Quando Amanhecer escrita por Clara Luar


Capítulo 23
Quando amanhecer


Notas iniciais do capítulo

Último capítulo (*0*)/



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O ser da noite recolhe sua rosa do chão aninhando-a em seus braços com o máximo de delicadeza que seu poder sobrenatural permite. Caminha sem pressa para fora da joalheria destruída.

Os policiais mostram-se esgotados. Cercaram todo o perímetro com viaturas; muitos montam o cerco com placas à prova de balas, porém ninguém mais se atreve a entrar. Um som eletrônico corta o barulho das sirenes, e a voz do auto- falante é inquisitiva:

— Parado, vampiro! Onde está a Aberração Vermelha?

Krad ergue seu olhar, que voltara ao tom lunar, e reconhece o velho de coletes.

— Pensei que você tivesse ido pelos ares como todos os seus subordinados.

O líder dos federais não reage à recordação das perdas.

— Apenas responda: onde está a Aberração? E quem é essa garota com você? — seu olhar pesa sobre a pequena no colo do monstro. Não associa a louca ruiva de pele rósea à menina pálida, ensangüentada e que definha nas mãos no criminoso.

— Ela é a minha humana. — Guarda o rosto de Fay com seu terno a fim de garantir que não seja reconhecida. — A outra não está mais aqui, como pode ver. Não perca tempo indo atrás dela; ela já provou que tem força para acabar com toda uma cidade se quiser. E meros humanos jamais terão chance contra ela.

Rangendo os dentes, o velho policial ordena uma busca pela cidade, mas sabe que é inútil. Com a notícia do fracasso de capturar o líder dos mafiosos que acaba de chegar, quebra o auto-falante frustrado. Braveja palavrões entre as próximas ordens. Suspira exausto e com repugnância fita a palidez do rapaz a sua frente.

— Imagino que não há mais nada que lhe interesse aqui, monstro. Você tem até o fim da noite para chegar ao aeroporto e sumir de vez da América. — morde o interior da boca, que logo é preenchida com gosto de sangue. Sua expressão é de puro ódio. — Por isso, sugiro que pegue essa pobre coitada e suma da minha frente antes que eu rasgue o contrato para poder oferecer a sua cabeça no lugar da minha.

O riso de Krad faz a veia da testa careca do velho saltar quase que com vontade própria.

— Foi ótimo fazer negócio com você, Inspetor.

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A viagem num avião providenciado pela polícia não foi feita para tripulantes luxuosos. A poltrona era desconfortável, os corredores cheiravam a mofo e o banheiro era um cubículo minúsculo. Krad ficou a resmungar repreendendo-se por não exigir “viagem de qualidade” no contrato. Contudo, nada lhe tirava a preocupação por Fay, que não despertara desde que lhe declarou seus sentimentos. A pulsação estava regular e a respiração constante, estava viva ao menos. De vez em quando, lampejos de dor desfaziam a expressão angelical de seu rosto.

Ele apóia o cotovelo na janela e seu rosto na mão direita, observando inexpressivo as nuvens passarem sobre o continente europeu, enquanto o polegar de sua outra mão acaricia os dedos quentes de Fay.

Os federais da embaixada americana acompanham o vampiro até uma bela mansão perto da torre turística de Paris. No entanto, o ladrão não detinha nenhuma intenção de acomodar-se nessa casa, que certamente estava vigiada por agentes especiais. Por isso, dentro do taxi, se livra dos agentes e toma posse do volante. Entre ruelas sinuosas, tenta despistar o restante das águias em seu encalço. Os policias acreditam ter vencido quando o vampiro desce do veículo, a menina em seu colo. Contudo, um segundo é o suficiente para o vampiro desaparecer de suas vistas, para sempre.

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Foge para uma mansão de tijolos prateados cercado por um bosque nebuloso, bem afastado do centro de Paris, comprada em nome de uma empresa fantasma, há muitos anos. Os policiais se quer sonham com a fortuna que pertence ao ladrão, conquistada durante séculos da sua vida.

