Americana Exotica escrita por Shiro


Capítulo 1
Cinzas, despedida e a velha estranha da recepção


Notas iniciais do capítulo

Ola! Bem, esta é a minha segunda original e eu estou gostando muito de escreve-la, espero que gostem dela tanto quanto eu. Comentem e boa leitura!



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XxXxx

Quando minha mãe anunciou que iria se separar do meu pai, eu sabia que iria sobrar pra mim. Não pelo fato de que eu fui a causa do acontecido (eu não fui, por mais que terceiros afirmem que sim), mas sim porque fui a peça chave na decisão.

Digamos que eu sempre estava por perto quando minha mãe reclamava do meu pai. “Ele é egoísta”, “ele é mal educado”, “ele reclama tanto”, “ele é mesquinho” e “ele tem uma mente tão fechada” eram seus argumentos favoritos. Eu sempre lhe dava razão, porque ela estava sempre certa. A questão enorme disso tudo é, se meu pai era um tirano como eu e minha mãe víamos, por que ela tinha casado com ele? Por que tinha tido filhos com ele? Por que tinha se apaixonado por ele? Por quê?

─ A resposta é fácil, Jem ─ respondeu ela, quando fiz essa pergunta, mais ou menos quando eu tinha dez anos de idade. ─ O amor sempre começa lindo, tão lindo na primeira vez que você o prova. Então ele acaba. E acredite em mim, esse momento sempre chega. Ele queima com um calor acolhedor e depois de transforma em cinzas sem mesmo que você se dê conta. Isso pode não fazer sentido para você agora, mas quando você amar alguém dessa forma você vai entender.

Naquele momento, eu realmente não entendi, tudo o que veio a minha cabeça era um coração vermelho em meio a uma fogueira, mas dê créditos a mim, eu não podia entender a profundidade com tão pouca idade. No entanto, eu não precisei amar alguém para entender. Depois que minha mãe se separou do meu pai, eu entendi o que ela quis dizer nas entrelinhas daquela resposta. Meu pai queimou o coração da minha mãe, de uma forma tão violenta que havia desintegrado-o. Cinzas era tudo o que ela tinha.

Sei que estou sendo um pouco injusta, isto é, contando a história da separação deles só pelo ponto de vista da minha mãe, mas eu e meu pai nunca nos demos bem. Não que eu não gostasse dele... Eu o odiava. Ele sabia disso, mamãe sabia disso, Jerry e Jo─ meus irmãos─ sabiam disso, não era um fato que eu ou ele tentávamos esconder.

E o engraçado era que papai era legal com todo mundo, até mesmo com o eBay, meu cachorro, mas exceto comigo. Então caiu a ficha que o problema não era ele... Era eu.

Uma semana depois do meu pai ter saído de casa, mamãe decidiu que eu, ela e Jo iriamos fazer o mesmo, afinal, ela pertencia aos Vektor, e mamãe não queria nada de meu pai, nem mesmo mais seus sobrenome. Por indicação de Lucas, um velho amigo de escola de minha mãe, iriamos para um apartamento legal em Fresno, na Califórnia.

Quando souberam da notícia da mudança, a família de mamãe, os Bradshaw, decidiram fazer uma festa de despedida para nós. Na tal festa, que mais parecia um velório, ficou claro que todo mundo, de certa forma, me culpava pelo divórcio. E não pensem que é arrogância minha dizer isso, eu ganhei pistas bem óbvias da opinião dos meus familiares. Olhares malévolos e cumprimentos de despedida carinhososque não foram dirigidos a mim.

E enquanto deixávamos Decatur para trás e partíamos para o aeroporto, percebi que aquele foi o meu adeus meio insignificante à minha cidade natal, o único lugar que eu conhecia.Ou como eu prefiro me lembrar, a saudosa e esplendida despedida de Jemima Anne Vektor do seu ninho. Diretamente para a queda do precipício.

xXxXx

As razões da minha mãe ter aceitado a proposta do tal Lucas são tão desconhecidas quanto as razões de todos os nomes dos seus filhos iniciarem com "J". Mas, sejam quais fossem as razões, ela tinha acertado na escolha. Fresno era mil vezes maior que Decatur e parecia ser melhor também.

