Avatar: A Lenda de Yan escrita por Leonardo Pimentel


Capítulo 16
Fugindo da Madeira e Vidro


Notas iniciais do capítulo

Taabar seu suíno! ò_ó



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Senti como se houvesse levado uma pedra no estômago e prendi minha respiração imediatamente. Como aquele suíno pode ser irmão da Hora, essa mulher fantástica? Ando para frente, destacando-me do meu grupo e o encaro, da mesma maneira que encararia uma barata-besouro... Com repulsa. Ok, tá certo que estou agindo de maneira errada, mas esse homem é o autor desses incêndios, que estão assolando a ilha. A nossa sorte foi essa: conseguimos evacuar as pessoas. Sem nenhuma morte. Dessa vez vai ser diferente: eu não vou permitir que ninguém se machuque por minha causa. Dessa vez, usarei todo o meu potencial para...

─ Esse daí é o Avatar, é, Hora? ─ pergunta Taabar, sorrindo sarcasticamente. Os dobradores de areia zombam de mim, conforme me fitam. ─ Nem dobrador de terra ele parece!

O grupo de dobradores de areia ria gostosamente. Azsa deu um passo à frente e me segurou pelo pulso, numa tentativa de me acalmar. Olhei para Taabar, cauteloso.

─ Se você é inteligente, Taabar, saberia que nessa ilha ─ começou Hora. Ela andou suavemente pelo chão de paralelepípedos, os saltos altos ecoando pela rua. Ela ficou na minha frente, e com o braço me afastou para trás. ─ Você nunca foi e nunca será bem vindo. Parta, antes que as coisas tomem proporções... Terríveis.

A firmeza de Taabar pareceu oscilar por um instante, mas essa oscilação desapareceu de seu semblante logo depois. Ele gargalhou, segurando-se inclinado para frente. Uma mulher magra se destacou do grupo, com um sorriso asqueroso nos lábios. Ela carregava uma cimitarra.

─ Dobradores de areia, saiam da minha ilha! ─ berra Hora, a voz potente, não parecendo pertencer a ela. ─ Deixem a ilha!

─ Ora, Hora. Até onde sabemos, a ilha não é sua. Ser descendente da Avatar Kyoshi não lhe faz proprietária do lugar...

Taabar falava de modo terrível. Os dentes eram amarelos e tortos, ombros largos e corpo robusto. Usava um terno impecável, enquanto as mãos tamborilavam as próprias coxas. Sorriu com escárnio.

─ Entregue-nos o Avatar. ─ o homem fez um gesto com o braço e outra casa foi soterrada pela onda de areia. ─ Ou vão perder... tudo.

─ Não! ─ berrou uma voz conhecida. Era Azsa. O fogo azul surgiu como uma rajada superquente e venceu o espaço entre eles em poucos segundos.

O líder dos dobradores de areia moveu a perna para cima e circulou os braços na frente do corpo. A areia rodopiou num vórtice e fortificou a defesa, deixando-a rigída. O fogo se dissipou inocentemente, e ele riu, quando a areia escorreu na frente dele. Ele riu.

─ Ora, ora, a namorada do Avatar! ─ zombou o homem. Os outros dobradores de areia riram. ─ Vem aqui, lindinha, para eu te mostrar como um homem deve ser.

O homem sorriu com seus dentes podres. Kyle irritou-se, vi mesmo de longe, pois a água que serpenteou para fora de seu cantil já fervia e desprendia vapor. Mas não foi ele quem atacou. Fui eu. A terra ao meu redor serviu como impulso. Voei para o centro de tudo, e quando desci, soquei a terra. Ao meu redor a terra se ergueu e desequilibrou a todos e avançou em todas as direções como uma avanlanche mortal. O líder dos dobradores de areia cambaleou e caiu toscamente, ao som das risadas dos próprios companheiros. Sorri, com o punho ainda tocando o chão e a perna esticada. Ergui-me lentamente.

─ Toca nela e eu arranco suas mãos.

Ergo meus punhos na ofensiva e olho para o homem. Ele me encara, enquanto a mulher vem da cimitarra vem ao seu encalço. A única mulher, traja um vestido de tecido diáfano bege, botas. Carrega algumas joias sem valor algum. Ela corre e segura o homem pelo braço.

─ Taabar, levante-se amor... ─ chama ela, ajudando-o. Sinto nojo.

