Americana Exotica escrita por Shiro


Capítulo 2
A mais rápida em fazer amigos


Notas iniciais do capítulo

EH ULTIMO CAPÍTULO DO ANO! Desculpem pela demora, eu estava esse tempo todo me preparando para o vestibular e acabei me desligando de tudo. Mas voltei e agora vai ter capítulo novo com mais frequencia, prometo! Boa leitura!



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Quando acordei no dia seguinte percebi que o apartamento estava vazio. Andei a esmo, confusa, até a cozinha, onde parei em frente a geladeira e vi que tinha um bilhete ali pra mim:

“Jem,

Eu e sua irmã fomos fazer algumas coisas importantes, tais como comprar material escolar, visitar a nova escola, fazer compras e dar uma olhada em algumas vagas de emprego. Você pode assistir tv (desde que não muito alto, porque a Sra. Clemensy do 312 presa o silencio), usar o notebook (a senha do wi-fi do prédio é 74339) e circular pelo Goma (ouvi dizer que a praça é um lugar adorável). Deixei comida pronta no microondas, é só você esquentar,

Mamãe.

P.S: Me desculpe por ontem.”

Olhei para o relógio em formato de pinguim (um presente da tia Madge, irmã de mamãe) em cima da geladeira e vi que era uma da tarde. Não me surpreendi por ter perdido a hora, afinal, na noite passada só consegui ir dormir depois das duas da manhã.

Esquentei a comida rapidamente e comi em silencio na cozinha. Era ensopado de carne e legumes, o meu preferido. Eu tinha certeza que mamãe tinha cozinhado aquilo de propósito, para se redimir pela última noite. Claro que eu a perdoei, afinal, aquela não foi a primeira vez que discutimos sobre papai, e certamente não seria a última.

Depois de comer, decidi me arrumar para dar uma volta pelo prédio, afinal, queria aproveitar pra fazer isso sem me preocupar com mamãe regulando todos os meus horários. Escovei meus dentes, amarrei meu cabelo em um rabo de cavalo, vesti uma blusa cinza, shorts verdes e calcei meu par de tênis surrados. Coloquei meus fones de ouvido, tranquei o apartamento e saí.

No corredor do meu apartamento tinham outros dois, um deles ─ o que ficava perto da escada e do elevador ─ estava com a porta aberta. No exato momento em que coloquei minhas chaves em baixo do tapete de entrada da porta, alguém saiu do tal apartamento.

Era um garoto, aparentemente da minha idade, segurando uma caixa grande de papelão e ele olhou pra mim assim que fechou a porta de seu apartamento atrás de si.

─ Oi ─ cumprimentou ele, sorrindo ─ Tudo bom?

─ Indo ─ respondi automaticamente, sem me mover. Alguém estranho estava falando comigo! Aliás, alguém da minha idade.

O tal garoto não era um exemplo de beleza masculina, na verdade ele era bonitinho, com aquela pele clara, feições orientais e o cabelo preto alinhado perfeitamente. Ele parecia um bonequinho, magro e baixinho.

Reparei que ele ficou me encarando, como se estivesse esperando por algo, então me toquei que não tinha seguido o exemplo de educação dele.

─ Ah, é... E você? ─ perguntei, dando um sorriso sem graça. As vezes eu odiava ser toda sem jeito.

─ Estou ótimo ─ respondeu ele, colocando a caixa no chão ─ Você deve ser nova aqui, pelo o que eu vejo. Qual o seu nome?

─ Jemima. Me mudei ontem ─ falei, ainda sorrindo feito uma idiota, mas dessa vez eu me lembrei de ser educada a tempo ─ E o seu nome, é...?

─ Ian ─ respondeu o garoto ─ Belo nome o seu, tão refinado. Eu queria ter um nome assim também, quem sabe Johnathan... É o nome do irmão do Orlaith, meu namorado.

Ah. Ah. Ah...

O meu vizinho era gay, aparentemente um daqueles exóticos e tinha um namorado, aparentemente também exótico, chamando Orlaith... Um verdadeiro começo, pensei.

─ É... Orlaith é realmente um bom nome ─ concordei, sorrindo amigavelmente ─ Hmm... O que você tem aí nessas caixas?

─ Alguns cds que eu ia jogar fora ─ explicou Ian, dando de ombros ─ Se você quiser pegar algum... fique a vontade.

Ele colocou a caixa no chão e eu me aproximei para ver o que tinha dentro. Tinham milhares de cd’s ali, todos parecendo em bom estado.

