Avatar: A Lenda de Yan escrita por Leonardo Pimentel


Capítulo 5
A Face de Um Tirano




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Sei que é um sonho. Pois lembro-me bem de ter dormido na cama ao lado da cama de meu mestre Saofu, que já roncava como o motor de um carro velho. Dormi quando as luzes do palácio se apagaram, sinalizando que já era tarde. Em meu sonho, eu me encontrava no mesmo lugar que treinara com meu mestre, antes da cerimônia com a rainha. Num instante, conversavamos e eu me distraia com o céu, como era de costume. Quando eu me virava para encará-lo, ele já não estava mais lá.

Tudo o que eu conseguia ver, era que o sol estava encoberto por nuvens densas e que o dia, de repente, ficava cinza e monótono. Olhei para frente e deparei-me com a minha prórpia imagem. Nos vestíamos igual: calças beges, largas e cômodas para dobrar terra, pés descalços. O tórax nu. Os cabelos tinham aparência de curtos, repicados, mas existia uma trança longa atrás. Os olhos eram igualmente aos meus. Assustei-me quando me mexi e meu outro eu permaneceu imóvel. Olhei à direita. Havia um soldado da nação do fogo, com sua armadura em tons rubros, polida e que inspirava força. O rosto estava oculto, por aquela máscara esquisita. Olhei para trás. Reconheci aquela mulher de imediato. Metade da cabeça raspada, as tatuagens de nômade do ar em azul vibrante. As vestes em tons amarelo-mostarda a laranja, estavam rentes ao corpo esguio de um dominador de ar nato. As mãos de dedos finos e ágeis, dignos de um artísta, estavam erguidas, pronta para o ataque. Olhei à esquerda rapidamente e uma mulher me fitava. Olhos cinzas, cabelos castanhos e pele cor de caramelo. Estava com um blusão de moleton azul, com detalhes brancos. Os olhos destros pareciam comer minha carne.

─ Você não queria os quatro elementos, Avatar Yan? ─ perguntou o meu outro eu. Ouvir minha própria voz, não saindo de minha boca, era assustador. ─ Espero que curta.

Quando terminou de falar, meu outro eu bateu um pé potente no chão, fazendo uma rocha se desprender e pairar ameaçadoramente. Eu ia me proteger, juro que ia, mas meu corpo não obedeceu. Senti o vento me empurrar, a pedra chocar-se contra mim e o fogo queimando, quando o chicote de água estalou na minha cabeça. As dores se expandiram e fui tomado por uma explosão e...

─ Yan! ─ chama meu mestre, balançando-me. ─ Yan, acorde! Qual a necessidade de tantos gritos?

Olho ao redor, a visão toda embaçada. Consigo enxergar o topo da cabeça de meu mestre, com montes de cabelos desgrenhados, seus olhos questionando algo que eu não tinha as respostas. Eu estava gritando, mesmo? Ora, ele deveria estar acostumado à falta de respostas, afinal de contas, eu sou um Avatar fajuto! Olho nos olhos dele, uma última vez. Empurro-o gentilmente, para que me dê passagem, para que assim eu possa levantar. Aliso o colchão distraídamente, agradecendo à rainha Loma pelo belo aposento que ela me cedeu na noite anterior.

De hoje, até minha partida, resta apenas um dia. Não posso carregar meus bens, como meus livros e posteres da Avatar Kyoshi... E ao me recordar dela, percebo que eu nada mais sou do que uma reencarnação dela. Eu sou o que Avatar Kyoshi outrora fora. Isso me dá arrepio. Sorrio por um momento, num daqueles lapsos, no qual eu consigo aceitar numa boa a minha real natureza, a minha função no mundo. E certamente, que esses pensamentos trazem à tona os questionamentos, que por sua vez quase me lançam à beira da loucura momentânea. Se eu submergir neles, tenho certeza de que retornar à superficíe da sanidade me custaria muito.

Penso no que poderei fazer nesse último dia aqui, em casa. Resolvo que devo seguir para ficar com minha mãe. Dobro os lençois de tecidos leves, conforme meu mestre me conta algo, que eu não presto atenção. Espero que ele não desconfie disso, se não eu estaria acabado! Permito-me entrar num silêncio intenso, no qual me desligo do mundo. Meu mestre continua lá, tagarelando, falando talvez a respeito das mulheres com quem já se deitara, mas que na realidade, no mínimo, também apanhara. Mas de repente, ele começa a correr na direção da janela e berra. Ele grita meu nome e eu abandono o meu mundo do silêncio.

