Saga - The Alphas Pack escrita por Matheus Henrique Martins


Capítulo 1
Pandora Box


Notas iniciais do capítulo

Gente, boa leitura viu?



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Naquela tarde de terça-feira, Rafael Capoci colocou as mãos dentro do short jeans cor de mel em evidente sinal de desconforto na situação em que se encontrava. Lá estava ele, no palco do anfiteatro do colégio Vallywood, encarando o corpo estudantil completo – e o corpo estudantil completo encarando ele.

É claro que Rafael já tinha se preparado para aquele momento antes. Mais de trinta minutos praticando no espelho as falas do seminário que ele não deveria estar fazendo sozinho. O papel com suas falas mais do que amassado no bolso de trás do short. Mesmo com Marta Joane, sua amiga fiel e sua parceira no seminário, faltando por problemas médicos, ele sempre tinha outros amigos com quem contar.

Tudo bem que Vick Melo nem sequer estava olhando na direção dele, com um olhar de confiança que tinha prometido dar. E sem problema que as Camillas (sim, duas Camila Polli e Camila Alves) estavam ambas com os fones de ouvidos enormes, ouvindo uma Anaconda da Nicki Minaj bem alto. E Rafa tinha certeza que logo, logo os bobos Lucas Henrique e João Victor iam parar de rir dele sem motivo nenhum. Talvez até mesmo Luciano fosse parar de ficar chapado e prestasse atenção e Shaay Bueno poderia também parar de ficar mexendo no celular.

Rafael de repente sentiu o ódio e a frustração subirem na veia. Por que a escola tinha que ser tão entediante? Por que a maioria dos alunos tinha que ser tão sem noção? Por que vinham pra escola afinal? Por que a escola devia ser tão desagradável?

Sentindo que estava prestes a perder o controle, Rafael respirou fundo e olhou para o alto, buscando inspiração. A escola podia ser uma droga e os alunos podiam torna-la ainda pior, mas Rafael era melhor que isso. Ele sabia que era.

De repente, uma risadinha aguda soou na primeira fileira. Rafa dançou os olhos pela frente e flagrou Rael Coelho, seu ex-namorado há dois meses, cutucar provocativamente um de seus amigos. Rael flagrou o olhar dele e nem sequer disfarçou a cara de deboche.

– Que foi? – ele provocou, alto o suficiente para ele ouvir. – O gato comeu sua língua?

Rafael balançou a cabeça com a piada mais velha que tinha ouvido, pensando nas cem coisas que poderia ter dito, coisas que sabia sobre seu ex que ninguém sabia e, que se soubessem, passariam a olhá-lo não apenas como mais um gay da escola.

– Não liga pra eles.

Rafael franziu a testa e olhou para trás, em meio a uma abertura das cortinas. Um par de olhos verdes o encarava com incentivo.

– Valeu, Roberto.

Roberto Borges era um cara alto do time de natação. Rafael e eles tinham aula de física toda sexta.

Roberto agora sorria enquanto Rafa se virava de novo para os alunos sentados nos bancos preguiçosos de veludo. Tomando uma respiração profunda, ele citou mentalmente: Eu consigo.

– Olá, meu nome é Rafael Capoci e é com grande prazer que eu quero informar a todos vocês a nova grade de aulas para o novo semestre dos alunos do último ano.

Enquanto ia citando as aulas que decorara tantas vezes no fim de semana, deixando fluir com um tom de voz normal porém audível, Rafael foi sentindo a confiança crescer em si mesmo ao ver os olhares orgulhosos de alguns de seus professores no meio da plateia.

Esse era o pequeno preço a se pagar por ser membro do grêmio estudantil, Rafa pensou, um pouco de nervosismo de palco. A direção da escola tinha colocado os olhos nele desde o seu primeiro discurso no começo do ensino médio, quando ele levantou a mão para ler um texto na frente de todos. Naquele mesmo anfiteatro.

Mas agora ele estava no último ano do ensino médio, ele não tinha mais medo de palco ou o costumeiro gaguejo que se intrometia no meio de uma frase. Ele agora ia bem, adorava anunciar os recados da manhã.

E então, de repente, enquanto pulava para outro tópico, Rafa sentiu uma pontada na cabeça.

Ele parou de falar na mesma hora e piscou duas vezes para a plateia na sua frente. Seu crânio ainda doía de dor quando ele se agachou para pegar o objeto que tinha sido lançando contra ele.

Uma... bolinha de papel.

Avaliou os estudantes, vendo como agora tinha uma cacofonia inconstante e as vozes estavam mais altas do que antes. Alguns alunos riam dele e outros simplesmente olhavam por sobre o ombro, tentando ver quem tinha sido.

Rafa fechou a mão sobre a bolinha, com raiva. Não, a bolinha não tinha doído nada, mas ele se sentiu afetado por um momento, por um cansaço infernal e uma frustração ridícula. O que diabos eu estou fazendo aqui? , ele se perguntou.

Ouviu a risada de Rael mais uma vez, que dessa vez se debruçava sobre os joelhos de tanto rir, e, sem pensar duas vezes, levantou a mão com a bolinha.

– Capoci, não! – ladrou o Sr. Ávila, monitor e professor de Ed. Física.

Rafa franziu o cenho, checando se ele estava falando sério.

– Mas professor... – ele parou no meio da frase, lançando um olhar especulativo para o resto do corpo estudantil.

– Sem mais! – o professor o repreendeu, a veia subindo pelo pescoço.

As risadas ficaram ainda mais altas e logo todos olhavam para Rafael e logo ele pensou que cedo ou tarde ia começar a ficar vermelho. Mas... ele não ficou. De repente Rafael nunca se sentiu sem vergonha com o que ia dizer para os alunos, para os professores, para os que se diziam amigos, para os idiotas e para todos:

– Vão se foder! – ele gritou, ficando com a voz por cima de algumas vozes. – Vão se foder, todos vocês!

– Capoci...

– Vai se foder você também! – ele grunhiu, exasperado enquanto ia descendo pelas escadas laterais.

Ele começou a andar em direção pela a saída que levava até o estacionamento, sentindo muitos dos olhares fuzilarem suas costas. Mas também podia ouvir algumas das risadas, e também as lamentações de alguns professores, ele provavelmente não voltaria a ser do conselho do Grêmio tão cedo.

Antes de sair, ele ouviu alguém chama-lo, mas não se virou nem uma vez.

Mas do lado de fora, no estacionamento, a última coisa que ele pensava era nas consequências. Ele só queria... quebrar algo. Morder um ou dois travesseiros, quebrar alguma janela com o punho, chutar a pequena caixa estranha parada no chão, ou até mesmo...

Rafa então parou por um segundo, olhando para abaixo dele. A caixa. Era de uma cor de madeira, parecia feita de madeira e tinha um símbolo encravado no que parecia ser a tampa. Ele se abaixou para pegar a caixa e passou um dos dedos sobre o símbolo formado por três espirais entrelaçadas, se perguntando que símbolo era aquele.

Vendo que a caixa tinha um tamanho semelhante a um daqueles potes de sorvete que seu irmão mais novo Rogério, sempre costumava pedir quando eles saiam juntos, ele olhou a pequena linha divisória entre a tampa e a caixa, se perguntando o que tinha dentro.

Sem mais delongas ele começou a girar a tampa, que fez um som enferrujado enquanto afrouxava. Ao terminar, ele largou a tampa da caixa no chão e olhou para o conteúdo dentro.

E então, ao olhar bem no fundo da caixa, ele apertou os olhos e achou um incrível... nada.

Rafa meio que sacudiu a caixa, mas nada se remexeu dentro. Colocou a mão dentro, mas só encontrou a resistência de madeira no fundo, sem nem mesmo um fio de teia de aranha daqueles que encontramos em coisas velhas.

– Que merda... – ele moveu a caixa de cabeça para baixo, esperando que algum escorpião saísse voando dela.

Com o acontecimento de antes quase sendo esquecido da sua cabeça, ele pensou em voltar para escola dentro antes que o sinal...

– Não se mexa.

A voz que falou atrás de Rafa era séria e ele podia sentir o hálito do sujeito soprar em seu cabelo. Seus pelos da nuca reagiram quando ele sentiu algo quente em suas costas.

Ele pensou que fosse uma coisa, mas sentiu o estranho se aproximar mais.

– Não se mexa – ele repetiu. – Ou eu mato você sem pensar duas vezes, entendeu?

Rafa gostaria de responder, mas o bolo que prendia sua garganta não lhe permitiu nem abrir a boca.

– Você me ouviu? – o sujeito pressionou mais a coisa quente em suas costas enquanto Rafael respirava fundo, confuso entre medo e uma outra coisa.