─ Por que, diabos, você quer jogar fora o Brand New Eyes do Paramore? ─ perguntei, indignada ─ E o Californication do Red Hot? São dois álbuns incríveis!

Ian pegou os dois cds dos quais eu havia falado e os estendeu em minha direção.

─ Não precisa fazer a educada, pode pegar ─ ofereceu. ─ Mas você não faz o tipo que se liga em rock.

─ Ei, não me julgue por eu ser loira e não andar por aí como se fosse Halloween todo dia ─ murmurei, dando de ombros.

Ian deu uma risada, como se eu tivesse realmente contado algo engraçado. Ele pegou a caixa e fez menção de que iria sair mas deu meia volta e me encarou.

─ Tem algo pra fazer agora? ─ perguntou.

─ Eu ia dar uma volta pelo prédio, para conhecer e tudo mais ─ respondi em um tom casual.

Como eu tinha problemas em fazer amigos novos... Eu deveria ter respondido algo como “estou indo encontrar alguns amigos” ou “vou ir comprar algumas roupas”, era importante passar a imagem de que eu sou muito ocupada. Mas, não, é claro que tinha que ter dado uma resposta completamente sincera e sem graça.

─ Então vem comigo, querida! ─ exclamou ele, sacudindo a caixa. ─ Vou deixar isso lá embaixo e depois podemos fazer um tour pelo Goma.

Aquilo me pareceu uma boa ideia então acabei indo. Descemos pelo elevador, que era tão pequeno que mal cabia nós dois ali, e fomos para a recepção. A Sra. Meyer estava em sua mesa lendo uma Vogue francesa, o que era tão estranho quanto eu conversando com Ian.

─ Maelene, aqui estão os cds que eu tinha falado ─ Ian disse, colocando a caixa em cima da mesa. ─ Sua neta vai adorar.

─ Ah, meu docinho! ─ exclamou ela, toda sorridente. ─ Eleonora vai amar.

Ian sorriu para ela, segurou no meu braço e me puxou na direção da porta principal. Dei um tchauzinho para a Sra. Meyer e então saímos.

─ Tenho duas perguntas ─ admiti, enquanto dávamos a volta pela lateral do prédio. ─ Por que ela estava lendo uma Vogue francesa? E quem é Eleonora?

─ As duas respostas estão interligadas, na verdade ─ ele respondeu, caminhando ao meu lado e chutando pedrinhas ocasionalmente. ─ A Sra. Meyer é mãe de uma top model, acho que você conhece ela, a Frida Meyer.

Soltei uma exclamação e, por reflexo, um tapa no braço de Ian. Frida Meyer era uma modelo escandinava, tinha trinta e oito anos mas parecia ter vinte e dois e Jo simplesmente idolatrava ela.

─ … E a Eleonora, digo, Ellie, é filha da Frida ─ ele continuou. ─ Ela costumava morar aqui mas agora mora em Los Angeles... Ah, chegamos.

Ao que parecia, ali era o jardim. Não era muito grande, mas tinha uma piscina, um parquinho e flores, então já estava de bom tamanho. Andamos até a borda da piscina, onde Ian começou a chutar o limpador de piscinas em forma de pato.

─ Ele se chama Clodagh? ─ perguntei, ao ler o tal nome escrito a corretivo no bico do pato.

─ É. Foi o Nathan que escreveu ─ Ian explicou ainda chutando o pato.

─ Quem é Nathan? ─ perguntei, curiosa. Eu gostava de ouvir as outras pessoas falarem sobre suas vidas. E além disso, depois de Ian, eu estava decidida a fazer novos amigos.

─ Ow... alguém que você não vai querer conhecer ─ ele respondeu, chutando Clodagh longe, fazendo ele deslizar pela piscina e respingar água em nós. ─ Bem, esse é o jardim. Vamos conhecer os outros lugares.

E depois do jardim veio a academia, o salão de festas, a quadra de esportes e o auditório, e em todos esses lugares Ian me contou algumas histórias sobre o Goma, das quais eu ouvi atentamente.

Quando terminamos a tour já era quatro da tarde. Ian pegou uns biscoitos em seu apartamento e nós nos sentamos nos degraus em frente ao Goma.

─ Então, Jemima, você tem quantos anos? ─ ele perguntou.

─ Dezessete. E você?

─ Também, mas eu adoraria ter dezoito para ir para Vegas. Dizem que é a maior perdição ─ disse ele, em um tom sonhador.

─ “O que acontece em Vegas, fica em Vegas” ─ citei a famosa frase e acho que Ian entendeu, porque ele riu e concordou.