─ Yan! Corra!

─ Sifu...

─ Corra, Yan!

A sirene soa altissíma demais. O som parece fazer as paredes tremerem, enquanto ele se propaga, muito provavelmente, por toda a cidade de Omashu. Empurro Saofu para o lado e dali, eu posso ver o muro mais externo da cidade, sucumbindo à onda gigantesca de água. Meu coração gela.

Só existiu um episódio como esse, no qual soaram as sirenes. Eu me lembro, pois participavamos efetivamente do treinamento de defesa da cidade. Eles nos instruíam a manter os melhores dobradores na dianteira, defendendo os portões, enquanto os não-dobradores se refugiavam. E certamente, que eles nos treinavam com sorrisos nos lábios, dizendo coisas que não estavam se concetrizando no minuto presente: diziam que um ataque a Omashu, era o mesmo que pedir para uma topeira sair voando. E aquilo era até engraçado naquela época, mas não agora.

A onda gigante ultrapassou os portões principais da cidade, transformando-se em gelo, conforme invada as primeiras construções. As bases mais sólidas cediam, quando a água congelava e depois caíam, desmoronando as casa. Diversos dobradores de terra tomaram a frente e iniciaram a investida contra os invasores, em movimentos iguais, firmes e potentes. Eu precisava fazer algo. Viro para meu mestre. Ele não está mais no quarto. Há alguns tremores.

─ Cadê meu mestre? ─ pergunto para os dois guardas, que estranhamente parecem barrar minha saída.

─ Saofu foi ajudar a proteger a cidade contra a invasão, Avatar. ─ respondeu um deles, o careca, sem rodeios.

Olho para eles, medindo-os.

Ando na direção da porta, como se não soubesse que eles iriam me barrar. E me barram.

─ Avatar, facilite para nós. Temos ordens a seguir, a rainha...

Sabe quando existem aqueles momentos, os quais nada mais importa, a não ser o que você preza como verdade? Eu mergulho num desses momentos agora, quando dou as costas para os guardas. A janela do palácio é gigantesca, tão linda. Era linda, pois era por ela que eu ia saltar.

Corro veloz, antes mesmo dos guardas reagirem e pulo a janela. Sinto o vento ir contra meu corpo, o barulho dele dominando meus ouvidos. Movo o braço para cima e as rochas do chão se projetam na minha direção, para parar a queda, antes mesmo que eu possa me ferir. Os guardas gritam lá de cima, enquanto os outros tentam me parar, mas a tentativa é em vão. A terra deles não é párea para me parar. E eles desistem, quando notam para onde estou correndo. Minhas pernas tremem, a cada passo dado e quando toda essa adrenalina acabar, eu sentirei dores, tenho certeza.

Preciso proteger minha mãe do ataque. Eu sei quem está por detrás daquilo tudo, sei que devo me precaver e precavê-la. Mesmo que ela me ameaçasse com uma colher de pau todos os dias, era minha mãe e eu a amo tanto... E se estão atacando a cidade, é meu dever como filho protegê-la acima de tudo e de minha vida. E sei que estou pronto para isso, pois sei que minha cabeça está gritando que se eu morrer, eu nasço imediatamente na próxima nação do ciclo. Entre os da Nação do Fogo*.

Depois que Korra, há setenta anos, auxiliou Tenzin a restaurar os nômades, eles cresceram e colonizaram diversos lugares dos planetas, inclusive os templos antigos e os que não foram destruídos nas duas guerras seguintes. Tenzin, em seguida foi eleito como presidente da Cidade da República, onde trabalhou durante três mandados, os quais efeitvou com maior sucesso possível. Posteriormente, seguindo o pai, Meelo tornou-se presidente da cidade, e engajou-se em projetos sociais fortes, com ênfase na educação de base até a educação final. Graças a esse investimento alto nesse setor social, o presidente Meelo foi capaz de investir mais dinheiro nas tecnologias e nos estudos para as descobertas e feituras de coisas que não imaginaríamos ter. Era graças a isso, que a rainha Loma tinha, por exemplo, o disco holográfico. O crescimento social e econômico foi tanto, que o mandado dele se estende até hoje, não por decisão de poucos, mas sim, pela decisão da população.

