húmidas e o cheiro não era dos melhores, mas aparentemente nós não nos importamos com isso.

–Por que você acha isso? –perguntei, lhe dando alguns créditos por ter deduzido sozinho.

–Você não tenta fazer amigos e age como se não precisasse das pessoas que se aproximam. –ele atirou agora encarado o campo de futebol.

–E mesmo achando que não são valorizadas essas pessoas continuam atrás de mim, talvez seja excitante a coisa toda da rejeição. –não precisei me mover muito para ver suas bochechas corarem.

–Talvez eu veja algo em você, que você mesmo não consiga enxerga. –ele continuou sem olhar pra mim.

–Eu estava achando mais divertido quando nós estávamos usando “as pessoas”. –suspirei. – E eu sei o que eu vejo quando me olho no espelho.

–Eu não estou falando de aparência. –ele me olhou por cima do ombro, por um instante.

–Você não sabe o que ver e esqueça o que acha que viu. –passei os polegares na humidade que se formava em meus olhos e levantei do acento. Descendo até onde ele estava. –Quer um conselho? –seus olhos castanhos me olharam interessados, mas ele não afirmou ou negou nada.

–Se afaste enquanto pode. –sussurrei em seu ouvido em seguida desci as arquibancadas.

+++++++

Os corredores continuavam desertos quando eu entrei no prédio, provavelmente tinha matado a segunda e a terceira aula de uma só vez.

–Você não deveria está em sala de aula? –me xinguei mentalmente por não presta atenção a monitora. Ela estava atrás de mim com uma caneta e bloquinho em ambas as mãos.

–Deveria. – dei de ombros. – Mas não estou.

Ela levantou os óculos e pousou o bico da caneta no bloquinho.

–Série? –ela perguntou, começando a rabiscar.

–Primeiro ano, a letra eu não sei, mas te desejo sorte pra descobrir. –fechei a boca, concluindo que ela ficava melhor assim.

–Detenção depois das aulas, 30 minutos. –ela terminou de rabiscar arrancou a nota e a entregou pra mim.

–Posso lidar com isso. –peguei a nota e voltei para sala. Ficar de castigo era muito melhor do que chamarem a minha mãe na escola.

+++++++

Depois que todas as aulas acabam a escola ficava mais vazia do que em noites de sextas-feiras, não se vê nem os seguranças e algumas luzes são apagadas.

Meu fascínio por lugares escuros surgiu desde que eu me escondia nos armários de madeira da casa da minha vó. Era a parte divertida de passar as férias numa fazenda, com primos que eu nunca vi na vida e que nunca veria no meu dia-a-dia se tivesse sorte.

Meu quarto atual era minha adaptação dos armários da minha vó, paredes pintadas de preto e cortinas escuras. É um bom lugar pra chorar, coisa que eu não andava fazendo ultimamente, graças ao Aprazolan.

Antes da depressão eu não caia em prantos facilmente, me diziam coisas horríveis, e acredite quando eu digo horríveis, mesmo assim eu nunca desmoronei. Eu me sentia forte e me orgulhava disso, mas quando alguém é pressionado além do que pode aguentar, essa pessoa quebra o que foi meu caso.

Uma vez um garoto jogou aviãozinho de papel em mim na escola e eu joguei uma mesa nele, ganhei uma suspensão e ele seis pontos no supercilio. A suspensão me levou a ficar sozinho em casa, ai veio às lágrimas, mais agressividade, o sentimento de inutilidade e as tentativas contra minha vida.

Da primeira vez eu fiz um coquetel com os xaropes de tosse que eu tinha em casa, não aconteceu nada, além de me dar sono. Da segunda eu tomei as pílulas de todas as cartelas que eu encontrei. Remédios para inflamação, dor, náuseas, febre, enfim, eu não descriminei. Minha mãe chegou mais cedo do trabalho e me encontrou desmaiado, me levou ao hospital e eu ganhei uma lavagem estomacal, dai em diante não demoraram em me darem o meu diagnóstico.