O homem, de modo grosseiro, dispensou a mulher, que ficou ligeiramente atrás dele. Hora viu a deixa e caminhou na minha direção, o olhar mais severo do que nunca.

─ O que Jaya prometeu a vocês, seus traidores de tradições? ─ ela cospe as palavras, não escondendo o nojo. ─ Deveríamos ser irmãos, mas vejo que Jaya deve ter prometido algo bem interessante a vocês, idiotas, corruptos e nojentos.

─ Calada Hora, meu negócio aqui é com o moleque de Omashu, não com uma camponesa imunda! ─ grunhe Taabar, os olhos faiscando. ─ Coloque-se no seu lugar, pois você não é Kyoshi!

Hora baixa o olhar.

─ Calado. ─ falo baixo, olhando o chão. ─ Cala a sua boca! Você não tem o direito de vir aqui e maltratar Hora. Ela é boa e gentil. E você é cruel.

Pulo no ar e dou um chute. A labareda de fogo se desprende do golpe, potente e contínua, emitindo uma quentura poderosa. Taabar se defende com uma parede fofa de areia. Ainda estou no ar, pronto para outra ofensiva, quando ele move a mão e sinto uma ardência se alastrar pela minha coxa. A dor se alastra e caio de lado. Taabar ri.

─ Será que consegue se safar do que não vê, jovem Avatar? ─ ele ri desdenhoso, enquanto os dobradores de areia imitam a ação. Sinto minha perna ardendo de modo descontrolado. ─ Entregue-se e torne isso tudo mais fácil.

Ouço o barulho fofo da areia destruindo mais uma casa, antes de Hora gritar. Ela corre na minha direção e projeta-se na minha frente, para me proteger.

─ Você pediu isso... ─ sibilou a mulher.

Com um gesto das mãos, Hora ergueu ambos os braços no alto da cabeça. Duas cabanas ao redor tremeram e a madeira cedeu à influência dela e quebrou-se em milhares de pedaços. A madeira pairou sobre a cabeça dela em enormes lanças poderosas, pontiagudas e ameaçadoras. Taabar riu desdenhoso novamente, enquanto a madeira projetava sombras sobre Hora e eu. Ela afundou os pés no chão, fitando os inimigos.

─ Saiam daqui. ─ ordena ela, a voz firme como a madeira que dobrava. ─ Não serei misericordiosa com vocês.

─ Eu pago para ver, Hora. ─ desafia Taabar, sorrindo.

O dobrador de areia moveu as mãos com suavidade e depois de diversos gestos, a areia começou a se juntar em flocos maiores e ficaram transparentes. Sob a luz do sol, o vidro brilhou ameaçadoramente e pairou da mesma forma que a madeira pairava sobre a cabeça de Hora, só que Taabar comandava o vidro. Olhei as duas técnicas abismado e em choque. O vidro refratava a luz e lançava uma chuva de arco-íris sobre o chão. A madeira por sua vez, lançava sombras.

─ Azsa, leve Yan. ─ chamou Hora.

Azsa correu na minha direção e me levantou. Andamos para trás de Hora, enquanto ela fitava Taabar firme, a respiração pesada. Com um movimento idêntico, ambos os dobradores enviaram seus poderes um contra o outro. A população que havia parado para assistir, aos poucos recomeçou a gritar e saiu correndo. Ergui uma parede de terra na minha frente, promovendo uma defesa para Azsa, Kyle e eu, enquanto o vidro começava a açoitar a terra rígida. A madeira de Hora zumbiu na distância que separava ela de Taabar e começou a se fincar na terra, obrigando-o a recuar. Os dobradores de areia, por sua vez, uniram-se a fizeram a areia avançar, como uma avalanche potente. Os dobradores mais bravos da ilha juntaram-se à Hora e juntos começaram a combater.

De um lado a madeira, a terra e o metal contra o vidro, a areia e a terra. O chão tremia sob meus pés. Kyle me curou rapidamente, mas eu sentia a vergonha cobrindo meu rosto, numa sensação quente e terrível. Uma lança de madeira voou sobre nossa cabeça, caindo inocentemente atrás de nós. Quando me ergui rapidamente para ver Hora, o chão parecia fustigado com pequenas estrelas. Mas era apenas o vidro brilhando. Protegi-me novamente.

─ Peguem o Sat! Vocês dois, protejam-se. Não esqueçam do Gisau! Vão! Vão! Eu vou tentar ajudar Hora. Por favor.