E então, enquanto o sujeito parecia se aproximar mais, sons de passos rápidos chegaram por trás deles e ambos se viraram.

Um garoto e uma garota, ambos de cabelos escuros, chegaram no estacionamento, parecendo apressados. O cabelo da garota balançando, a testa do garoto alto brilhando de suor.

O olhar dela foi direto para a caixa.

– Mas o que?! – ela guinchou e olhou de Rafael para o sujeito. – O que diabos aconteceu aqui?!

E então o sujeito, o que estava bem atrás de Rafa, se virou para ele, fazendo a pressão dele subir.

– Foi ele – disse, medindo o com os olhos.

Mesmo sentindo o medo ficar maior, Rafael conseguiu perguntar:

– Eu o quê?!

– Você o fez – a garota o fitou. – Acabou de liberar a destruição do mundo.

Rafa Capoci piscou enquanto engolia em seco ao ouvir as palavras daquela garota. O céu daquela tarde continuava de um azul perfeito, os carros ainda passavam em frente à rua da escola, o ar soprava de um jeito suave no cabelo dele e ele ainda podia ouvir o som de vozes dentro da escola. Tudo ainda parecia normal.

Então por que a garota na sua frente dizia que ele tinha acabado de liberar a destruição do mundo?

– Destruí o... que? De que merda você esta falando? – ele perguntou, dando uma boa olhada para ver se a garota era louca.

Tinha cabelo moreno comprido, olhos verdes felinos e era magra, mas não esquelética. Era o tipo de corpo que uma bailarina gostosa tinha, Rafa tinha que admitir, mesmo ela não fazendo o tipo dele.

– A caixa – a garota apontou para o objeto no chão.

Rafa deu de ombros.

– E daí? É só uma caixa, não é?

Ela parecia estar prestes a responder, mas trocou uma olhada séria com o outro moreno, que pairava logo atrás dela.

– Não conte, Andressa – ele avisou com uma voz rouca.

Rafael franziu o cenho quando ela se encolheu com o aviso.

– Eu não entendi, é só uma caixa...

– Não, não é.

Quem tinha falado era o sujeito que estava atrás dele antes, Rafa ainda podia ver na sua mão o objeto prateado nas mãos dele, cintilando - Era uma faca estranha de ponta reta. E então ele olhou seu agressor, e sentiu as mãos tremerem, mas não por medo.

O cabelo era de um arrepiado loiro brilhante e lindo, os olhos pareciam azuis, mas Rafa podia ver um tom verde se insinuar na cor, deixando seus olhos frios e enigmáticos. Não era magro e tinha músculos definidos nos braços, nas pernas e no abdome debaixo da camiseta cinza.

– Fernando – o outro sujeito o chamou pelo nome.

– O que? – o de cabelo lindo se virou para ele.

– Não conte nada, ele é... – ele parecia dizer algo, mas parou de propósito, fitando Rafa com seus olhos castanhos.

Fernando apenas o olhou de volta e Rafa sentiu um surto de curiosidade. O alto parecia de alguma forma mandar neles. Será que eles eram irmãos? Ele com certeza parecia mais velho. Era o mais encorpado, com músculos ainda mais definidos que Fernando, mas tinha uma pele pálida e um cabelo curto bem preto que, ao contrário do da garota, não tinha nenhum brilho. Seu queixo era a parte mais atraente do rosto, com uma barba por fazer bonita.

– Mas ele abriu a caixa, Eduardo – Fernando falou, depois de um tempo. – Ele deve saber de alguma coisa.

Andressa sibilou.

– Só porque ele abriu a droga da caixa não significa que ele saiba de algo sobre ela – ela retrucou, parecendo perigosa.

– Acha que alguém comum abriria a caixa? – perguntou, tenso.

Eduardo suspirou de frustração, parecendo contrariado.

– Não foi isso que quis dizer – Andressa respondeu, elevando a voz. – E eu o acho bem comum.

– Acha? – Fernando riu sem nenhum humor. – Então me explica como alguém normal iria abrir a caixa!

Rafael levantou a mão, todo desconcertado com aquele papo de normal e comum. Se eles usavam aqueles termos, provavelmente não batiam bem da cabeça.

– Olha, não quero me intrometer nisso – ele se agachou pegando a caixa na mão. – Podem ficar com a caixa para vocês.

Eles o olharam de um jeito estranho, como se ele fosse de outro planeta. Fernando, principalmente, olhava fixo em sua mão erguida.

– É de vocês, não é? – ele perguntou quando teve certeza que não responderiam.

– Eduardo, me escuta – Fernando o ignorou, voltando-se ao amigo. – Ele conseguiu abrir a caixa, nós temos que fazer alguma coisa.

– Tipo o que? – Andressa se intrometeu, irritada.

Fernando a encarou com seriedade.

– Levar ele até a Anna.

Os dois reagiram com um arquejo quando ele disse. Eduardo parecia mais irritado que nunca e Andressa parecia ter nunca visto uma cena tão absurda na sua vida. Rafael achava ainda mais absurdo ainda, com o jeito simples que ele o insinuou.

– Me levar aonde? – ele questionou, elevando a voz. – E quem diabos é Anna?!

– Você não devia ter falado nela – Eduardo disse. – Não com ele aqui – acrescentou, com um olhar venenoso para Rafa.

Fernando não reagiu de nenhuma forma, parecendo levemente calmo, como se tudo estivesse sobre controle.

– Eu tinha que dizer – ele se defendeu. – Ou você não iria considerar minha ideia.

– Claro que não ia – Andressa grunhiu. – É uma ideia idiota!

Fernando a ignorou completamente.

Rafael começou a bater o pé com impaciência, a mão erguida começando a formigar. Pelas janelas altas do anfiteatro ele podia ver algumas coisas na escola, ouvia as vozes falando todas ao mesmo tempo.

Voltando os olhos aos estranhos, Fernando encarava Eduardo, esperando ele ceder sua ideia - que não fazia nenhum sentido a Rafa, uma vez que ele não sairia dali antes que a aula terminasse – com Andressa encarando os dois de forma indignada.

Rafael trincou os dentes.

– Que tal acabarmos logo com isso? – ele andou até Eduardo e tocou a caixa em seu peito forte. – Pode pegar isso, eu não tenho qualquer interesse.

Por um segundo, nenhum deles mal piscava na direção dele. Até que Andressa se moveu como uma leoa na direção dele, o empurrando para trás, o punho magro pressionado contra o pescoço dele.

Fernando e Eduardo permaneceram imóveis, apenas olhando, como se estivessem vendo um anuncio repetitivo do Youtube.

– Escuta aqui, seja lá quem for você! – ela falou numa voz ameaçadora. Olhando para baixo pela primeira vez, ele notou que ela segurava algo prateado contra seu pescoço. – Eu não sei quem você é e não tenho a menor ideia de como conseguiu abrir a caixa, mas – ela apertou mais o objeto pontudo, fazendo Rafa engolir em seco. - ... sugiro que fique na sua.

Ela disse as duas últimas três palavras devagar, como se cada uma delas levasse a ponta para mais perto dele. E então se afastou de volta aos garotos, ainda com o objeto fino e pontudo nas mãos. Parecia uma agulha gigante.

– Você não precisava fazer isso – Eduardo comentou, olhando para Rafa com desprezo. – Agora vou ter que ser obrigado a fazer algo a respeito.

Rafa se preparou para mais um ataque rápido, mas Fernando riu, parecendo feliz ao dar um sorriso cheio de malicia.

– Você quer dizer que vai ter que aceitar minha ideia, não é?

Eduardo o olhou com raiva, mas Andressa continuava com os olhos em cima dele. Rafa não estava mais entendendo nada, seu medo e sua confusão estavam tão perdidos quanto nunca, oscilando a cada instante.

Quem eram aqueles estranhos? Pareciam ter a idade dele, mas carregavam facas. Será que eram de alguma gangue? Rafael olhou bem suas roupas, desde a camiseta cinza e apertada de Fernando até o jeans escuro bem comum de Andressa. Bom, se eram psicopatas, ao menos se vestiam bem.

Eduardo então pareceu tomar alguma decisão enquanto se afastava dos dois e olhava para Rafa com os olhos castanhos. As bolinhas dentro dos olhos pareciam maiores do que o normal e parecia haver algo de novo em sua expressão irritada.

– Escute bem – ele começou. – Você vai voltar por onde veio, entrar dentro da sua escola e esperar até todas as aulas do dia acabar. E então, quando chegar a hora da saída, você vai nos esperar do lado de fora. Eu não quero que você demore demais ou saía muito rápido, muito menos quero que você tente fugir de nós. Se tentar alguma gracinha, nós saberemos e vamos atrás de você.