A sala de detecção ficava a corredores de distancia da minha. A porta da sala era de madeira e completamente lisa. Eu acho que estava esperando uma plaquinha de identificação ou algo do tipo, também esperava que outro professor me vigasse e não Vicente. Observação, só tinha eu de aluno na sala.

–Ok, eu tenho uma proposta a te fazer. –falei, fazendo-o se virar para mim, ele estava sem óculos, mas não estreitou os olhos quando me viu, em compensação piscava o tempo todo.

–Onde estão seus óculos? –perguntei ainda encostado na soleira da porta.

–Estou tentando me acostumar com as lentes de contato. –ele massageou as pálpebras com o indicador e o polegar. –Me fale sua proposta. –ele pediu.

–Bom, já que não tem quase ninguém na escola, e com certeza não perderam tempo vindo aqui nos checar, por que nós não damos o fora e fazemos de conta que os trinta minutos que passamos aqui foram insuportáveis? – sugeri,Vicente me olhava sem expressão alguma no rosto, mas se a intenção dele era parecer sério, foi pelos ares por causa do pisca-pisca dos seus olhos. –Qual é? –revirei os olhos. –Vai dizer que não ficou tentado? Você não parece nem professor, deve ter uma vida lá fora. –persuadi.

–E eu tenho. –ele confirmou com a cabeça. – E também tenho objetivos e agora o meu é infernizar sua vida durante trinta minutos. –ele sorriu. –Senta. –ele apontou para as cadeiras vazias.

–Quais são as regras? –me sentei atrás do birô, chamando a atenção de Vicente por um segundo, antes da atenção dele ser voltada para o quadro.

–Estou escrevendo. –ele bateu a ponta do piloto no quadro.

–Claro! Porque muita gente aqui que vai ler. –Piquei pra ele. –Por que você não economiza tinta, e fala oralmente?

–Já que sou eu que estou aqui, vou fazer do meu jeito. –ele continuou escrevendo, agora com as mangas da camisa social arregaçadas até os cotovelos.

–Isso é algum tipo de fetiche?

–O quê? –ele me encarou de olhos arregalados.

–Essa coisa toda de querer bancar o professor malvado. –expliquei. –Você quer se fazer de rígido para que te respeitem apesar de sua pouca idade?

–Parece que não funciona com você. –ele continuou rabiscando no maldito quadro.

–Passei a minha vida me desiludindo com pessoas que queriam ser o que não eram, conheço um aspirante quando vejo um. – agora ele estava me olhando, e eu olhando a camisa dele ficar transparente graças à luz do sol. Ok, eu poderia até agradecer por o tempo ter aberto mais tarde.

–Você tem pouca idade pra tanta experiência. –ele apontou, mas era como se estivesse tentando descobri se eu falava a verdade ou não.

–E essa experiência toda me revolta. –suspirei.

–Marize já te disse sobre o tal programa? –ele parou de escrever e sentou na beira do birô tirando os meus pés de cima.

–Por que você aceitou entrar nisso?

–Eu sou um estagiário Allan, eles acham que podem fazer qualquer coisa comigo, e cá entre nós, eles podem. –ele soltou a respiração, subindo e descendo os ombros.

–Marize disse que o seu desempenho, vai lhe conceder uma boa carta de recomendação. –falei.

–Depende de como eu vou escrever e sobre o quê, e é pra isso que eu preciso da sua ajuda, pra agitar as coisas de vez em quando. –ele sorriu, depois voltou a ficar sério. –Estou brincando, se souberem que eu te disse isso, perco o meu emprego.

–Relaxa, vai ser o nosso segredo. Além do mais você foi escolhido pra relatar a vida de um adolescente depressivo vírgula suicida, acredite, nós vamos nos divertir muito juntos. –vi o seu pomo de adão subi e descer o que me deu vontade de rir.

–Agora, por favor, faça esses trinta minutos que eu vou passar aqui não serem insuportáveis. –juntei uma palma da mão na outra e fiz cara de inocente.

–Sabe jogar xadrez? –ele perguntou, assenti.

Ele foi até um armário de ferro e pegou as peças e o tabuleiro, enquanto eu lia a terceira regra no quadro.

“PROIBIDO QUALQUER ATIVIDADE RECREATIVA”.

Continua....


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