Deixo Kyle e Azsa para trás, saltando por cima da terra que dobrei. Corro a distância que me separa de Hora, pois o que mais preciso fazer é ajudá-la, protegê-la, salvá-la. Não que ela precise. Mas é o mínimo que posso fazer por ela. Quando um pedaço grande de vidro ameça cortar minhas pernas, dou um mortal para frente, apoiando-me nos braços. O fogo gira ao meu redor, conforme as pernas dançam desgovernadas, num círculo e o vidro derrete, emitindo um suave chiado. Soco o ar diversas vezes, de baixo para cima, de cima para baixo, invocando as pedras. Quando elas pairam, lanço-as de uma só vez contra o ataque de dobradores de areia.

Acerto diversos deles. Hora dobra a madeira de um chalé inteiro, sem despedaçá-lo. A casa voa na direção da areia e uma explosão soterra a luta. Sinto a areia e a madeira pesando sobre minhas pernas, conforme quero me mover. Fixo minha base no chão, enquanto a sequência de socos é desferida. O fogo nasce do nada, queimando o ar ao redor e indo na direção de Taabar. Ele caí. Ao redor dele, o vidro que paira também cai, fincando-se ao redor dele, ameaçadoramente.

A mulher dele corre na minha direção e ela não parece tão ameaçadora. Quando me dou conta, ela retira uma espada da bainha e me ataca com a maestria de uma digna espadachim. Ela usa bases sólidas e a arma como uma extensão fixa do braço. A lâmina zumbe diante do meu rosto, eu posso ver meu reflexo assustado na lâmina prata. Ela recua e com os dois braços no cabo, tenta um novo ataque, inútil. Quando vejo a deixa, chuto a espada e faço do solo crescer uma pirâmide de terra, que enclausura a mulher.

─ Não deveria correr com facas. ─ zombo.

Taabar dá um berro, quando vê a mulher presa e se ergue, como uma marionete. O vidro ao redor de todos quebra, as janelas não aguentando a influência do dobrador. E o vidro vem na minha direção, zumbindo de todos os lados, mortalmente perigoso, pronto para me cortar. O Estado Avatar parece surgir sozinho, o vento ao redor parando o vidro e fazendo com que ele caísse inocentemente ao meu redor, parecendo uma simples poça de água transparente. Quando ergo minha mão para atacar Taabar, sinto a terra debaixo dos meus pés se elevando e eu ganho altura. Quando penso que poderei atacar, Sat já está abaixo de mim, pronto para a fuga.

Quando olho para baixo, pronto para voltar para a luta, percebo que quem havia encomendado minha fuga fora a própria Hora. Mesmo daquela distância, eu podia ouvir um adeus silencioso em seus olhos. Ela parecia triste, mais triste do que nervosa. Sat grunhiu, conforme os céus eram desbravados. O frio me acertou. E eu olhei a fumaça de poeira se desprendendo da Ilha Kyoshi, a estátua de costas para mim.

─ Não! ─ berro, olhando para baixo, minha voz estranha aos meus próprios ouvidos. Meus olhos ardem.

Sinto a mão de alguém em meu ombro e quando viro meu olhar, vejo meu mestre Saofu, me pegando. Sat, o bisão, já voa acima das nuvens, deixando a ilha para trás, como um minúsculo brinquedo, da onde se desprende uma longa língua de fumaça cinza. Não consigo imaginar como as coisas estão e nem quero. O vento frio do céu me faz arrepiar. Ergo-me, ficando de pé.

─ Estou cansado de fugir. Estou cansado de todos pensarem que não sou capaz. Eu sou o Avatar. ─ estou determinado. Sinto isso em cada pedaço de meu corpo. Ando até a direção da beira da cela.

─ E você tá pensando em fazer o que, cabeça de poeira? ─ pergunta-me Kyle, encostado na outra beirada da cela. ─ Saltar daqui de cima e voltar para a luta?

Olho por cima do ombro, dirigindo meu olhar a Kyle. Sorrio do melhor modo maroto que sei que tenho e digo:

─ Como adivinhou?

Ando até a beirada e pego o máximo de impulso, antes de cair para o mar.