O alerta parecia tão real que Rafa não conseguia nem se mexer. Atrás de Eduardo, Andressa o olhava também, tornando a ameaça mais real ainda.

– Estamos entendidos? – ele disse e Rafael pulou de susto.

Não sabendo bem como reagir, ele assentiu rapidamente, lançando um olhar para Fernando logo atrás. Não parecia mais tão satisfeito e tinha um certo olhar nervoso no rosto.

Só depois de um segundo Rafa se tocou que ele estava olhando na direção dele.

– Você pode ir agora – Andressa o acordou do transe.

Com cautela o suficiente, ele se virou para os três estranhos e andou normalmente – ou pelo menos tentou, suas pernas tremiam demais – até as portas do anfiteatro.

Ao passar pelas portas duplas, ele mal olhava nada a sua frente, um torpor imenso tomando conta de sua visão, deixando ela toda embaçada.

Até que trombou no pé de alguém e foi lançado para a frente. Esperou pelo momento em que iria cair no chão, mas duas mãos o seguraram pelo ombro. Em reflexo, ele segurou nos braços da pessoa, antes de subir o olhar e ver quem era.

– Você esta bem?

Era Roberto. Os olhos verdes sondavam seu rosto, cheios de uma preocupação mal disfarçada. Seu rosto estava tão próximo que Rafael podia respirar seu cheiro de pasta de dente e sentir seu hálito refrescante.

– O que você esta fazendo aqui? – Rafa logo se endireitou e se afastou dele.

– Eu... – Roberto se endireitou também, parecendo se livrar de um transe. – Eu estava indo ver como você estava. Depois do que aconteceu agora a pouco eu... eu não podia te deixar sozinho.

Rafa respirou fundo e estava prestes a agradecer, mas então pensou melhor. Ele tinha acabado de dopar com três estranhos e todos eles o tinham atacado, um apenas verbalmente, é claro.

Estava apavorado e extasiado ao mesmo tempo.

– Por que não podia? – ele questionou, se forçando para tentar não ser gentil.

– O que?! – Roberto arquejou.

– Por que não podia me deixar sozinho? – ele repetiu.

Roberto franziu o cenho, mas suas bochechas coraram, contrariadas.

– Er... eu deveria?

Rafa deu de ombros, se sentindo decisivo.

– Você poderia ter me deixado sozinho, talvez eu precisasse espairecer a cabeça um pouco.

Roberto assentiu surpreso, como se realmente tivesse que ter pensado em algo assim antes.

– É, tem razão – ele sorriu parecendo envergonhado. – Eu deveria ter pensado nisso.

Rafael sorriu de volta, achando graça na preocupação do amigo incomum. O que era para ser apenas uma dupla na aula de física realmente tinha progredido para uma amizade duradoura. Ele sempre falava com ele no corredor e, mesmo quando Rafa estava longe, sempre se certificava de dar um tchau antes de ir embora.

– Deveria – Rafa concordou. – Então... er, nos vemos por ai?

– Ah, sim, sim. Nos vemos por ai.

Rafa se despediu e então passou por ele para encarar a multidão, tentando manter os olhos baixos com a cabeça erguida ao passar por eles para ir embora. Mas quando dopou com um par irritante de saltos azuis-claros, logo se arrependeu de ter dispensado Roberto tão cedo.

Taffara Kauane se encontrava na sua frente, impedindo seu caminho com seu pelotão de clones de amigas. O cabelo preto cacheado e sedoso se destacava entre as duas loiras que a seguiam.

Rafa respirou fundo quando ela lhe deu um sorriso grande e começou a bater palmas loucamente, os olhos escuros apertados e ameaçadores.

– Bravo, bravo! – ela juntou as duas mãos, parando de aplaudir. – Maravilhoso discurso, Rafa!

Ele revirou os olhos, procurando qualquer ponto de foco. Não muito distante, Rael o encarava de novo, mas não ria, apenas encarava Taffara com irritação.

– Taff, que bom te ver – ele fingiu um bocejo enquanto a encarava de volta. – Obrigado pelas palmas, aliás. Você realmente deveria ficar mais vezes na plateia, iria se destacar.

Ela riu falsamente, levando à mão a boca enquanto ajustava a alça da mochila.

– Ah, nós dois sabemos que eu sempre me destaco – ela roçou os peitos grandes num gesto sutil ao olhar parar de rir. – É só uma pena que você não olha isso porque gosta.

Rafa a olhou sem nenhuma expressão.

– Isso é alguma indireta sobre eu ser gay? – ele rebateu. – Porque eu não me importo com o que você fala, eu sou gay mesmo, todo mundo sabe disso, até mesmo meus pais, pode contar para o mundo todo eu não ligo.

Taffara sorriu ainda mais, os olhos piscando de forma inocente.

– Calma, garanhão, isso não foi nenhuma indireta para a sua opção sexual, você sabe que não é isso que me incomoda em você, não sabe, Rafa?

Ele engoliu em seco, aceitando mais outra alfinetada.

– Pelo menos não isso – ela sibilou.

Rafa tentou não tremer enquanto abria a boca para falar.

– Eu já te disse Taffara, o que aconteceu entre eu e o seu namorado foi um...

– Ah, me poupe – ela ainda sorria, mas tinha uma dureza na voz. – Acho que eu e você já nos acertamos com as desculpas inúteis, não? Nada vai mudar o que você fez.

Ele desviou os olhos dela outra vez, ainda ciente de Rael o olhando com pena. Se sente tanta pena por que não vem me ajudar, droga?, ele queria dizer ao olha-lo de volta.

– Mas não se preocupe com mudanças ainda – Taffara voltou a falar, chamando sua atenção. – Ou apenas com a sua, porque eu vou fazer queeeeeestão que ninguém esqueça tão cedo seu pequeno episódio de crise lá no palco.

Ele sabia que devia se sentir intimidado, mas de repente a memória dos três estranhos evocou uma raiva incomum nele. Por que ele não bateu de frente com os três?

Agora ele tinha certeza que podia ter lidado com os estranhos, mesmo eles estando em maioria ele tinha certeza que ao menos um cairia nessa briga com ele.

– Que seja, Taffara – ele respondeu, inconscientemente. – Você é patética.

A garota reagiu tão surpresa aquilo que seu sorriso falso não durou muito em seu rosto quase perfeito. Aproveitando o surto de coragem, ele saiu andando, deixando ela parada no meio de suas amigas enquanto o sinal tocava alto em toda a escola.

Quando chegou a hora da saída, Rafa saiu ao lado de seu amigo Lucas Henrique, escutando seu falatório desde que tinham saído do prédio dois na aula de História.

– Eu só não sei como não conseguimos dormir na aula dela – ele reclamava. – A professora fica lá, falando e falando enquanto somos obrigados a sentar naquela cadeira maldita, enquanto vamos pouco a pouco caindo no sono em plena sala de aula!

– Uhum, é – Rafa concordou, sem vontade. Sua atenção estava toda no estacionamento da escola que virava a esquina.

Por enquanto ainda não tinha nenhum lampejo de um cabelo loiro lindo e uma camiseta cinza ou de algum trio de pessoas com roupas bonitas e armas afiadas. Rafa estava começando a duvidar daquilo tudo.

Talvez tenha tudo sido um blefe, talvez eles tivessem ido embora ou, quem sabe até, ele tenha imaginado tudo aquilo. Quase acreditou nisso, até que a memória de Fernando atrás dele o deixava bem nervoso...

– E eu sei que você vive dizendo que temos que nos importar em não repetir de ano e que somos nós quem fazemos a nossa própria nota, mas eu acho isso muita baboseira.

– E eu também – Rafa concordou, afastando a preocupação. – Mas o que você quer fazer? Repetir de ano?

– Claro que não! – o amigo negou. – Mas é que...

– Esse é o X da questão – ele o interrompeu. – Não existe mas. Ou você passa ou você não passa.

Lucas o encarou e então deu de ombros levemente.

– Eu ia dizer que eu acho que todos temos escolha.

Rafa encarou o amigo com intensidade, parando para pensar em suas palavras e se arrependo de uma vez em ter ignorado parte da conversa. Lucas podia ser o que mais falava dos dois, mas em parte tinha um pouco de razão nas coisas em que falava.

De repente, Rafa sentiu uma necessidade de desabafar com ele, de contar a ele o quanto aquele dia estava sendo louco e...

– RAFA!

Os dois olharam para a frente e Rafael sentiu um súbito frio na espinha ao reconhecer o cabelo preto comprido e os olhos verdes felinos. Andressa andava na calçada, na direção dos dois, com um sorriso muito forçado no rosto.