Quase vinte minutos depois de termos saído do aeroporto, entramos na garagem de um prédio enorme, todo em branco e azul. Pela janela vi que havia uma placa de mármore na entrada, onde estava escrito em letras douradas "Residencial Goma"

─ Parece ser um lugar legal ─ comentei, quando mamãe estacionou em uma das vagas.

─ É, bem, Lucas disse que era um lugar legal ─ murmurou mamãe, ao meu lado, enquanto tirava a chave da ignição. ─ Vamos ver se é... Jo, será que dá pra largar esse celular só por um segundo?

Mesmo sem olhar, eu sabia que a minha irmã tinha feito careta no banco de trás porque isso era bem a cara dela. Josephine era minha irmã mais nova, sempre teve tudo o que queria, ou pelo menos bem mais do que eu e Jerry tivemos, então eu presumia que mamãe continuaria gritando com ela e mesmo assim Jo não iria largar o seu bem mais precioso tecnológico.

A recepção do Goma era o que podíamos chamar de “A sala de espera para a morte”. Era tão simples quanto uma recepção poderia ser: paredes brancas impecáveis, um sofá preto, uma mesinha de vidro onde repousava um vaso de (como gosto de chamar) cor amarelo-vômito que continha rosas vermelhas murchas, um quadro intrigante atrás do sofá e, por fim, uma mesa de mogno belíssima onde uma senhorinha de aspecto simpático nos esperava sorrindo.

─ Vocês devem ser as Vektor, hum? ─ indagou a senhorinha, apertando a mão de Jo e logo após a minha. ─ Sou a Sra. Meyer, recepcionista.

─ Sim, somos as Vektor ─ mamãe disse com certo asco, apertando a mão da senhora. ─ Preciso das chaves do apartamento 311.

─ Claro, claro, vou pegar ─ riu a Sra. Meyer. ─ Está escondidinho ali atrás.

A Sra. Meyer uniu suas pequeninas mãos murchas, soltou uma risada estranha e nos lançou um olhar sombrio antes de nos dar as costas e ir procurar a chave em um armário marrom atrás de sua mesa. Troquei um olhar com mamãe e pude perceber claramente que ela pensava a mesma coisa que eu: macabra.

Logo a Sra. Meyer estava de volta e entregou a chave, que tinha um chaveiro retângulo de plástico verde com o número 311 em prata, para a minha mãe. Nos desejou um “boa sorte” meio cantarolado e percebemos que era nossa deixa, então saímos.

xXxXx

E vamos ao grand finale: como o apartamento era. Não tinha nada de esquisito, diferente ou exótico, tinha tudo o que um apartamento normal tinha: uma sala/cozinha, um banheiro e três quartos. Ah, e a melhor parte de todas era a enorme varanda da sala, que a julgar pelo nosso apartamento ser só no terceiro andar, tinha uma vista legal.

Realmente achei que haveria uma luta sangrenta para ver quem escolheria o quarto primeiro, mas mamãe (a adversária duvidosa/suspeita) foi abrindo as janelas e se ocupou com a varanda, enquanto Jo (a adversária em potencial) se jogou no sofá e não desgrudou seus olhos do celular.

Era muito estranho que eu pudesse escolher o que eu queria primeiro.

Hesitante, peguei minhas três malas e segui pelo corredor que dava aos quartos, dando um passo de cada vez, como se o FBI fosse invadir o apartamento a qualquer momento com milhares de armas apontada para a minha cabeça, eu tivesse que erguer as mãos, encostar o corpo na parede e gritar “você vai me pagar, América” apesar de eu ser americana.

Isso não aconteceu, é claro, e nem precisei escolher muito o quarto que eu queria. Não digo que foi a primeira porta que eu abri, pois esta foi a do banheiro, mas quando abri a segunda já sabia que aquele seria meu quarto. Ele era de um tamanho médio, tinha uma cama de casal encostada na parede, com uma enorme prateleira presa na parede logo acima, um guarda-roupa pequeno, uma escrivaninha, um criado mudo. E o melhor de tudo era que a parede que ficava de frente para a porta era toda de vidro, como uma big janela. Era o maior barato.

Deixei todas as minhas malas em cima da minha cama e fui para a sala, onde Jo ainda continuava no mesmo lugar e mamãe estava ajeitando as coisas na cozinha.