O vento vem contra meu corpo, tão frio e cortante que eu me sinto caindo dentro de um enorme bloco de gelo. Estou em queda livre, com a cabeça para baixo, o mar cada vez mais se aproximando de modo repressor, pronto para me quebrar por inteiro. A ilha está ficando maior, muitas vezes maior, ainda mais depois que transpus as nuvens, deixando-as para trás. Meus olhos ardem, só que dessa vez não são as lágrimas e sim a emoção da queda livre. Abro meus braços e movo meu corpo e assim a queda se torna mais rápida. No canto do meu olho, capto uma sombra preta caindo ao meu redor. O preto se torna azul, quando consigo olhar o sorriso dele. Kyle está caindo ao meu lado, os cabelos ondulando ao redor da cabeça.

Ele começa a girar na queda, como um parafuso e eu imito. Ele coloca os pés contra o mar, quando estamos perto o suficiente e eu imito, rodando e colocando os pés contra o mar. Juntos movimentamos as mãos, erguendo-as para cima, fazendo com que a água do mar se projete numa grande elevação, para parar nossa queda sem nos ferir. E a água me molha.

Primeiro a sensação do frio apodera-se de mim. Depois, permito que o poder Avatar tome conta da minha essência, de dentro para fora, aflorando como uma flor, a imagem acelerada diversas vezes. A água ao meu redor reflete a imagem dos meus olhos e tudo ao redor se ilumina com a luz dos meus poderes. E eles se mostram bem fortes, quando eu sinto a água ao redor da minha cintura ondulando fortemente. O poder cresce, conforme a água me expele para a superfície, se elevando ao meu redor, num redemoinho de água, gigante o bastante para me elevar muitos metros na direção do céu. Kyle está ao meu lado, não preciso ver para senti-lo, fazendo a mesma coisa. Nossos redemoinhos se cruzam e se interlacam, parecendo serpentinas de carnaval, ondulando e nos projetando na direção da ilha. Quando os redemoinhos nos lançam na areia, uma onda própria se eleva e nos conduz floresta adentro, nos deixando na rua principal.

A visão que tenho é detalhada e muito aguçada, graças ao Modo Avatar. Consigo ver o brilho individual de cada pedaço de vidro que flutuando ao redor de Taabar. Todos os seus capangas, inclusive ele, arregalam os olhos quando me veem, ali, quase que inocentemente. Kyle ao meu lado, permite que estacas de gelo flutuem ao redor dele, como navalhas prontas para acertá-los. Eles recuam. Meus olhos brilham com mais intensidade, refletidos nos olhos deles. Sorrio.

─ Saia da ilha, Taabar. ─ minha voz soa imensa, preenchendo toda a ilha.

Olho ao redor: as casas estão todas danificadas. A madeira, trincada, destruída, parece exercer feridas sob meu olhar, como cicatrizes feias. Algumas estão incendiadas, a cada olhar meu. Fito a estátua de Kyoshi, acima de seu pedestal. Outrora eu pensaria que ela era imaculada, que ninguém poderia alcançá-la, mas ali, consegui captar um pedaço enorme de vidro, fincado no meio da testa rígida. Uma fúria cresce em mim.

─ Não se intrometa em assuntos de família, Avatar. ─ rosna Taabar, virando-se para mim. ─ Procurem Hora e seus aliados.

─ Como assim família? ─ pergunto transtornado, sentindo o poder Avatar se diluindo e sumindo.

Saio do Estado Avatar.

─ Vamos conversar, Avatar. ─ diz Taabar, sorridente. ─ Os outros, peguem minha irmã e seus aliados. Eles serão presos e acusados por traição ao nosso Imperador Jaya. ─ Taabar sorriu de modo asqueroso. ─ Enquanto isso, o Avatar é meu.

O grupo de dominadores de areia correu na direção da Grande casa, e Kyle saiu em disparada, pronto para pará-los. Taabar nem se incomodou, quando Kyle passou do seu lado, fazendo as vestes dele se mover. Fito-o com desagrado, não me preocupando em ocultar minha expressão de puro nojo. Olho-o dos pés à cabeça: o terno agora está amassado, como se houvesse rolado pelo chão a contra gosto. Seus dentes amarelos e tortos como um castelo de areia feito precariamente, faziam contraste com os olhos iguais aos de Hora, pude notar. Os cabelos cinzas, sem graça e desgrenhados, davam a ele a aparência de um mendigo bem arrumado. A voz rouca, como pedras raspando, rendia a ele um visual nada agradável.

─ Infelizmente nada é perfeito, Avatar, desculpe macular a imagem de minha irmã, toda perfeita para você. ─ falou ele sorrindo. ─ É hora de uma história, sente-se.