– Rafa, sou eu, Yanca! – ela pulou na frente, de um jeito exagerado. – Se lembra de mim, não?

Ele olhou de esguelha para Lucas, que parecia perdido, mas também admirado ao olhar Andressa. É claro que ele não tinha como ele perceber o quanto apavorado ele estava.

Ele se virou para Andressa, que continuava sorrindo forçadamente, a ameaça por trás da máscara.

– É, lembro sim – ele engasgou. – Essa é a Yanca, Lucas. Yanca esse é meu amigo, Lucas.

– Muito prazer – Lucas sorriu para ela, sem piscar.

– Muito prazer, Lucas – ela sorriu de volta, lançando um olhar para Rafa, parecendo admirada com sua capacidade de improviso.

– Então – Lucas olhou para Rafa, relutante. – De onde vocês se conhecem? – Então, de onde você conhece ELA?!, era mais o que ele queria dizer.

Andressa deu um murro de “brincadeira” – tinha doido sim – no ombro de Rafa, dando mais um gritinho exagerado.

– Você não contou para ele?! – ela arregalou os olhos.

– Não contei o quê? – ele grunhiu de volta, ainda bravo por conta do soco.

– Me contar o que? – Lucas franziu o cenho.

– Ué – Andressa deu de ombros. – Que nos conhecemos semana passada, naquela boate.

– Boate? – Lucas repetiu.

– Nos conhecemos lá? – Rafa seguiu o exemplo.

– Siiiim, seu bobo – ela colou os dentes em um sorriso. – Na boate. E depois nós dois fomos aquele motel no fim da rua, esqueceu?

Rafa quase enrubesceu de vergonha com o olhar de Lucas nele.

– Motel? – ele repetiu. – O que diabos vocês dois estavam fazendo em um motel?

– Lucas, bobinho – ela riu alto para ele. – Não seja tão pervertido!

Ele a olhou como se fosse louca enquanto Rafa suava por fora e por dentro.

– Pervertido por quê? – ele se virou para Rafa. – Você mudou de lado de novo?!

Agora era a vez de Andressa ficar confusa.

De novo? – ela o mediu, parecendo surpresa.

– Vocês ficaram por culpa de alguma aposta? – Lucas foi logo dizendo. – Porque eu acho que um gay como ele só ficaria com você sobre pressão.

Andressa ficou surpresa e ofendida ao mesmo tempo, perdendo o papel de garota estridente por um segundo. Mas logo ela se recompôs e bateu o cabelo na direção de Lucas.

– Quem disse que eu não sou?

A boca de Lucas ficou entreaberta.

– Eu certamente não – ele disse apressado.

– Que seja – ela se virou para Rafa, parecendo decidida. – Você também esqueceu de avisar a ele aonde vamos?

Rafa sentiu uma náusea repentina.

– Aonde vocês vão? – Lucas foi logo dizendo. – Eu posso ir também?

Andressa dessa vez o encarou e Rafa logo sacou tudo. E então, quando chegar a hora da saída, você vai nos esperar do lado de fora. Eu não quero que você demore demais ou saía muito rápido, muito menos quero que você tente fugir de nós. Se tentar alguma gracinha, nós saberemos e vamos atrás de você.

Trincando os dentes por dentro ele se virou para o melhor amigo.

– Desculpa, Lucas, não vai dar – sua voz tremeu. Se ele não fosse com ela algo poderia acontecer a Lucas também?

– Ah, cara, sério? - ele o olhou ofendido. – Vai mesmo me deixar ir embora sozinho hoje? Não pode nem fingir que me convidou pra ir também?

– Não cara, realmente... - Estamos entendidos? – É realmente algo que eu já tinha planejado. Mil desculpas.

Lucas o olhou como se não acreditasse que ele estivesse dizendo aquilo. Olhava ele com uma raiva e uma traição que quase fez Rafa voltar atrás e dizer que o nome de Yasmin era Andressa, mas a lembrança da rapidez com que ela tinha puxado a agulha o fez recuar.

Ele não podia colocar o amigo naquela história toda também...

– Vamos, Rafa? – ela pressionou, apertando seu braço com força demais.

Lucas ergueu as sobrancelhas em sugestão.

– Você vai mesmo?

Rafa respirou fundo, tentando fingir uma expressão de deboche para o amigo.

– Deixa de drama.

Aquilo feriu ele como uma navalha, mas a expressão de Lucas foi pior. Nem parecia mais traição, parecia que ele tinha assassinado seu cachorro e mando uma das partes só por provocação.

– Ok – o amigo deu de ombros.

– Vamos Rafa! – Andressa o puxou, dessa vez com mais força, e o arrastou para a calçada.

E então ele se foi com a estranha, deixando seu amigo magoado no meio da calçada. Mas era melhor vê-lo magoado do que realmente ferido.

Contra sua vontade, Rafa seguiu Andressa por todo o caminho... não, seguia não, estava mais para ser conduzido, uma vez que o aperto estava longe ser gentil e uma agulha gigante pudesse saltar de qualquer lugar.

– Acho que vou ficar com cãibra – ele reclamou.

Andressa riu, parando sem nenhum humor perto de um Eco Sport preto estacionado no meio-fio.

– Tem sorte de ser apenas isso.

Ela abriu a porta do carro e o empurrou para dentro com força. Rafa bateu a cabeça em um joelho forte e levantou a cabeça, um pouco grogue. Fernando o observava de cima, os olhos de cores mistas o encarando com uma expressão indecifrável.

– Perdeu algo aí? – Fernando perguntou, dando um olhar para o meio de suas pernas.

Rafa se endireitou rapidamente, sentindo um rubor encher seu rosto enquanto se recostava no banco mais perto da outra janela.

– Tentar fugir vai ser em vão – Eduardo falou do banco do motorista, lançando um olhar de aviso pelo retrovisor.

Rafa mordeu a bochecha por dentro enquanto Andressa entrava no carro.

– Eu não ia fugir – ele respondeu, mais irritado do que nunca.

Eduardo assentiu como se aquilo fosse algo bom para ele enquanto começava a ligar o carro.

– Isso vai demorar muito? – Rafa perguntou, começando a sentir um nervosismo. – Por que eu deixei meu melhor amigo plantado na calçada e meus pais chegam às seis do trabalho.

Fernando chamou sua atenção ao dar uma risada agourenta.

– Qual a graça?

– Eu não te indico a se preocupar com qualquer das duas coisas – ele disse. – Porque você não vai voltar tão cedo pra cá.

– O que?! – Rafa guinchou. – Por quê?!

– Porque precisamos levar você até Anna – ele respondeu presunçosamente. – E onde ela fica não é exatamente um lugar muito perto – ele acrescentou, lançando um olhar para o céu.

– Quão longe fica isso? – questionou, olhando também.

– O bastante para você ter que parar de fazer perguntas – Andressa se virou, parecendo irritadiça.

Rafa apertou os punhos.

– Quer saber? – ele falou alto, decidido. – Eu não tenho ideia de quem vocês sejam! Vocês apareceram no estacionamento da minha escola, dizendo que eu libertei um mal... coisa que vocês não explicaram direito, discutiram sobre me levar a essa tal de Anna, um de vocês quase me feriu e agora... querem que eu suma sem dar nenhuma explicação para ninguém? Sem essa!

Todos os três ficaram quietos, apenas concentrados enquanto o carro começava a andar por uma estrada abandonada enquanto Rafa tentava respirar devagar.

– Eu não vou aceitar isso – ele colocou uma mão na maçaneta.

– Rafa – Fernando o chamou, insistente.

E então, quando todos pareciam prestes a se mover, uma batida veio de cima.

Fez-se um silêncio crucial enquanto todos esperavam. Outra vez, o barulho soou de cima, fazendo o carro todo tremer. Rafa afastou a mão da maçaneta e, com o canto do olho, pode ver Fernando se retesar de imediato.

– Ah, não – ele murmurou.

– O que foi?

– O que é dessa vez? – ele perguntou a Eduardo, ignorando Rafa por completo.

– O mesmo – o outro respondeu, também se retesando contra o banco.

Andressa já tinha a agulha gigante na palma das mãos.

– De novo? – ela grunhiu. – Já é a terceira vez hoje...

– Eu sei – Eduardo grunhiu, insatisfeito.

– Qual de nós? – Francisco olhou a frente.

– Qual de nós o que? – Rafa perguntou, louco por respostas.

Como que em resposta, outro barulho soou enquanto Eduardo tirava as mãos do volante, devagar, e tocava a maçaneta da porta.