Ficamos algum tempo em silêncio, apenas comendo biscoitos e observando as coisas ao nosso redor. A noite caía lentamente, o céu estava meio roxo, meio azul e as luzes dos postes já começavam a acender, o que lançava uma luz engraçada.

A rua em frente ao Goma era bem movimentada e segundo Ian havia um shopping mais acima. Acho que estávamos no centro de Fresno.

─ Por que veio pra cá? ─ perguntou Ian, quebrando o silêncio. ─ Você não é dessa cidade, é?

─ Sou de Decatur ─ respondi, meio desconfortável. ─ Eu vim com a minha mãe pra cá, ela se separou do meu pai.

─ E o seu pai é legal, mesmo depois da separação? Meu pai é com a minha mãe, ele é metalúrgico, mas não sei o que isso significa.

Sei que Ian não tinha feito aquelas perguntas por mal, porque mesmo que ele não pensasse muito na hora de falar (era o que parecia), ele não sabia de nada sobre meus problemas e só queria saber um pouco mais de mim, mas acima disso tudo eu me senti mal.

A culpa era do meu pai. Se ele tivesse sido legal, minha mãe ainda estaria com ele, minha mãe não brigaria comigo, minha família não me odiaria e eu não teria vergonha de falar dele.

─ Na verdade, já está tarde e eu preciso ir ─ desconversei, me levantando rapidamente. ─ Você é legal, Ian. A gente se vê depois.

─ Você é um docinho, Jem.

Deixei ele ali e saí correndo para o elevador, disfarçando as lágrimas quando passei pela Sra. Meyer.

xXxXxXx

Quando cheguei em casa, mamãe e Jo estavam lá, mas não fiquei nem um pouco surpresa com isso, afinal, já eram seis horas da noite. Eu tinha passado quase o dia todo com Ian e nem tinha percebido.

Assim que fechei a porta, a única pessoa ao alcance da minha visão era Jo, jogada no sofá e digitando sem parar no notebook que estava em seu colo.

─ A escola é um lixo ─ disse Jo, no exato momento em que cheguei. ─ Só tem metidos e a diretora é uma vagabunda que não se preocupa com os alunos. É um inferno.

─ Isso quer dizer que você gostou ─ não era uma pergunta.

─ Não podia ser melhor!

Se ela tinha aprovado a escola, então com certeza eu iria odiar, afinal, as chances de eu e Jo gostarmos das mesmas coisas eram mínimas, praticamente nulas.

─ Jem, onde esteve o dia todo? ─ perguntou mamãe, entrando na sala. Ela estava com o cabelo preso em um coque frouxo e estava com o seu avental “mamãe cozinha maravilhas” e isso me lembrou um pouco de Decatur. ─ Eu e Jo chegamos há uma hora e no bilhete você escreveu que só ia dar uma volta pelo prédio.

─ Eu meio que fiz um amigo ─ admiti, um pouco desconfortável. ─ Ian. Do 310.

E como já era esperado, as duas pareceram chocadas com aquilo. Mamãe arregalou os olhos e arfou e Jo parou de digitar, parecendo que ia vomitar.

Acho que nenhuma das duas esperava que eu fosse ser a primeira a fazer amigos, porque nem eu mesma colocava muita fé em mim.

─ Ele é seu namorado? ─ perguntou mamãe, depois de um longo período de silêncio.

─ Ele é bonito? ─ perguntou Jo.

E nenhuma delas era imprevisível.

─ Sim, ele é bonito. E não, não estamos namorando ─ respondi impaciente.

Silêncio.

─ E só na Bananalandia é normal namorar um cara que você acabou de conhecer ─ acrescentei.

Mamãe soltou um “Ah!” e bateu no próprio peito, como se tivesse esquecido algo muito importante e fosse sair correndo para pegar. Jo continuou a prestar atenção.

─ É uma daquelas coisas de jovens que eu não entendo ─ mamãe disse. ─ Vocês estão ficando? Não, espera, hm, de rolo? Colando figurinhas?

─ O que?! ─ perguntei chocada.

─ Que expressões são essas, mamãe? ─ Jo perguntou, tentando conter uma risada.

Mamãe deu de ombros e apontou com a cabeça em minha direção, para que eu respondesse.

─ Ian é legal, mas somos só amigos ─ reafirmei, acrescentando logo em seguida. ─ E, além disso, ele é gay. Tem um namorado, sabe, garoto como ele.

Jo e mamãe se entreolharam.

─ Perdi o interesse.

─ É como se ele nunca tivesse existido.


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Notas finais do capítulo

Feliz ano novo!!



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