Taabar moveu as mãos com uma agilidade incomum e um banco de areia se projetou para ele. Sentou-se, pacificamente, como se estivesse na varanda da própria casa, tomando ar. Grunhi.

─ Acalma seu espírito jovem Avatar, estou lhe dando um momento de paz, pois depois não o terá jamais. ─ Taabar tamborilou os dedos nas próprias coxas, e olhou para o lado, como se estivesse escolhendo bem as palavras. Como não fui contra o que ele tinha para dizer, ele começou: ─ Sou o irmão mais velho de Hora. Quando ela nasceu, eu tinha oito ou dez anos, não sei, não lembro muito bem. Minha mãe ficou feliz em ter uma dobradora de terra, uma descendente mulher da Avatar Kyoshi, uma mulher que pudesse ser uma Guerreira Kyoshi poderosa, honrar o nome da nossa ancestral. Certamente eu perdi meu prestígio. E ela se tornou meu declínio. ─ acho que se Taabar pudesse, teria cuspido na minha frente.

“Quando tinha quatorze anos, consegui desenvolver minha técnica de dobra de vidro. Foi a melhor coisa que fiz em vida. Estudei muito. Abdiquei à minha vida, apenas para tomar meu posto de bom filho, de bom moço. Mas tudo foi em vão. Meus pais não se impressionaram com o meu feito, disseram que eu me desenvolvi tardiamente. Mas, quando Hora apareceu em casa, com oito anos, dobrando a madeira de forma desengonçada, isso foi motivo de celebração. Uma dobradora de madeira. O orgulho da minha mãe, uma Guerreira Kyoshi e meu pai, um camponês ignorante da União da Água do Sul. Chega a ser risível, como trataram a dobra de minha irmã. Aquela criatura pequena e insolente, ignorante... E eu sentia raiva dela, do modo como ela tirou o meu prestígio dos olhos de todos. Do modo como fui... Eclipsado por ela. ─ a voz soava baixa e contida, como um rosnado prestes a se tornar um rugido. ─ A noite, quando ela dormia, eu a cortava com o vidro. E ela acordava ferida. Meus pais custaram a descobrir e a acreditar que eu era o malfeitor... Mas quando descobriram, me expulsaram desse chiqueiro, dessa ilha...

─ Meça suas palavras, para falar dessa ilha! ─ eu berro de volta, o chão ao meu redor trincando. ─ Ela foi criada com esforço da Avatar...

─ Blá, blá, blá! Já conheço essa história de cabo a rabo e rabo a cabo, bem antes de você sequer pensar em existir, pequeno insolente! Calado. Filho de general deveria ser mais respeitoso. Ou então, eu lhe ensino e corto sua língua... ─ Taabar parecia terrível. Mas não fraquejei. Cerrei meus punhos e permaneci de pé, encarando aquela figura grotesca, sentada de pernas apertas, parecendo um monte de areia empilhado precariamente. Ele retoma à história, como se não houvesse pausado sua narração. Ouço. ─ Quando fugi, tomei um navio na direção do continente e de caravana em caravana, dentro do circo, consegui chegar ao deserto. Eu já havia dominado a areia com maestria, me daria bem lá. Não custou muito, até que eu subisse de posto e conseguisse liderar uma gangue dobradora de areia. Em poucos anos, tornei-me líder de todos os dobradores de areia e chefe do tráfico de animais e plantas. Nem mesmo o seu rei, Marlok, ousava tocar um dedo sobre o meu deserto. Aos vinte anos, meu nome já soava entre os seus líderes e eles temiam. Não eram tolos de se envolver nos meus assuntos.

“Mas Hora, essa idiota, sempre estava um passo à minha frente. Tornou-se chefe dessa ilha aos dezoito anos, tão nova e tão sábia... Fachada, creio. Tudo o que essa mulherzinha carrega, é o nome da Kyoshi. O máximo que ela tem que fazer é... ostentar o nome de uma morta, para conseguir se manter no poder. Não o conquistou com mérito... De qualquer modo, Jaya, seu melhor amigo, me descobriu e com a sua tomada do Reino, eu me aliei a ele e terei minha parte, no fim de tudo.

─ Não seja tolo, Taabar! ─ rosno para ele, sem pestanejar. ─ Quando isso tudo acabar e se Jaya sair vitorioso, ele vai destruir as outras dobras. Ele vai acabar com a dobra de fogo, num piscar de olhos, vai extinguir a dobra de ar depois e ai, liquidar a dobra de terra! Temos algo em comum! Somos dobradores de terra e não estaremos livre das ações dele. ─ minha voz fraqueja no final. Olho para Taabar e ele não parece transtornado, parece se divertir com meu nervosismo.