– Andressa – ele disse, numa voz que dava a entender cem coisas.

– Eu sei – ela respondeu da mesma forma, sem olhá-lo nos olhos.

E então, meio segundo depois enquanto algo parecia andar no teto do carro, os dois abriram a porta do carro e rolaram para a porta.

Aquilo estava indo rápido demais, era só o que Rafa pensava sobre aquilo. No segundo em que Eduardo e Andressa saíram rolando do carro ele pensou na mesma hora: Isso vai doer!

Mas ao contrário do que ele esperava, Andressa se endireitou bem rápido, parando com a agulha enorme nas mãos e Eduardo parou de rolar, ficando em pé também, sacando uma arma rapidamente.

Sem saber bem o que expressar, Rafa gritou:

– Que merda! – ele levou as mãos ao cabelo preto.

– Vem! - Fernando de repente, e antes que Rafa pudesse se preparar para seu surto de loucura, pegou seu braço e o puxou para fora do carro com ele.

Os dois foram parar ao lado de Eduardo, que apontava uma arma repentina em direção a algo. Rafa seguiu seu olhar e logo levou um susto. No teto do Eco Sport um garoto loiro, meio fortinho e meio rosado se encontrava de pé ali, parado.

No começo Rafa nem viu absolutamente nada, além disso, até que ao olhar duas vezes, a roupa do garoto estava toda cheia de sangue e onde devia estar sua boca... bem, era sim uma boca, mas era o dobro de tamanho que uma boca deveria ter... o dobro de dentes que uma boca deveria ter também.

– Meu pai do céu – ele murmurou para si mesmo, sentindo uma náusea. – QUE MERDA É ESSA?!

– É um Wendigo! – Andressa gritou, se juntando a eles. – Você nunca viu um Wendigo antes? – ela perguntou como se fosse a coisa mais normal de todas.

– Mas é claro que com certeza não! Eu sou só uma droga de um membro do grêmio!

Ignorando ele, ela e Eduardo se voltaram para a criatura.

– Esse é mais novo, percebeu? – Eduardo comentou com ela, a arma ainda apontada para o “garoto”.

– Hein?! – ela gritou.

– O que apareceu mais cedo era mais velho, tinha até mesmo uma barba, percebeu?

– E eu lá vou saber? Eu estava ocupada tentando salvar minha vida! – O garoto rugiu do teto e ela se virou. – COMO AGORA!

Quando ele saltou do carro, Rafa pensou que os dois iriam correr, já que estavam mais perto da criatura do que ele e Fernando – mas, adivinhe, não aconteceu. O garoto avançou com as garras e o primeiro instinto de Andressa foi saltar e chutar a cara dele. E ao invés de não fazer nenhum efeito, o monstro/garoto/gostosinho cambaleou um segundo, confuso.

O segundo foi suficiente o bastante para Eduardo começar a disparar tiros nele. Os tiros o acertavam, fazendo o recuar pouco a pouco para trás, até bater as costas na porta do carro. Eduardo foi para a frente, mas o monstro parecia estar se erguendo.

Andressa logo foi pra cima dele, acertando com força e rapidez a agulha enorme no ombro do Wendigo, o fazendo urrar de dor. Ela sorriu e se virou para Eduardo, com um olhar de felicidade.

– Andressa! – Fernando de repente guinchou e Rafa, seguindo seu olhar, pegou um vislumbre do monstro agarrando Andressa pela perna e a fazendo cair no chão.

O Wendigo se levantou na hora, a mão ainda cravada na perna da garota, os olhos irracionais fitando Eduardo.

– Larga a arma! – ele rugiu. – Larga a arma ou eu a como por inteira!

Eduardo o obedeceu, largando a arma aos pés e chutando para a frente, para perto de Andressa e do monstro. Para a surpresa de Rafa, ele foi mais para trás e murmurou:

– Vai comer quem?

De repente o monstro se agachou em direção a Andressa caída, largando sua perna e arreganhando os dentes enquanto começava a tentar montar nela.

Aquilo era uma cena aterrorizante, mas mais aterrorizante ainda para Rafa foi ver que Fernando e Eduardo continuavam ali, parados e olhando.

– Vocês não vão fazer nada? – ele guinchou para Eduardo. – Ela é amiga de vocês ou o quê?!

Eduardo bufou olhando para ele com uma expressão entediada enquanto Fernando franzia o cenho.

– Não nos conhece nem faz uma hora direito e pensa que pode falar alguma coisa? – ele rebateu. – Você não nos conhece.

– Pode apostar que não! – ele grunhiu, indignado. – Se fosse um amigo meu...

– Rafa, me diga, você esta vendo Andressa em algum lugar?

A pergunta de Fernando fez com que a raiva mudasse para surpresa em segundos. Ele voltou o olhar para o monstro e... apenas o monstro estava ali, os dentes arreganhados, a expressão no rosto deformado era confusa, assim como Rafa também estava.

Onde estava Andressa?

De repente o Wendigo começou a se contorcer de um jeito estranho de um lado para o outro, como se cada membro de seu corpo estivesse sendo picado por alguma abelha invisível.

– Que merda...? – Rafa observava enquanto o monstro caía sozinho no chão.

Enquanto o Wendigo buscava se levantar novamente, Andressa reapareceu do nada, perto da arma que estava jogada e rapidamente começou a disparar nele.

Ele cobriu o torso como que para se proteger deles e, na hora em que Eduardo começou a se mover para a frente, Rafa logo percebeu que o monstro estava perdido e que Eduardo sacaria outra arma.

E então Eduardo pareceu se concentrar enquanto fitava o monstro, falando baixo consigo mesmo algum mantra esquisito em outra língua.

Rafa não estava perto o suficiente para ouvir, mas começou a sentir um calor repentino. Ele lançou um olhar débil para o céu livre de nuvens, com o sol no centro dele.

– Esta quente – ele comentou, desgrudando sua mão da de Fernando (por quanto tempo ela estava ali?). – Por que ficou tão quente de repente?

Fernando riu sem nenhum humor, nem parecendo ter notado o gesto anterior, a testa brilhando com um pouco de suor e os olhos apertados.

– Você pode ter certeza que não tem nada a ver com o clima – ele disse.

Rafa franziu o cenho.

– Qual é a de vocês com tantos enigmas? – ele questionou, se lembrando de Andressa no carro e Eduardo no estacionamento.

Fernando revirou os olhos belos para ele antes de apontar com o queixo para frente. Seguindo o olhar do Deus Grego, Rafa tomou um susto ao olhar os braços de Eduardo, que assumiam agora um brilho vermelho-alaranjado. Eles estavam pegando fogo.

Labaredas se arrastavam pela superfície dos membros, indo dos pulsos até os cotovelos, estalando ao se projetarem.

Antes que Rafa pudesse gritar de horror, o Wendigo rugiu de pavor quando Eduardo levantou os dois braços e pareceu atirar todo o calor na direção dele, enquanto Andressa se desviava da linha de fogo.

As chamas acertaram o monstro com tudo e o cobriram por inteiro, escondendo o monstro atrás de uma pira que se acendia perto do carro.

Rafa ficou esperando que elas chegassem perto dele, mas Eduardo ergue a mão uma vez e o fogo pareceu diminuir, enquanto ele se virava para eles.

– Então – Fernando começou a dizer do seu lado. – O que você estava reclamando sobre enigmas?

Rafa ficou olhando de um para o outro, as expressões de Andressa e Eduardo iam de sarcasmo até diversão inadequada. Fernando, porém, tinha agora um olhar preocupado, como se esperasse que ele fosse cair a qualquer momento.

Mesmo com os dedos trêmulos e a boca escancarada de tanto horror, ele se limitou a ficar encarando o fogo, o cheiro de carne queimada do Wendigo infestando o ar.

Algumas horas depois, a tarde estava praticamente no fim, a luz do sol ainda pendendo no céu, enquanto Fernando estacionava o Eco Sport em um posto quase abandonado, onde um homenzinho de boné vermelho e cabelo castanho grande assobiava monotonamente.

Eduardo estava sem o casaco de antes, exibindo a camiseta preta apertada, as lapelas do casaco pesado de antes um pouco queimadas nas laterais, resultado do fogo sobrenatural, Rafa pensou lembrando-se enjoativamente.

Andressa parecia irrequieta, ou talvez um pouco provocativa, enquanto cutucava a palma da mão com a agulha gigante e lançava olhares irônicos para Rafa. Fernando, por outro lado, agora assumia o volante, parecendo honestamente comum e divertido ao olhar para o homenzinho e acenar de jeito comum.