─ Você vai ficar vegetando aí ou o que? ─ perguntei à minha irmã, me sentando no único espaço do sofá que estava livre, pois ela estava deitada

─ Não enche, babaca ─ resmungou ela, dando um chute bem dado nas minhas costelas que me fez cair no chão encolhida. ─ Ah, e eu quero o seu quarto. Afinal, ele é o único da casa que tem uma parede de vidro.

─ Você vai precisar me matar primeiro ─ gemi, pois estava doendo onde ela tinha me batido. ─ O quarto é meu, eu vi primeiro.

─ Eu vi depois mas eu posso escolher, você não ─ resmungou ela, de volta. ─ Aquele quarto vai ser meu.

─ Olha aqui, Jo...

Apoiei-me na mesinha de centro, e minha mão sem querer derrubou um porta-retrato. Peguei ele, enquanto me levantava, mas não completei a frase que iria dizer para a minha irmã porque fiquei chocada com a foto que estava ali. Era uma foto do meu pai.

Lancei um olhar para mamãe e ela deve ter reparado que eu ia dizer algo pois abriu um sorriso enorme e se virou para a minha irmã.

─ Olha só, Jo, o quarto da sua irmã tem uma parede de vidro, mas sei que tem um que tem um closet lindo, você pode pegar se quiser ─ disse ela. ─ Porque não vai dar uma olhada?

Jo, pela primeira vez naquele dia, desligou o celular, colocou de qualquer jeito no bolso traseiro do seu jeans da Diesele se levantou do sofá.

─ Pode ser, mas se eu não gostar... Quero o dela ─ disse, cruzando os braços. Eu sabia que ela não iria querer mais o meu porque a parede de vidro até podia ser legal, mas para ela um closet era muito melhor.

Assim que ouvi uma porta bater, lancei um olhar venenoso para mamãe. Eu simplesmente não conseguia entender porque ela tinha uma foto daquele cara ali, na nossa nova casa.

─ Jem... olha...

─ Não quero olhar nada! Principalmente pra cara desse idiota! ─ gritei, sacudindo a mão com o retrato. ─ Depois de todas as coisas horríveis que ele fez, você ainda quer ter uma foto dele aqui?

Mamãe abaixou a cabeça e eu simplesmente não compreendi. Ela tinha acabado tudo, ela chegou nele e falou que não queria mais nada, ela tomou a decisão e agora estava ali parecendo envergonhada.

─ Gosto dessa foto ─ sussurrou ela, ainda olhando para o chão. ─ Eu mesma tirei quando estávamos namorando no colegial. Me lembra de quando ele ainda era um bom homem.

─ É, só que você consegue se lembrar que esse cara é o mesmo que chegava tarde em casa depois de beber quase o bar todo, o mesmo que me desprezada, o mesmo que batia em você? ─ contra ataquei, mesmo sabendo que era golpe baixo. ─ Mamãe, você é muito melhor que ele e sabe disso.

─ Ele ainda me ama ─ murmurou ela, tão baixo, que parecia quase que inaudível.

─ Ah, claro! Tanto que quando você pediu o divórcio a única coisa que ele fez foi sorrir e... ─ hesitei, sem estar mais irritada como antes. ─ E disse...

“... Estou aliviado de não precisar mais olhar para cara de vocês”, completei em minha mente, porque eu não tinha esquecido o momento que ele disse aquilo. Por mais que eu não gostasse dele, senti a dor de mamãe e até mesmo a de Jo por ouvirem o que ele disse.

─ Me desculpe, Jem ─ disse mamãe, agora olhando para mim. ─ Você tem razão.

Não falei nada, apenas olhei para o retrato. A foto era de um garoto de dezessete anos, moreno, de olhos cinzas, todo bonitão. O meu pai. Em matéria de aparência, Jerry era o único que tinha o cabelo castanho igual ao do meu pai, eu e Jo éramos loiras, assim como mamãe, mas os dois tinham os olhos azuis dela. E eu tinha os olhos dele, cinzas como uma tempestade de relâmpagos, e tinha a maldita boca dele, o mesmo sorriso irônico.

Dei um último suspiro antes de pegar o retrato de Yan Vektor e jogar pela janela da varanda, ouvindo o barulho do objeto se quebrando lá em baixo. Mamãe não falou nada. Eu também não, talvez porque palavras, naquele momento, não fossem necessárias.


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Notas finais do capítulo

E aí o que acharam?? Até a próxima!



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