─ Não... Temos um acordo. Conheço a história de Jaya, tão bem quanto a minha. Sei que ele luta pelos mais fracos e pelos oprimidos...

─ Você é ridículo e idiota em acreditar naquele homem. Ele deve ter comprado você por miséria, afinal de contas, sua inteligência não parece ser grande o suficiente, para ver a verdade. ─ determino, fechando fortemente meus punhos.

─ Pelo visto, Avatar Yan, serei obrigado a cortar sua língua fora. ─ Taabar se ergue, e o banco de areia se dissolve, com o vento que o soprou.

A areia se moveu atrás dele, emitindo uma luz fraca, enquanto o vidro se formava. Os olhos dele brilhavam com força, como se estivesse prestes a berrar comigo. O poder dele, posso sentir, debate-se em fúria, conforme o vidro flutua ao redor dele.

─ O vidro é perigoso. Ele fere. ─ Taabar olha para mim, seu olhar mais cortante do que o vidro que paira ao redor dele, em diversos formatos: estacas, pedaços amorfos, estrelas, lâminas finas, bolas maciças e até blocos. A luz do sol ultrapassa a superfície transparente e deixa pelo chão sombras coloridas, como se ele próprio houvesse aprisionado arco-íris dentro dos pedaços das armas. ─ Sinta a dor.

Os primeiros pedaços de vidro voam na minha direção e acertam o lugar que eu estava segundos antes. Dou mortais para trás, desviando-me rapidamente do ataque. O vidro finca no solo arenoso, emitindo sons abafados e erguendo cortinas de areia. Movo-me com precisão, erguendo rochas, e jogando-as contra Taabar, que desvia para direita e para esquerda em passos longos, como um exímio dobrador de terra. O vidro vem novamente, jogo meu corpo para trás e me mantenho numa ponte, com as mãos me ostentando no chão. Ergo-me novamente. Dou um soco e um chute no ar, enviando duas potentes labaredas de fogo. Taabar faz o vidro se juntar em sua frente e o fogo bate contra a parede protetora e se dissipa inofensivo.

Direciono meus punhos na direção do solo e ergo meus braços como se estivesse erguendo uma defesa. As pedras do chão, uma a uma, desprendem-se e se grudam ao meu corpo, como uma maciça defesa de terra, formando minha armadura. Deslizo pelo chão, veloz, olhando para Taabar. Ele imita meus movimentos e o vidro se torna uma armadura brilhante ao redor dele, refratando a luz do sol em um arco multicolorido ao redor dele. Se eu não soubesse da real natureza daquele homem, eu teria achado a técnica linda. Mas ele era cruel e tão veloz quanto eu.

Estava a poucos metros de distância, quando eu notei o que estava fazendo. O choque emitiu um som titânico ao nosso redor. O vidro estilhaçou, emitindo o ruído de vidro quebrando. A terra também se quebrou e as rochas foram lançadas para trás. E Taabar foi lançado para trás, assim como eu, nós dois abrindo trincheiras pelo caminho. A dor me acometeu forte.

Quando parei diversos metros distante de Taabar, olhei para baixo. Um pedaço de vidro estava fincado contra a carne de minha coxa, emitindo uma dor insuportável pela minha perna direita inteira. Mordi meu lábio inferior para não gritar e o gosto de sangue estava enchendo minha boca. A respiração perdeu o ritmo, quando tentei me erguer, cambaleando. Mas Taabar já estava erguido. Movia o vidro ao redor dele, com uma mão só ─ a esquerda ─ com dificuldade. Seu olhar era assassino, carregando o ódio dele. Não podia julgá-lo. Ele era vítima, tão vítima quanto Hora. Ele estava ferido.

O vidro que girava ao redor dele, como os planetas ao redor do sol, zumbiu na minha direção, fazendo um show incrível de luzes. E o vidro estava perto o suficiente, quando entrei no Estado Avatar. O vento ao meu redor se moveu com velocidade, fazendo o vidro sacudir e ir para todas as direções. Os pedaços maiores se fincavam contra as casas de madeira, a terra e até mesmo as pedras ao redor. Outros apenas sumiam ao redor de nós. Quando ouvi, com choque, um grunhido de Taabar, eu descobri o que eu fiz.