Um jeito bem comum para quem acaba de sequestrar alguém e assistir calmamente um garoto/gostoso/com dentes grande ser queimado vivo por seu comparsa sobrenatural, Rafa pensou olhando a nuca dele, onde parte do cabelo loiro lindo invadia.

– Ok – ele bateu os dedos no volante. – O que vamos fazer agora?

– Vamos mata-lo – Andressa sugeriu antes de cuspir pela janela e lançar um olhar pelo para-brisa. – Depois matamos o homenzinho.

– Não tem graça, Andressa – Eduardo comentou, com cara de paisagem.

– Eu não estou brincando – ela se virou para trás. – Esse garoto viu demais, temos que matar ele!

Rafa suspirou alto, mal tremendo dessa vez, não era a primeira ameaça e ele duvidava que seria a última.

– Você se faz de surda ou é monga mesmo? – Fernando perguntou preguiçosamente. – Nós já discutimos isso, nós vamos leva-lo até a Anna. Ponto final.

– Vírgula – Eduardo irrompeu bruscamente. – Antes de levarmos ele para qualquer lugar – ele se interrompeu, acrescentando: - Ou mata-lo em qualquer lugar, precisamos falar com Anna antes, é ela quem toma decisões por aqui.

– Dessa vez – Rafa pensou ter ouvido Fernando murmurar. – Mesmo que ela não permita, o que eu duvido que a Chefa faça – ele coçou o queixo liso. – O que pretendem que façamos?

– Matar ele – Andressa repetiu bem rápido.

– Edu? – Fernando olhou o retrovisor.

– Quando eu disse “não tem graça, Andressa” eu estava falando a respeito do homenzinho – Eduardo respondeu. – Ela esta certa. O garoto viu demais.

– O garoto se chama Rafael – o próprio disse trincando os dentes. – E ele não está gostando de ver vocês discutirem a própria morte dele.

– Possível morte – Fernando corrigiu. – Edu, não pode estar falando sério?

O outro apenas tateou o bolso em resposta e logo tudo o que Rafa podia era se lembrar do fogo... subindo pelos braços, depois sendo atirado com precisão no Wendigo...

– Eu preciso fazer uma ligação – ele se esquivou, tocando a maçaneta da porta.

– E eu preciso comer – Andressa abriu a porta, lançando um olhar para o homenzinho enquanto jogava o cabelo por trás do ombro.

– Você vai comer o homem? – Rafa perguntou, em um tom cauteloso.

Andressa o fitou inexpressivamente.

– Por que, quer vir junto? – ela ergueu uma sobrancelha inquisitiva e Rafa sabia do que ela estava falando.

Os dois saíram do carro sem pressa, mas desviaram-se de caminho: Andressa indo na direção do homenzinho, os peitos de repente parecendo retesados e Eduardo foi para o canto da loja, discando um número no celular.

– Layane, oi, precisamos...

Quando os dois de repente ficaram distante o suficiente, Fernando lançou um olhar para Rafa, antes de desviar para a frente.

– Você precisa de algo... – ele começou, mas se interrompeu com um olhar apertado. – Qual o seu nome mesmo?

– Rafael – ele respondeu irrequieto, lembrando do momento em que ele não o tinha deixado sair do carro mais cedo. Rafa, ele se lembrou da voz e da mão dele segurando seu braço para tirá-lo depois.

– Huuum, ok – ele deu de ombros, ficando calado.

Rafa sentiu uma vontade súbita de não preencher o silêncio que se seguia, mas então sua cabeça martelou completamente desperta.

– Por que precisa do meu nome, já que eu potencialmente vou morrer? – ele questionou.

Fernando olhou pelo ombro uma vez, os olhos mistos quase deixando Rafa sem fala, antes de responder:

Se você morrer – ele o corrigiu, parecendo decidido.

– Como tem tanta certeza? – ele provocou, passando para o banco da frente enquanto ignorava o olhar dele de surpresa. – Como sabe que seus amigos não vão me matar? Já não fizeram antes de mim?

– Claro que já fizeram – Fernando bufou antes de o olhar. – Mas não somos assassinos, se é isso que esta pensando.

Rafa quis responder, mas um suspiro inevitável escapou.

– E o que vocês são, afinal? – ele perguntou, dessa vez sinceramente confuso.

Fernando mordeu o lábio, parecendo hesitante ao lançar um olhar para fora da janela. Andressa agora estava dentro do mercado, passando os dedos por um balcão de doces.

– Somos TAP – ele o olhou nos olhos ao responder.

Rafa franziu o cenho.

– TAP? – ele repetiu, ligeiramente confuso e nervoso ao olhar de volta nos olhos dele. – O que isso significa? Trio de Assassinos Compulsivos?

Fernando esboçou um meio sorriso.

The Argents Corporation – ele citou, num tom completamente novo. – A Corporação Argent, em português – ele traduziu.

– Argent? – Rafa repetiu.

– É, Anna deu o nome – Fernando se recostou no banco, pousando uma perna forte no painel. – Pertencia a uma amiga falecida dela. Victoria Argent, acho.

– Victoria – Rafa repetiu, hipnotizando não apenas com a visão das pernas, mas sim com o que volume logo acima delas.

Fernando o encarou de lado e ele logo se recompôs.

– E... e o que vocês fazem? – ele pigarreou. – Quer dizer, que merda foi aquela de...? Como vocês...? Antes, no estacionamento...?

Rafa ia sentindo perder o controle ao lembrar de todos os acontecimentos em um dia. Não apenas as ameaças ou as armas, mas a imagem do Wendigo rugindo em cima do capô do carro.

– Quer dizer – ele tentou controlar a respiração. – Tudo isso foi real?

Fernando lhe lançou um olhar que parecia ser tanto de compreensão quanto de divertimento educado.

– Olha, eu sei que você esta pirando – ele se ajeitou, tirando a perna do painel e sentando reto. – Mas, não pira não. Não pira, ouviu bem?

– Por que não? – Rafa se ouviu perguntando, melancólico.

– Porque você vai enlouquecer e eu não quero isso – ele confessou de jeito profundo, mas voltou ao olhar anterior de divertimento. – São poucos os que descobrem sobre nós, devo confessar, e são muito poucos os que conseguem se manter sãos depois que descobrem. Então isso é meio que uma escolha pessoal, você quer enlouquecer?

– Não – ele respirou fundo ao responder. – Mas ainda não me disse o que você é exatamente.

– Bom, depende – Fernando deu de ombros. – Temos vários termos. Caçadores, heróis, liga da justiça também funciona...

– Como vocês fizeram aquilo? – Rafa o cortou, decidido. – Como sua amiga ficou invisível? E como seu outro amigo consegue... cuspir fogo pelos braços peludos? Ele consegue manter os pelos do braço depois que faz?

Fernando desviou o olhar do dele e olhou para o céu, parecendo bem concentrado ao responder.

– É uma pergunta difícil, por isso vou tentar te dizer o que sei – ele começou, em um tom baixo. – Eu diria que sempre estivemos com a Anna, mas isso seria mentira. Ela nos encontrou. Nos disse quem éramos, nos deu uma missão e nos acolheu também. Nos treinou também e foi quem ajudou a desenvolver nossos dons.

– Encontrou vocês? – Rafa repetiu. – Encontrou onde?

Fernando piscou, de repente parecendo um pouco perturbado.

– Bom, Andressa era de lá praticamente – ele respondeu com naturalidade enquanto Rafa tentava descobrir onde era “lá”. – E Eduardo foi encontrado em Amsterdã, perto de um porto, tinha pais e tudo. Eu... meio que não lembro de onde vim – a voz dele ficou rouca um pouco nessa parte e Rafa desconfiou.

– Mas já nascemos com esses dons – ele fez aspas. – Sempre os tivemos, mas apenas Anna que nos explicou direito o que eram cada um. Andressa só sabia que não era encontrada quando não queria e Eduardo adorava brincar de terra...

– Terra? Mas não foi fogo que...

– Ele influencia todos os elementos – Fernando confessou com um tom sombrio. – Até agora já manipulou dois deles, mas os outros dois ainda não se manifestaram.

Rafa assentiu, pensando em um Eduardo jogando ambos os fogo, vento, terra e água no Wendigo de anteriormente, parecendo uma aberração de quatro braços poderosa.

– E você? – Rafa logo perguntou.

Fernando franziu o rosto.

– O que tem eu?

– Qual a sua habilidade? – ele questionou. – O que sabe fazer também?

Fernando apenas balançou a cabeça.

– Você não quer saber – os olhos ficaram frios. – Não é algo de se admirar.

Rafa ficou confuso e logo queria perguntar, mas Fernando o cortou de modo irritado:

– De qualquer forma, nosso Pack tem uma missão e você é o principal motivo por ainda não cumprirmos ela – ele parecia quase que com raiva. – Você abriu a caixa.