Meelo, Iroh II, Marlok, Jaya, Jinora e Kaiza são nossos líderes mundiais. Kaiza é o presidente da mais recente União da Água do Sul. Jinora, filha de Tenzin e neta do Avatar Aang é a líder das Organizações dos Dobradores de Ar, os nômades.

Eu não entendo o motivo pelo qual eu estou pensando em política, estando perto da minha casa, estando perto de mamãe. Corro o máximo que posso, querendo estar o mais próximo dela, ignorando a ardência que se espalha pela minha perna, quando de repente, meus músculos não obedecem mais e eu paro. A cena está acontecendo em meus olhos, posso sentir a quentura do fogo beijando minha pele com suavidade, a luz ondulando mais forte que a luz do sol. Estou diante de um inferno quente, e eu sei o que causou aquilo. Na frente da minha casa um homem dobrador de água, projeta os braços para frente, controlando chicotes de água, que presos a fios elétricos, talvez tenham sido os causadores do incêndio.

─ HEY! Pare! É a minha casa!

O homem parece ser pego de sobressalto, pois seus chicotes de água caem na frente da minha casa, enquanto ele me admira com assombro. Seus olhos são azuis, mas não me dou ao luxo de permanecer muito tempo, fitando-o. Corro na direção da casa em chamas, de dois andares, onde o verde que predominava, agora se torna cinza. Não em importo com o fogo, eu farei algo. Estou perto de empurrar a porta, sei que vou utilizar a dobra de terra, mas alguma força invisível me prende e me impede de me mover conforme minha vontade. Sinto meus pés perderem o chão e meu corpo paira lentamente, afastando-me da minha casa. Quando giro meus globos oculares para reconhecer quem está usando essa técnica em mim, eu o vejo, movendo os braços como um controlador de marionetes. O homem que iniciou o incêndio em minha casa. O homem que está causando a destruição de Omashu, o mesmo homem, que recorre em minha mente, ser chamado de Jaya, líder da Tribo da Água do Norte. O homem que quer dominar o mundo. E muito provavelmente, tenha incediado minha casa, cogitando que eu estava ali dentro.

Ofego violentamente, enquanto flutuo. Sinto como se meu sangue corresse mais rápido pelo corpo, como se a qualquer instante ele fosse sair por cada pedaço de meu ser. Trinco os dentes, para suportar aquela sensação terrível. Sinto-me leve, ao mesmo tempo que meu corpo recupera seu peso, quando Jaya, movendo seus braços com velocidade, me lança contra um outro muro de uma casa. Sinto as pedras cedendo ao meu redor.

Ergo-me cambaleando. Olho para a face do líder da tribo da água. Ele não é velho, como eu imaginava. Seu rosto possui uma beleza formidável, digna de jovem no auge de sua idade. Seus olhos azuis parecem me rasgar, cada vez que me olha. E eles brilham constantemente, emoldurados pelos cabelos negros e escuros, arrumados em três tranças bem feitas. Os agasalhos azuis e brancos que dão o aspecto imperial, imponente, digno de um líder do norte, que vive sendo fustigado pela neve. Ele me olha de cima, com todo seu jeito amedrontador. Dou um passo para frente, pronto para atacar.

─ Deixe-me salvar meus pais! ─ grito com força.

─ Não há o que salvar dentro daquela casa, meu jovem Avatar. Exceto se você queira usar a caveira dos seus pais, como souvenir. ─ a voz era calma e contida, tão afiada quanto a navalha recentemente feita. ─ Seu pai morreu quando eu cheguei. O pescoço dele não aguentou a pressão da dobra de sangue e quebrou. Sua mãe, aquela tola, tentou salvá-lo, mas o que são pedrinhas ridículas contra um tsunami?

Jaya sorriu de canto. E as sombras causadas pelo fogo lhe deram uma aparência doentia.

Ao meu redor, eu podia ouvir a cidade ruír, enquanto ouvia a terra se desprendendo do chão e quebrando-se em milhões de pedaços e ouvir ainda a água fluindo pelas ruas, água controlada pelo exército do homem o qual eu iria matar agora. Encaro Jaya, sentindo as lágrimas se acumularem em meus olhos, a dor tornando-se uma tormenta poderosa. Eu preciso dominar a água, para poder apagar aquele incêndio.