Ele estava de joelhos, com as mãos próximas a um caco de vidro, fincado na barriga dele. Os olhos estavam muito arregalados, quando ele notou a mancha vermelha sobre o terno caro dele, comprado, possivelmente, com dinheiro roubado. O vento cessou, da mesma maneira que surgiu: do nada. O pouco da areia que havia se erguido, em decorrência do soprar dos ventos, caiu e o silêncio ao redor foi intenso. Era o silêncio da dor. Taabar agarrou com firmeza o vidro e eu percebi o objeto cortando os dedos dele; arrancou-o do ferimento e gritou de dor, enquanto o sangue caia em fluxos. Corri na direção dele, assustado. Não entendi o porquê de eu estar fazendo aquilo.

─ Taabar, eu... Eu posso ajudar. ─ Eu não podia, mas fui mesmo assim.

─ Saia daqui, Avatar ─ ele moveu a mão na minha direção e uma “jato” de areia voou na minha direção, me afastando dele. ─ Você e a sua raça de Avatares já fizeram o suficiente para mim... roubaram... meus.

Eu nunca descobri o resto da frase. Minhas mãos tremem com violência, enquanto me afasto. Kyle ressurge da floresta, correndo a ladeira veloz, talvez fugindo de alguém. Caio no chão, de bunda, assustado com a cena. Kyle consegue captar a ação, com velocidade e cai ao lado de Taabar rapidamente, olhando o ferimento, assustado, olhando do machucado para mim. Engulo em seco, enquanto tento me afastar.

─ Yan... Calma. Eu curo ele. Olha. ─ as mãos de Kyle já estão iluminadas pela suave luz que costumeiramente envolve a água no processo de cura. Consigo ouvir de longe a água agindo. Fechando a ferida. Kyle suspira. ─ Yan...

Levanto-me e corro na direção da praia. As árvores que envolvem o caminho tortuoso até a água, são baixas o suficientes e cheias de galhos, que fazem um corte na minha bochecha. Ele arde. Encaro isso como um castigo. Eu feri alguém, quase o matei, quase tirei a vida de outra pessoa. Não tinha esse direito, não poderia fazer isso. Não cabia a mim, mesmo sendo o portador de um ser espiritual, ceifar o bem mais precioso de alguém. A voz grossa de Kyle me envolve, mas tudo o que quero é fugir da realidade. De todos. Eu sou o caos. Só rendo o ferimento a quem eu amo e até a quem eu odeio. Tropeço na areia, que está mais alta e caio de rosto no chão. A areia gruda nas lágrimas do meu rosto. Arrasto-me. Uma sombra se projeta ao meu redor. É Kyle. Ele me agarra pelos braços.

Sat sobrevoa nossas cabeças e uma elevação de areia nos conduz para a cela. Talvez tenha sido feita por Saofu, não sei. Fecho meus olhos e choro como uma criança, soluçando. Ouço a voz de Azsa e sinto o toque dela. Recuo como um animal ferido, conforme o vento frio começa a nos assolar. Ouço nosso destino, proferido pela boca de Kyle, mas tudo o que consigo sentir é tristeza. Meus olhos ardem, mas o ardor vai embora, quando as lágrimas não teimam e se vão. Sinto meu coração apertar e deito em posição fetal. E durmo.

O céu está cinza ao meu redor. E sinto frio. Não o frio suave que eu costumava sentir nas ruas da Cidade da República, quando eu caminhava com Azsa no inverno. O frio aqui é avassalador. Quando abro meus olhos, sei que é fim da tarde e que ainda estamos voando. Sinto cócegas nas bochechas e sei que os cabelos de Azsa estão sobre o meu rosto, voando ao redor de nós. Ela também dorme, recostada sobre uma parte maior da lateral da cela do bisão. Eu dormi no colo dela, por isso toda aquela maciez infinita. Kyle está recostado na frente da cela, próximo de Saofu, que conduz Sat. Gisau dorme sobre minha barriga, encolhido como um monte de cuecas brancas. Sorrio. Quando me movo, Azsa acorda repentinamente, como se houvesse sonhado que caia.

─ Desculpe. ─ sussurro para ela. Ela usa abafadores vermelhos sobre as orelhas, para se proteger do frio. ─ Eu só queria sentar.