– Eu nem sabia que era de vocês! – ele guinchou. – Quando eu cheguei no estacionamento, ela estava no chão e eu estava prestes a chutar...

– Não é nossa – Fernando argumentou. – O Triscele não é nosso.

Rafa prendeu a respiração por um segundo, pensando no símbolo com três espirais.

– Não? – ele repetiu e Fernando balançou a cabeça. – Mas então por que tanto alarde...

– Nossa missão era simples – ele deu um sorriso duro. – Enfrentar os Atiradores, passar por todos eles e pegar a caixa, como Anna tinha ordenado – o sorriso se desfez. – Mas aí depois de matarmos um dos Wendigos deles, a caixa rolou por todo o moinho e foi parar no estacionamento da escola... onde acidentalmente encontramos você.

Rafa estremeceu, pensando nos moinhos bonitos atrás da escola dele onde ele e seu namorado Rael costumavam se pegar durante as aulas vagas.

– E agora estou sendo arrastado a isso tudo injustamente? – ele concluiu, em um tom que mais parecia com uma queixa.

– Acontece Caubói – Fernando guinchou de volta. – Que você abriu uma caixa de duzentos e dezoito anos que nenhum de nós sequer conseguiu abrir a manhã inteira! Então sim, temos motivos para te arrastar injustamente!

Rafa deu de ombros.

– E se foi a queda do moinho? – ele argumentou. – E se isso afrouxou a caixa? Hein?!

– Essa caixa estava guardada em um templo perto de montanhas rodeadas por três Xamãs poderosos! O Diabo que ela ia ser aberta depois de ser rolada por meio moinho!

Rafa cruzou os braços, encabulado.

– Ainda acho palhaçada – ele retrucou. – Podia ter acontecido com qualquer um.

– Mas não aconteceu com qualquer um, aconteceu com você.

Rafa o olhou nos olhos por ter dito aquilo e, de repente, notou que os dois estavam bem próximos, praticamente inclinados na direção do outro, apenas a marcha pendendo erroneamente entre os dois.

Fernando foi o único a se afastar.

– Isso responde a todas as suas perguntas, Caubói?

Rafa logo ia dizer que não e pedir para ele parar de chama-lo assim, mas uma batida na porta de trás do carro interrompeu seus planos.

– Pronto! Layane já esta vindo nos buscar – Eduardo anunciou, parecendo levemente relaxado.

– Quem é Layane? – Rafa foi logo perguntando.

– Uma amiga – Fernando respondeu.

– Amiga de vocês ou da tal de Anna?

– As duas coisas – Andressa parou na janela, segurando uma sacola marrom de papel. – Agora, dá pra sair ou tá difícil?

Ele deu uma suspirada, mas logo voltou para o banco de trás, ficando vermelho ao notar o olhar de Fernando se desviar do dele no retrovisor.

– Com tanta educação você vai longe – ele murmurou para Andressa.

– Eu trouxe cupcakes! – Andressa logo deu um gritinho de felicidade, surpreendendo a Rafa com aquele ato.

– Como você os conseguiu? – Eduardo franziu o cenho.

– Você ainda pergunta? – Fernando logo meteu a mão no saco, pegando um.

O olhar de Eduardo dardou de um para o outro.

– Claro que sim – seu tom era carregado de queixa.

Andressa o olhou pelo ombro de modo intenso.

– Relaxa – ela respondeu suave. – Ei, garoto idiota, quer um?

Rafa ergueu as sobrancelhas em surpresa.

– Como vou saber se você não os envenenou?

– Essa é a questão – ela cantarolou, de modo provocativo enquanto levava a sacola até ele.

Rafa sacou um bem cremoso e o levou até a boca, não surpreso com o quanto estava com fome, mas com a atitude da garota que mais o queria morto naquele carro.

Não tinha nem passado sequer uma hora direito, o sol ainda estava no céu, que havia assumido um tom rosa por todo o horizonte, bem perto do pôr-do-sol eles perseguiam o fim do dia, concentrados... e Rafa ainda não fazia ideia de onde estavam indo.

Ele pescou o nome Anna, tentando procurar alguma pista, mas não tinha muito que cavar com um nome tão comum como aquele. Anna. Anna. Anna, ele morria de repetir na cabeça, e nada vinha.

Tentou então conseguir algo com seus “companheiros” de viagem. Eduardo olhava pela janela, distraído. Andressa parecia fazer origami com a sacola de papel para matar o tempo. Todos pareciam comuns, menos Fernando.

Agora os dedos magros no volante batiam um tanto nervosos no volante e seus pés não paravam quietos perto do freio, como se a qualquer momento fosse pisar neles.

O som começou a se intensificar, até que Andressa rasgou de vez a sacola de papel e deu uma olhada nele. Eduardo, que agora suspirava, se aprumou para falar no ouvido do amigo.

– Encoste – ele ordenou.

– Não – Fernando piscou, ainda mais ansioso. – Eu aguento.

– Fernando – Eduardo avisou. – Encoste.

– Não – ele insistiu, os dedos agarrando o volante. – Eu vou aguentar até lá.

Rafa sentiu um tubo na garganta. Do que diabos eles estão falando?, ele se perguntou subitamente preocupado com a expressão de dor no rosto de Fernando que nem tinha notado.

– Eu consigo.

– Acredito em você – Eduardo assentiu friamente enquanto Andressa revirava os olhos. – Mas ainda quero que encoste.

Subitamente contrariado, Fernando enfim pisou no freio, fazendo o Eco Sport derrapar no asfalto e parar em frente a um depósito todo cinza com janelas tampadas por arame. No alto do prédio, se viam caixotes de ferro enormes.

– Onde estamos? – Rafa perguntou assim que Andressa abriu a porta do carro. – Vamos encontrar Anna agora?

Eduardo já estava com a arma na mão.

– Saía do carro logo – ele exigiu, um tanto entediado.

Tentando não estremecer com a visão daquilo apontado para ele, Rafa agradeceu por ser aquilo e não o fogo enquanto o obedecia.

Fernando saiu do carro logo depois, de braços cruzados e parecendo tremer de frio... ou de outra coisa.

– Nós temos que nos apressar – Andressa lançou um olhar para o céu e depois para Fernando. – Ou...

– É, temos que ir logo – Eduardo a interrompeu batendo a porta do carro. – Layane logo vai chegar com ele.

– Com ele? – Rafa repetiu. – É outro amigo de vocês?

O mais velho avançou nele, agarrando seu pescoço com a mão livre, parecendo irritadiço.

– Chega de perguntas – ele ordenou. – Mais uma e logo vamos começar a nos perguntar a melhor forma de matar você!

– Anna não ia gostar disso – Fernando comentou ironicamente, com a voz tremida.

Tanto quanto Andressa quanto Eduardo o encararam.

– Que foi? – ele deu de ombros. – Só estou quebrando o gelo. Não está muito frio aqui?

– Você deveria ir na frente – Eduardo parou com a graça dele em um tom bem sério.

Mesmo não gostando muito da sugestão do parceiro, ele o obedeceu começando a andar na direção da porta escancarada do depósito cinzento.

Eduardo soltou Rafa e o cutucou nas costas, não com a arma, indicando para ele ir na frente e ele foi, sentindo a presença de Andressa pairando bem atrás dele, os passos felinos muito perto do arrastar dele.

Enquanto adentravam juntos no depósito, Rafa começou a sentir a nuca formigar de nervosismo. Odiava que as pessoas andassem atrás dele, principalmente quando essas pessoas em potencial queriam mata-lo. Mas não suportou a ideia de ficar atrás deles e ser pego por qualquer coisa que tivesse dentro dali.

Quando só o que tinha a frente era escuridão, Rafa tentou se orientar pelos passos de Fernando, que eram confiantes, enxergando um pouco de sua silhueta.

Um lance de escada brilhava na frente deles e Rafa seguiu com calma, mas quando Fernando começou a subir na sua frente, aquelas pernas subindo cada degrau, aquelas coxas se mexendo, aquele traseiro remexendo bem na frente dele...

– Ou anda você, ou ando eu – Andressa falou bem atrás dele, deixando o garoto constrangido e não com medo, enquanto ele continuava seguindo Fernando com certo nervosismo.

Depois de um lance de escadas demorado, eles pararam em frente a um corredor com vários aposentos sem portas, iluminados pela fraca luz da tarde que se acabava.

Rafa observou que neles não se encontrava nada além de prateleiras iguais, em todos eles, com objetos diversos como aquários sem peixes, enfeites de Halloween e sapatos de meninas que não pareciam servir em Andressa.