Acomoda sua bela adormecida no maior quarto da casa. Três dias que não a ouve chamá-lo com sua voz melódica. Mesmo na presença de sua amada, seu coração continua gélido, a espera de uma fagulha que só o olhar penetrante dela consegue provocar.

Segura-a firme em seus braços enquanto deixa a água escorrer sobre o corpo pequeno dela. A pele macia pouco a pouco se pinta com o calor do chuveiro. Em meio ao vapor que emerge, mistura as loções favoritas da garota e a perfuma com o inconfundível odor das rosas. Fay ama um bom banho após longas viagens. Embora ela ache que o vampiro pouco se importa com os prazeres mundanos dela, Krad sempre notou seus amores e desgostos.

Como não trouxeram malas, a veste com uma de suas camisas, deixada no armário. São poucas as que não foram comidas por traças, mas o cheiro de carvalho está impregnado em todas. Faz uma nota mental de comprar roupas novas para ambos enquanto carrega-a para a enorme cama.

A melancolia de observá-la dormir logo se torna frustrante. Busca em vão ocupar seus pensamentos: no escritório da casa, atualiza-se sobre as documentações de todos os seus bens e posses, legais e ilegais; assiste aos telejornais franceses e americanos, todos noticiando o assalto à joalheria e ao cassino, sem no entanto fazerem menção a colaboração que os policiais receberam de um misterioso ser da noite; porém, sua audição está sempre atento a qualquer ruído que venha do quarto no segundo andar.

Terminado suas funções burocráticas, com uma bandeja de prata em mãos retorna à cama onde descansa Fay. Deixa a prata com o bule de chá de Ceilão e ponte de mel sobre a mesa de centro, senta no divã de acolchoado cinza e dourado e beberica uma xícara. Após horas de vigília, deita a cabeça no recosto do sofá, suspirando de cansaço. Consegue contar no mínimo duas semanas que não dorme, e o sono lhe é a última forma de matar o tempo.

Fecha as cortinas. Tira os sapatos, o paletó é largado no divã, a gravata jogada ao chão. Desabotoa alguns botões da camisa e esgueirasse para a cama com sua mutante. Ela dorme silenciosa. O perfume de rosas penetra as narinas e invade os pulmões de Krad, enchendo-o de... esperança. Delineia os traços da face e do corpo pequeno de Fay, vestida no tecido branco. Um anjo. E de repente não se sente tão digno dela. Ele era um demônio. Deixa seu corpo ao lado do dela, sem encostar; não quer maculá-la ainda mais. Fecha os olhos, deixando-se embalar com o invejável calor da humanidade que pertence a ela.

— Krad?

Os olhos dele imediatamente encontram as íris violeta de sua amada. Quer abraçá-la, beijá-la e fazê-la só sua, mas não os faz. Suspira de alivio, e busca não demonstrar o quanto estava desesperado durante as horas em que ela parecia não pertencer mais a este mundo. Porque ele era um vampiro, não um humano sentimental.

—Krad, onde estamos? — indaga curiosa, enxergando apenas vultos dos móveis e a cama fofa sob seu corpo.

— Na nossa casa.

Fay prende a respiração por um segundo. Para seu vampiro nunca havia um nós de verdade, muito menos algo nosso. Fatigas musculares e uma forte dor de cabeça que a invadem não se comparam a confusão em sua mente. Não consegue lembrar claramente sobre os eventos antes de ser preenchida pelo negrume.

— Como assim? E o assalto? Os policiais? – sentindo-se tonta, prossegue com cautela : — E Ryan?

Uma chama arrasta-se pelo olhar de Krad brevemente. O ciúme, entretanto, não é maior que a preocupação em relação às dores perceptíveis na expressão dela.

— Está tudo bem agora, Fay — ergue a mão para acariciar os cabelos dela, mas se arrepende logo em seguida.

Como que acabado de reconhecê-lo na escuridão, Fay passa os braços ao redor do pescoço do homem ao seu lado, puxando-se para mais perto da frieza do peitoral, afundando o rosto entre o pescoço dele e o travesseiro. Mais perto e mais segura; como se sua vida dependesse disso.