Ela sorri e evita me tocar. Olha-me com tanto receio, que me sinto como... vidro prestes a quebrar. E quando me sento, lembro-me da última coisa que me lembro. Vidro, sangue e dor. Balanço minha cabeça, esperando ser tomado por uma dor terrível, mas estou bem. Talvez Kyle tenha me curado. Sinto-me agradecido, quando olho para ele, ainda de costas, conversando com Saofu, as cabeças tão próximas, que eu podia jurar que estão tramando o plano que conquistará o mundo.

Azsa afaga as roupas, antes de dar uma boa olhada em mim, como se checasse se meus dedos e orelhas estavam todos nos mesmos lugares e assim, ela rasteja na direção de Kyle. E os três ficam lá. Kyle passa os braços ao redor de Azsa de modo acolhedor, para espantar o frio. Talvez eles não queiram ficar comigo.

Meus três mestres estão próximos da cabeça de Sat, enquanto conversam entre si, em tom baixo. Nem tento captar a conversa deles, por mais que ela esteja largada ao vento. Sento-me o mais longe possível, afagando os pelos macios de Gisau, tão brancos e dourados... Ele ronrona conforme eu os acaricio, os olhos cerrados, demonstrando o prazer imensurável ao ser tocado. Ele exibe a barriga gorda, conforme as minhas mãos dançam por ele. Nesse momento, noto que Sat está perdendo altitude.

Olho ao redor. O mar está cada vez mais próximo, e Sat solta um grunhido de satisfação. As luzes são cegantes e num primeiro momento penso estar indo na direção de apenas luz. Mas elas focalizam. E a União cresce.

Sei que é a União, pois jamais iríamos para a Tribo da Água do Norte. Ela se ergue e toda e qualquer palavra que posso usar para descrever é: fascinante.

A União da Água do Sul se ergue com seus prédios, que parecem navalhas que cortam o céu. A maioria é escura e parece exercer poder sobre o que tem ao redor. Mesmo ali de cima, eu conseguia ver as ruas apinhadas de carros brilhosos, que na parca luz da tarde já brilham. As cidades ali, em si, parecem terem sido cravadas na neve, não em blocos de gelo, como a Tribo do Norte. Os prédios que eu vi antes, estavam localizados no centro, e ao redor, diversas casas se erguiam, padronizadas. Algumas detinham detalhes diferentes, mas que daquela distância eu não podia ver. Consegui ver um parque mais isolado, prédios grande e um palácio também isolado. O porto estava apinhados de barcos e embarcações grandes e os postos de vigilância estavam mais ao mar. Quando fomos avistados, o alarme soou.

Sat desviou no instante preciso, quando um avião decolou. O bisão rosnou, quando fez a manobra e se dirigiu para terra. Dali, vi que alguns prédios ainda eram adornados com gelo e neve, sem perderem o costume. Quando saltei do bisão voador, Azsa me seguiu, juntamente de Saofu. Os primeiros guardas que fizeram nossa recepção nos reverenciaram com profundo respeito.

─ Não... Não precisam me reverenciar. ─ digo, alarmado com a situação.

─ Não estão saudando você com reverências, Yan. ─ a voz de Kyle soa estranha.

─ Óbvio que não ─ concorda Saofu, com determinação. ─ Estão reverenciando a mim. Levantem-se, sulistas!

Azsa ri baixinho.

─ Também não, Saofu, cabeça de poeira dois. ─ eu era o Cabeça de Poeira número um, eu sabia.

─ Então quem estão... ? ─ a pergunta de Azsa morreu na boca dela.

Kyle se lançou de cima da cela e caiu ao nosso lado. Os guardas se ergueram lentamente, com sorrisos nos rostos. As peles morenas contrastavam nos uniformes azuis escuros, rentes ao corpo. Kyle moveu as mãos e os homens relaxaram.

─ O avô de Kyle era líder da antiga Tribo da Água do Sul. Aqui, o poder é hereditário. De pai para filho. Korra nunca quis ser líder daqui. Então, ela passou o poder para os filhos. Kaiza é irmão de Kyle. Kyle é príncipe da União. ─ falou Azsa, inteligente como sempre.

─ Exatamente, Princesa da Nação do Fogo. ─ disse uma voz, tão grossa quanto o rugido de um tigre dentes de sabre da neve. ─ O bom filho a casa torna. Seja bem vindo de volta, irmão.

Kyle reverenciou o líder da União.


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Notas finais do capítulo

Kaiza seu fodamente foda!