─ Apague o fogo! Apague, apague, apague, por favor... Meus pais não têm culpa de eu ter nascido Avatar... Eles... ─ eu soluço. As palavras não fazem o menor sentido. ─ Senhor Jaya, por favor, apague o fogo.

Não. ─ Jaya move os braços lentamente ao redor da cabeça, e a água no ar o obedece e formam novos braços poderosos. ─ Quero que tudo queime para você, Avatar. Você é a única coisa que separa meu império do sucesso. Você vai muito além de um pequeno empecilho... Você pode se tornar a minha ruína.

Jaya golpeia a frente do corpo e o braço e água se estende veloz contra mim. Não sei o que posso fazer. Sinto-me inútil. Jogo-me para o lado no último instante e rodopio meu corpo com velocidade, erguendo-me. Soco o ar de baixo para cima algumas vezes, e logo as rochas me obedecem, erguendo-se velozes do solo. Chuto o ar, uma, duas, três vezes, sentindo a adrenalina tomar conta de mim.

As pedras voam velozes e zumbem, conforme ganham a distância que me separa de Jaya. O dobrador de água move os chicotes com velocidade, rodopia no ar diversas vezes e a água tritura as pedras com um som alto e poderoso, diminuindo meu ataque a míseros grãos de pedras. Olho a cena, assombrado pela velocidade de Jaya e então corro na direção dele. Abro os braços e deixo que as rochas do chão se desprendam e grudem em mim, formando uma armadura rígida e poderosa. Deslizo pela rua, veloz, querendo acabar com aquela batalha. Quero que todas as palavras daquele homem sejam mentiras, mentiras e mentiras. Mamãe não pode ter morrido...

Ele lança o chicote contra minha face e vejo-me caindo de costas, as rochas se espatifando ao meu redor, em diversos baques surdos. As pedras rolam para todos os lados, conforme Jaya as chuta. Ele caminha na minha direção, exalando um perfume doce. Ambos os braços estão cobertos por estacas de gelo agora, ponteagudas, tão ameaçadoras que sinto medo do que ele pode fazer com elas.

Jaya me olhou de cima, o olhar carregado de desprezo.

─ Então, o Avatar se resume a um pífio moleque, fedorento. Risível. Vamos trabalhar da seguinte maneira, Avatar: você continua assim, ridiculamente patético e eu continuo meus planos. Todos saem felizes. Enquanto isso, eu tomo mais uma cidade do mapa do Reino da Terra e você assiste.

Jaya me dá as costas e continua a caminhada, seguindo na direção do palácio. Grito algo extremamente estranho, fazendo menção de me erguer, mas, Jaya, usando sua dobra de sangue, faz com que eu bata meu rosto contra o chão e volte a deitar. Consigo vê-lo erguendo a lança de gelo, pronto para matar alguém. Aquilo eu não podia admitir.

Sinto o poder numa onda crescente em meu coração. Eu sei o que aquilo quer dizer, pois eu já li sobre essa onda de poder de Avatares. Eu não sinto apenas o meu poder, sinto o poder de dez mil vidas reunidas em mim. Sinto minha pele, meus músculos e meus ossos tão frágeis, mediante aquela situação, que me movo com delicadeza no começo. A minha visão está mais clara do que nunca, consigo enxergar cada gota de água se desprendendo da lança de gelo de Jaya, prestes a furar as costas do homem, que ele segura com a mão livre, pelo colarinho das roupas verdes e douradas. Com aquele poder, eu sei que poderei dobrar a água e irei controlar aquele tirano.

Da planta dos pés de Yan, o fogo surgiu forte, como propulsor para o voo do Avatar. Ele ganhou impulso e voou veloz na direção de Jaya, no instante preciso, no qual o tirano descia a lança de gelo, para ceifar a vida do civil inocente. O Avatar, usando do impulso que adquirira, socou o ar e o vento o obedeceu, impulsionando o inimigo contra uma parede maciça de um prédio próximo. O impacto causou um barulho surdo, quando Jaya emitiu um ruído surdo de dor.