Krad não a afasta. Finalmente a tinha em seus braços. Podia sentir o vazio de seu peito preencher-se como há muito tempo não fazia. O toque dela fazia um “coração” surgir, trazendo-lhe emoções esquecidas, sensações de quando era humano. Abraçando sua rosa, ele reconhece a Saudade, o verdadeiro Alívio e o calor de estar vivo. E pouco importava se era o demônio na vida de um anjo, porque ele a queria. Busca com as mãos frias o rosto dela, os olhos se encontram e tudo parece ter mudado. Há faíscas nos semblantes, e Krad pode sentir-se inundado pelo desejo. Sua boca procura os doces lábios dela. Roça embaixo da orelha, a bochecha e o canto dos lábios antes de tomá-los para si num beijo quente.

Beija-a para jamais esquecer seu toque, para marca-la dentro de si como a dona do seu coração. Beija-a insistentemente e é retribuído com a mesma avidez. Não quer parar; não quer soltá-la. Ela era dele, para sempre.

Encosta a testa febril, controlando a fogueira dentro dele.

— Estou exausto — confessa entre mexas do cabelo dela. Apesar de frustrado, seu corpo pedia um tempo. — Sei que acabou de acordar, mas pode me fazer companhia?

Ela afasta-se um pouco para encontrar o rosto jovial, lindo, mas cansado de seu amor. Sorri como um anjo.

— Claro.

— Não vá a lugar algum — pede.

— Não vou.

Aninha-se ao corpo musculoso e esbelto do ser sobrenatural, as respirações numa mesma melodia. Cerra os olhos para sentir todo o seu ser reagir aos toques dele. O turbilhão que Rose a fez incorporar parece enfim em paz, e Fay quis que o momento durasse para sempre.

— Me desculpe por trair você. — sussurra, incerta se ele a ouviria.

—Isso... não importa mais. — a voz é impassível.

— Eu sempre amei você. Ainda amo.

— Eu sei. — Pondera melhor sua resposta. Já não era necessário fugir; era um fato: havia feito tudo por ela, por uma emoção humana que a mutante lhe provocou. Assumira seu amor completamente ao deixar o Cassino para salvá-la. E restava lhe apenas admitir em voz alta: — Eu também te amo, Fay.

Impede com um forte aperto, quando a menina tenta afastar-se e fitá-lo com seu sorriso vitorioso.

— Os policiais vão nos deixar em paz — acrescenta rapidamente. — Seu amigo deve estar por aí aproveitando a nova vida de vampiro. E nós agora temos uma casa com um lindo jardim. Quando amanhecer, vamos esquecer o passado e viver uma vida comum, como você sempre quis.

— Não dá para ter uma vida comum namorando um vampiro — ri baixinho.

— Ótimo, vamos casar, então.

— Não foi isso que eu quis dizer...

— Vamos resolver isso quando amanhecer, agora deixe-me dormir. — resmunga.

A médium cala-se e busca uma posição mais confortável nos braços de Krad. Fecha os olhos e consegue imaginar a vida ao lado de seu vampiro. Como se estivessem esse tempo todo vivendo na escuridão da confusão, das incertezas e do perigo, e finalmente encontrassem a luz que faltava na vida deles, quando amanhecer eles enfim seriam nós. E para sua vida de humana, só Krad e o amor deles era suficiente.

Entre sonhos e o calor do vampiro, sussurra ansiosa:

— Quando amanhecer...


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Notas finais do capítulo

Obrigada a todos que acompanharam essa história até o fim! Estou emocionada (*~*) Quando Amanhecer durou um ano, e enfim chegou ao "quando amanhecer..."
Espero que tenham gostado, comentem o qua acharam!
Falando em comentários, não posso deixar de ofercer o troféu de melhor fic-stalker à Lady Holland B pelos comentários maravilhosos desde o primeiro capítulo: obrigada, linda!!!
Beijos da Clari, nos vemos numa próxima fic (*u*)/~~



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