Vendo na situação em que se encontrava, aterrorizado por alguns morcegos de mentira, Rafa se perguntou por que diabos ele não foi um bom garoto e continuou a tentar fazer o discurso que tinha que fazer?

Mas assim que todos pararam em um quarto com uma outra escadinha de ferro que pendia do teto, Rafa percebeu que não tinha volta.

– Vai você na frente – Fernando sugeriu sem nenhuma malicia ou empatia que os outros costumavam fazer. – Por favor?

Sem dizer nada, e também proibido de perguntar, Rafa agarrou a primeira barra da escada e começou a subir como nunca fizera na vida, com confiança.

Ao chegar no terraço, deu de cara com os caixotes de ferros enormes, parados ali de um jeito que tampava o sol já quase tampado. Rafa vasculhou o terreno e se viu conquistado pela vista meio perfeita do prédio.

Onde quer que eles estivessem em Vallywood, Rafa estava gostando da visão dos prédios e da estrada que tinham percorrido, ignorando a claustrofobia de nem saber em que lado ficava sua casa.

– Terra firme – Andressa brincou ao passar pela abertura.

Eduardo subiu logo atrás e um trêmulo Fernando escalou até chegar ali, a testa brilhando de um suor que Rafa não entendia. Eles nem tinha subido tanto assim.

– Quanto tempo? – Eduardo agora perguntava ao amigo, em um tom misterioso ao observar as mãos tremulas.

– Eu não sei – Fernando respondeu seguindo seu olhar. – Já esta quase escurecendo.

– Quase não quer dizer que esteja – Andressa comentou em um tom que deveria ser irônico, mas que saiu com uma tensão mal disfarçada.

Rafa lançou um olhar aos três, sentindo que eles lhe escondiam algo. Por que Fernando estava tremendo? O que Eduardo quis dizer com quanto tempo? Tempo para o que? Para a tal de Layane chegar?

Andressa se sentou de pernas cruzadas no chão e Eduardo se sentou ao seu lado, começando a falar sobre o Wendigo que eles tinham enfrentado. Fernando se afastou deles lentamente, indo até o parapeito, olhando a vista do horizonte com um olhar estranho.

Sem saber bem o que fazer Rafa o seguiu.

– Eu sei que estou provavelmente abusando da minha sorte por perguntar – ele começou, meio hesitante. – Mas pode me dizer quem é Layane?

– Não – Fernando respondeu, não olhando na sua direção.

– Por que não? – Rafa perguntou, surpreso com a frieza repentina dele. – Está bravo comigo?

Fernando revirou os olhos.

– Anna não gosta que falemos de alguém da Corporação – ele explicou, meio presunçoso. – Eu nunca fui fã das regras dela, mas o sigilo é uma coisa importante para o que somos.

Rafa assentiu.

– Acho que entendo.

– Entende? – Fernando se virou, a testa franzida. – Você por acaso já fez parte de alguma organização de caçadores e tinha que manter segredo sobre partes de sua vida por que pode colocar todos em perigo?

Rafa pensou em várias provocações, mas então o olhou sério.

– Você já teve que esconder partes da sua vida para proteger alguém?

Fernando quase ficou sem fala e seus olhos escureceram brutalmente. A tremedeira de antes estava começando a piorar e os braços dele mal conseguiam ficar quietos.

– Você não respondeu minha pergunta.

– E você nem responde as minhas, então... – Rafa deu de ombros, se sentindo mais ousado do que nunca.

Ele estava no terraço de um depósito de lugar nenhum, o sol quase indo embora e ele nunca tivera tanta certeza de que estava se sentindo tão leve, como se pudesse ser quem quisesse.

– Ajudaria se eu dissesse que eu assinei um acordo? – Fernando perguntou com um quase sorriso.

Rafa estava prestes a responder, mas então uma irritação em seu nariz o fez levar a mão à boca. Um cheiro forte de enxofre começou a infestar o ar enquanto seus pelos começavam a se eriçar.

– O que foi?

– Não esta sentindo esse cheiro? – ele questionou se afastando do parapeito.

– Cheiro?

– Cheiro de enxofre – ele tentou explicar.

Algo passou pela expressão linda do garoto, mas logo seu olhar captou o chamado dos amigos.

– Se abaixa! – Andressa corria na direção deles, a agulha gigante em mãos.

Fernando se atirou em Rafa com urgência, levando os dois com tudo ao chão. Andressa parecia olhar algo acima deles com urgência enquanto Rafa sentia o corpo todo de Fernando o fazer tremer também.

E então ele seguiu o olhar dela.

Acima deles uma névoa espessa e cinza pairava no alto, bem onde a cabeça de Fernando estava antes, parecendo ter vida própria enquanto se arrastava pelo ar medonhamente.

Quando a névoa começou a rodopiar na direção de Andressa, Rafa cogitou que talvez ela talvez tivesse mesmo vida própria.

Andressa logo sacou a arma contra a forma, rodopiando para afastá-la, mas logo ela tomou uma forma mais densa, como se criasse braços e atacou um dos lados da garota.

A agulha gigante caiu no chão e não demorou muito para Andressa cair logo depois, com a névoa pairando sobre sua cabeça de forma claustrofóbica.

– Levanta – Fernando ordenou ainda ao seu lado no chão.

– O que?

– Levanta! – ele repetiu com um olhar nervoso para a névoa. – É um demônio, ele possuiu a forma de vento para nos atacar, levanta!

Rafa cambaleou para cima e se afastou de Andressa desmaiada automaticamente, com o demônio em cima dela de forma fantasmagórica.

Uma lufada vinda do lado contrário empurrou a criatura e Rafa olhou para trás para ver Eduardo balançar as mãos de forma concentrada na direção da criatura.

Tudo parecia estar bem ali até que uma forma escura veio detrás de Eduardo e o empurrar com força para o lado.

– Edu! – Fernando gritou de aflição, os olhos dilatados de medo.

Rafa sentia um entorpecimento ao ver os olhos do Líder do trio ficarem inconscientes assim que ele bateu a cabeça de lado no chão.

Para piorar, a coisa começou a rodeá-lo de forma lenta e predadora. Era um lobo, de pele escura e olhos dourados irracionais, o focinho muito projetado para a frente enquanto ele andava nas quatro patas em silêncio.

– Ei! – Fernando rugiu, chamando a atenção dele ao sacar uma adaga da cintura. – Sai de perto dele! – ele ordenou, apontando ao se aproximar.

O lobo preto fungou e latiu de forma fazendo eco no lugar vazio e fazendo os pelos de Rafa se eriçarem mais uma vez. Fernando continuou andando com lentidão, as pernas musculosas andando de um jeito gracioso para frente, deixando Rafa a beira de um surto de admiração em hora errada.

Mas logo ele notou a névoa vindo por detrás do garoto loiro, formando braços fumegantes na frente dele e fazendo-o perder o foco da defesa contra o lobo.

Fernando se debateu contra a cegueira momentânea e deixou a adaga cair, na mesma hora em que o lobo começou a se mover para a frente com os caninos amostra.

Enquanto percebia o plano das duas criaturas, Rafa Capoci entrou em pânico instantâneo. Andressa estava desacordada e Eduardo se encontrava bem atrás do lobo para ele pegar sua arma e tentar alguma coisa. Mas ao ver as pernas musculosas de Fernando enfraquecerem e se dobrarem nos joelhos – e o lobo se preparar para pular no pescoço dele – um surto de adrenalina o atingiu e ele se viu jogar os braços para frente, perdido.

De súbito, tudo continuou a mesma coisa, o lobo ainda vinha e a neblina demoníaca parecia se intensificar mais - mas então tudo parecia se erguer.

A neblina se inclinou para longe de Fernando aos arrancos e o lobo ia de encontro a ela. As duas feras se colidiram ruidosamente, causando uma explosão repentina.

Rafa ficou observando enquanto a neblina sumia e os pedaços do lobo começaram a cair do céu em todo o terraço. Ele pode ver Andressa com os olhos abertos.

Mas nada o deixou mais surpreso ao olhar para suas mãos erguidas no ar, como se paradas ali a muito tempo.

– O que... o que você fez?! – Fernando perguntou, estirado no chão, os olhos agora com um brilho dourado.

Ao invés de responder a pergunta absurda, Rafa sentiu o chão começar a se inclinar e todo o seu corpo reagir de forma estranha enquanto ele caía no chão.

Antes de suas pálpebras se fecharem lentamente, ele captou uma imagem de um Fernando surpreso com olhos dourados, que iam ficando mais brilhantes e mais brilhantes enquanto ele caía na inconsciência...


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