Eita. Minha cabeça. Droga! Quem é que está me ligando a essa hora? Ah, é o despertador! Mas quem raios inventou essa droga?! Hmm… Eu costumava amar essa música. Por que não gosto mais agora? Tenho que trocar a música do despertador, senão eu…

— Samantha! Levanta já dessa cama! – a voz suave (só que não) de Rael me desperta. – Você está atrasada!

— Cala a boca – resmungo.

É, eu sei. Para um anjo, meus modos não são dos melhores. Eles até eram, quando eu vivia em Casa. Mas desde que vim à Terra, tive que me adaptar. Afinal, para todos os efeitos, sou uma adolescente de dezoito anos! E adolescentes fazem e falam coisas bizarras, às vezes.

Levanto-me, lutando com os lençóis. Quase os ouço me chamando, “Não vá, Samantha, eu te amo tanto…” Uma história de amor perfeita, a minha e da minha cama. Uma relação livre, sem compromissos. Ela me faz sentir confortável e relaxada. E eu a esquento. E o melhor de tudo: minha cama nunca vai me trair! Há!

Agora, vamos deixar de brincadeira, porque estou realmente atrasada.

Chego ofegante e suada ao campus. Não sei quem foi que inventou essa regra de que anjos não podem dirigir, mas, vou te dizer, não é nada legal. Eu preferia ter meu próprio carro e não precisar sair uma hora antes de casa. Mas fazer o que, não é? A eternidade tem dessas coisa.

Então, voltando ao assunto, cheguei suada porque desci vários pontos antes da universidade. É mais rápido ir correndo do que apertada naquela lata de sardinha! Passo pelo portão quase correndo, dou um bom dia apressado aos seguranças e rumo ao prédio. Já se passou um mês de aula, mas como ainda sou uma caloura – só deixo de ser caloura no próximo semestre –, ouço várias piadinhas dos veteranos. Ignoro todos e sigo para minha sala.

Ou pelo menos tento.

Um cara do tamanho e da largura de um armário para bem na minha frente, de braços cruzados. Eu, como uma boa anjo desaforada, ergo o rosto em tom de desafio e peço:

— Será que pode dar licença?

— Por que está tão nervosa, lindinha?

— Eu estou realmente atrasada e quero passar.

— E eu não estou nem aí para isso.

Eu não posso acreditar nisso. Quando eu pensava que tinha deixado o Hades do colegial para trás, me aparece um representante do grupo boys-que-se-acham-infinitamente versão 2.0!

— É? Mas eu não perguntei se você ligava ou não – digo.

— Você é muito desaforada, não é, não?

— E você é muito babaca, não é, não?

É quando percebo que o armário não está sozinho. Uns três caras tão altos e tão fortes quanto o que está na minha frente começam a me cercar.

— Vou pedir mais uma vez. Saia da minha frente – falo, devagar.

— E se eu não quiser? Ah, qual é, linda, qual o seu nome? Quero conhecê-la melhor. É só isso.

Olho para ele, desconfiada.

— Você é um veterano – afirmo.

— Sou – agora é ele que está confuso. Meu Deus, que cara é essa?! Tenho que me controlar para não rir. Ele fica ridículo com essa cara!

— Certo. Então você não quer fazer nenhuma maldade comigo. – Cruzo os braços.

Um olhar malicioso passa por seu rosto, fazendo meu corpo se arrepiar de medo.

— Isso depende de você – murmura.

Tento dar um passo atrás, mas o cara é mais rápido e agarra meu braço. Ah, Pai, lá vamos nós outra vez… Talvez você precise de uma pequena observação: eu piro quando seguram meu braço.

— SOLTA. A. DROGA. DO. MEU. BRAÇO. – grito, de repente. Todas as cabeças se viram para mim. – É O SEGUINTE, BABACA: EU NÃO SUPORTO QUANDO SEGURAM EM MEU BRAÇO. AGORA. ME. SOLTA!

Noto, com uma certa satisfação, que os olhos do cara estão arregalados. Dou um sorriso de vitória, desvencilhando meu braço do seu aperto e concluo:

— Nada como um bom comando firme. Não é mesmo? É assim que a gente lida com animais.

Ele me olha com pura raiva. Eu o encaro, sem medo.

— Você vai me pagar!

— Não lembro de ter comprado nada em sua mão, muito menos te pedido dinheiro emprestado – digo indolentemente. – Agora suma da minha frente. Ou farei um escândalo bem maior. E vai envolver a polícia!

O armário me encara mais uma vez e depois segue em frente. Ao passar por mim, ele sussurra:

— Vadia. Eu vou acabar com sua raça. Ou prefiro morrer.

Uh-uh!

— Cuidado com o que deseja, hein? As palavras têm muito poder, já ouviu falar?

Mantenho-me firme, enquanto ele vai embora.

Ops! Parece que arranjei um inimigo.

— Samantha! – Rael chega ofegante, depois que saio da primeira aula do dia. – Pelo amor do Pai, por que você sumiu?

— Eu estive dando um show. Soube que agora eu sou uma celebridade? – pergunto, indo em direção à próxima aula, que seria de Neto.

— Isso não é brincadeira, Sam! – Ergo a sobrancelha para ele. – Ok, desculpa. Samantha. Eu descobri uma coisa importante.

Suspiro. Ultimamente, tudo tem sido importante para Rael. Desde quando ele experimentou um chocolate até um olhar que uma garota deu para ele.

— Tá. Desenvolve.

— Hein?

— Ai, Pai… Eu quis dizer para você desenvolver a conversa, falar.

— Ah, certo. – Ele para um momento e então continua: – Tem mais alguém aqui conosco, Samantha. Um outro anjo.

Viro-me para ele, absurdamente alerta.

— Você tem certeza? – questiono.

Vou explicar: nós, anjos, temos isso de sentir a presença um do outro. Então, se houver um anjo perto de mim, eu vou sentir. A não ser quando ele está camuflado, como eu estava até Rael me encontrar. E como ele estava também, até começar a me encher a paciência.

— É claro que tenho. Você não sentiu? – devolve a pergunta.

— Nã… - e calo a boca. Porque, bem naquele momento, eu sinto. A paz e o amor universal que emana de um anjo. Olho para a porta da sala.

E, como eu suspeitava, Neto acaba de chegar.