O Avatar pousou silenciosamente no chão e auxilou o homem ferido a se erguer. Os olhos do cidadão de Omashu agradeceram em silêncio, enquanto Jaya se desprendia do concreto e olhava absorto para os olhos brilhantes de Yan. Ele sentiu medo num primeiro instante, mas a mente brincava sempre com ele. Ele se recordou do poder que possuía e sorriu satisfeito. Sua maior bênção, sua força, seu poder: a água. Aquela sensação deliciosa que deslizava pelo corpo de Jaya, cada vez que ele dominava seu elemento com maestria e facilidade. Era aquela sensação gostosa, que o fez ir a fundo e que lhe rendeu tudo o que tinha. Água é vida. Água é poder. Água é tudo. Ele não permitiria que o Avatar o vencesse.

A rua estava rodeada de prédios altos, uns de natureza pública, outros residenciais, que seguiam o mesmo padrão de beleza. A sua maioria se apresentava em cores verdes e amarelas, rodeados de árvores de grande porte, frondosas. Nos últimos anos, a rainha Loma havia aprovado um projeto de lei, que obrigava cada morador a plantar pelo menos três árvores, o que freou com eficácia o aumento dos problemas ambientais que vinham assolado o planeta, conforme a tecnologia ganhava poder. E Jaya adorava aquela situação. Fez um movimento com os braços, que simulava o puxar de uma corda e a água verteu de cada poro da casca de três árvores e flutuou em sua direção, enquanto a conduzia em forma de anel ao seu redor.

─ O modo Avatar. A arma mais poderosa de um Avatar, mas que ao mesmo tempo o torna frágil... ─ Jaya sorriu abertamente e toda sua beleza foi tomada pelo cinismo de seu sorriso. ─ Eu mato o Avatar nesse modo e consigo produzir o que nenhum inútil conseguiu antes... Destruir o ciclo.

Jaya gingava dentro de seu anel de água de proteção, enquanto desferia alguns golpes com as pontas dos dedos. Do mesmo anel de água, desprendeu-se enormes estacas de gelo, que zumbiram no ar, indo acertar Yan. O Avatar deu diversas cambalhotas para trás, enquanto as estacas se chocavam no chão e quebravam-se em diversos pedaços de gelo. Jaya ria, deliciando-se com a situação.

Yan ergueu-se voraz e socou o ar, em uma sequência bem ritmada, permitindo que a respiração ficasse tranquila. As labaredas de fogo surgiram de cada soco e queimaram o ar ao redor, conforme voavam na direção do tirano da água. Usando do fogo como distração, Yan voou na direção de Jaya, os pés em chamas, pronto para uma emboscada. Com agilidade, o Avatar moveu os braços, como se estivesse se protegendo e o chão trincou, abrindo espaço para que a terra fosse dobrada. E as pedras emergiram velozes do chão, indo contra Jaya.

Jaya transformou a água em chicotes vigorosos de água, que lutaram contra o fogo infernal e as pedras poderosas. A água chiou em contato com as chamas, produzindo algum vapor. Mas contra as pedras, a água foi ineficaz, e as rochas acertaram o homem, que caiu.

Yan o fitou.

─ Jaya. ─ a voz de Yan soava estranha. Soava com dez mil tons de vozes diferentes, enquanto a dele soava por cima. ─ Pelos crimes cometidos ao Reino da Terra, eu lhe darei sua sentença final.

Yan ergueu a mão no ar. O fogo nasceu na palma em uma pequena esfera, que chiou quente demais, mesmo sendo pequena. Pequenos raios se desprendiam da esfera ardente, enquanto ela se formava, causando um barulho constante de chiado. O oxigênio pouco a pouco ia queimando, enquanto a esfera queimava, poderosa demais.

─ Você me mataria, Yan, mesmo sabendo que eu posso salvar seus pais? ─ zombou Jaya, apoiando-se no cotovelo. Deitou de costas no chão, olhando o céu.

Omashu estava imersa no caos. A terra constantemente tremia, terremotos poderosos, causados pela dobra de terra. O chão ao redor estava molhado. Vez ou outra, dobradores estavam em cima dos prédios, nas ruas, correndo, protegendo-se atrás de veículos metálicos, que não tinham rodas, mas que flutuavam estacionados nas beiradas das calçadas. Jaya ouvia aquele caos, deleitando-se.

Uma lágrima escorreu pelos olhos de Yan. E os olhos dele pararam de brilhar no instante que o fogo desapareceu de sua mão.

Olho para trás e consigo registrar os estragos na rua. Todo o estrago, toda destruição. No fim da rua, minha casa queima, e muito provavelmente os corpos de meus pais jazem sem vida, carbonizados pelo fogo causticante e destruidor. Minha mente trabalha voraz, enquanto fito Jaya, deitado no chão. Ele pode salvar minha mãe, ele pode salvar meu pai, o grande general Yatros. Yatros e Ming. Meus pais. Pais que eu nunca soube demonstrar o meu grande amor por eles, até agora.

Jaya está deitado de costas no chão, os cabelos bagunçados por detrás da sua cabeça, que jaz imóvel, enquanto ele fita o céu azul. Seus olhos são da cor do mesmo céu que rodeia a cidade. Turquesa. Ele é a salvação da minha família. Eu preciso me agarrar a essa verdade e mesmo se ela for mentira, eu vou tentar até o fim. Sinto uma lágrima escorrer pelo meu rosto, quando olho para Jaya. Ele parece se divertir com os sons que assombram minha cidade. E a solidão parece me comprimir. Não parece. Ela me comprime de verdade. Eu sou o Avatar, mas não salvei meus pais. Não consegui dominar a água, apagar o fogo e tentar salvá-los, olhá-los apenas uma só vez, para talvez me despedir ou curá-los. Eu só domino rochas, pedras inúteis contra o fogo.

As rochas jazem em pequenos pedaços no chão, ao redor de Jaya. Se ele fazer algo, eu tenho o que usar contra ele. Posso atacá-lo a qualquer instante. A água já está secando no chão. Duvido muito que ele possa fazer algo, com aquela miséria.

─ Como salvo meus pais? ─ minha voz soa estranha. Como se não pertencesse a mim. Ergo meus punhos, pronto para o ataque.

Ouço passos ao ponto que consigo ouvir as vibrações no solo. Sei que é a polícia, mesmo antes deles chegarem, pois ouço as armaduras pesadas que eles vestem. Rainha Loma também veio correndo. A saia de seu vestido está parcialmente cortada, enquanto ela está impecavelmente linda. Ela estava lutando para proteger a cidade também. Os Guardiões da Terra ou pelo menos alguns deles, inclusive o que me dissera que eu era o Avatar, estavam em uma formação complexa ao redor da rainha, prontos para defendê-la. Jaya olhou para eles, ainda deitado.

O tirano ergue as pernas e roda o corpo para trás, erguendo-se com elegância. Quando vou atacá-lo, ele ergue os braços, dominando meu sangue. Aquela sensação de perca do controle é torturante e apavorante. Arregalo meus olhos. Ouço a rainha gritar “Largue o menino!”, antes de eu ser lançado contra uma parede.

O choque é forte demais, para que eu possa voltar a enxergar as coisas com clareza, quando torno a abrir meus olhos. Sei que o mundo está rodando, pois eu sinto ele girando ao meu redor e estou quase vomitando. Ouço a voz da rainha, alterada, ouço as pedras se desprenderem do chão e o barulho da água fluindo. Balanço com força a cabeça, mas a tontura não vai embora. O chão treme, ainda, para ajudar. Ouço a rainha gritar, furiosa, enquanto o som das pedras se quebrando, o habitual som, ecoa em minha mente. Ouço a voz cortante de Jaya, dizendo algo. Depois ouço a água se movendo veloz. Abro meus olhos e vejo Jaya ascendendo aos céus, em cima de um turbilhão poderoso de água, sumindo no alto dos prédios.

─ Meu recado está dado, Loma de Omashu. ─ grita Jaya e sua voz ecoa lá de cima. ─ Nem o Avatar pode me parar.

Olho para frente. De canto de olho, consigo enxergar as chamas lambendo o esqueleto da minha casa, onde jazem os corpos de meus pais. As coisas ficam mais embaçadas e os sons soam abafados demais, para que eu possa distigui-los. Tudo está acabado. Eu estou sozinho. Disseram que eu seria sozinho. E conseguiram. Avatar se tornou sinônimo de solidão, de morte. Avatar se tornou minha pior fraqueza. E fraco, nem posso dizer que sou um mestre em dobra de terra. Afinal de contas, a terra é forte, poderosa, sólida e estável. E eu não.


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Notas finais do capítulo

RIP Ming e Yatros :/