Eu falei bem pouco sobre mim. Bom, meu nome é Samantha Reis, tenho dezoito anos e sou uma caloura. Tenho sete melhores amigas, uma família enorme e exatamente 41 livros na minha estante. Amo ler, escrever, sair por aí e dar risada. Tenho uma paixão por cadernos e canetas.

E tenho também um segredo.

O despertador toca às 07:30 da manhã. Levanto-me, sonolenta, e faço meu ritual matinal. Depois de quase uma hora de afazeres, vou trabalhar nas minhas contas online. Uma garota deve se manter informada, certo? Vou até meu notebook, abro-o e espero até que o Windows carregue completamente. Isso não leva muito tempo, mas é o suficiente para me deixar ansiosa. Meu olhar cai sobre as coisas que estão na mesa, e um objeto em particular chama a minha atenção.

É 299km/h. Claro. Não me surpreendo.

Pego o livro com cuidado, abrindo-o na página de informações. A data não me impressiona, mas deveria. Impresso cinco anos à frente do tempo em que estou agora, 299km/h fala sobre um professor amado e respeitado, que morreu em um acidente de moto. Ele amava a velocidade e, infelizmente, ela o matou.

Abraço aquele volume, procurando naquelas páginas o conforto. Desisto de tentar manter-me forte e permito que as lágrimas caiam. Passo uma folha com cuidado e me perco no início daquela história...

A faculdade começa cedo. Oito horas em ponto, o professor Romualdo Neto está na sala. E bate a porta na cara de quem quer que chegue às 08:01.

— POR QUE chegou atrasado, JOVEM? – pergunta, gritando algumas palavras e quase sussurrando outras. – Não tomou café, não, foi?

Toda a turma ri.

— Foi mal, Neto. O carro atrasou.

— Entre, entre logo! – Então ele se vira para o quadro. – Voltando ao cálculo, jovens, isto aqui é uma questão infantus baby elementar. Vamos lá, resolvam! Vocês têm trinta minutos!

Paro de ler. Não. Aquilo é demais para mim. Lembranças demais, memórias demais. Eu tenho que consertar as coisas. Preciso. Levanto-me e vou fazer a minha matrícula.

Depois de quase meia hora para me arrumar e sair de casa, chego ao campus da universidade. Uma multidão de calouros está passeando por ali, conversando, alheios ao tempo e ansiosos pelo começo de suas vidas.

A faculdade tem dessas coisas. Enquanto você está no colegial, parece que sua vida nunca tem fim. São seus pais que o sustentam, você só tem que estudar e todo o resto do tempo é seu. Sem responsabilidades, sem ter que manter uma casa, uma família. Mas quando você termina o terceiro ano, tudo muda. Há uma excitação no ar, cheiro de coisa nova. É a vida finalmente começando! Você deixa de ser uma criança aos olhos de seus pais, e vai se tornando adulto.

Vejo muitos rostos por ali, alguns que aparentam ser jovens demais e outros, velhos demais. O meu, sem dúvida, se encaixaria na primeira categoria. Apesar dos meus dezoito anos, todos dizem que tenho catorze ou quinze. Mas tudo bem, eu gosto disso.

Caminho em direção ao setor de matrícula, preencho todos os papéis, cumprimento algumas pessoas e saio. Lá fora, pergunto sobre os professores, procurando informações. Na verdade, um professor em particular. Fico atenta ao ouvir seu nome e sua paixão, fingindo interesse em sua disciplina.

Quando minha missão é salvá-lo.

— O que você pensa que está fazendo? – A voz de um garoto me surpreende quando estou indo para casa. Viro-me, já de cara feia.

— O que você pensa que está fazendo, pergunto eu! O que é isso? Perseguição?

O garoto revira os olhos. Alto, moreno, olhos castanhos escuros e porte militar. Poderia muito bem ser um sargento ou, o que é o caso, alguém como eu.

— Estou me garantindo que você não faça bobagens – ele diz.

— Olha, escuta aqui, seja lá qual for seu nome, eu sou maior de idade e vacinada! Faço o que eu bem entender.

Ele chega mais perto, quase tocando em mim. Ergo o rosto em tom de desafio e falo:

— Já ouviu falar em espaço? É isso aí, você está invadindo o meu! Tá vendo este círculo aqui? – Eu o empurro e desenho um círculo imaginário em volta de mim. – Pois bem, este é o meu espaço particular. Você – aponto para ele – não passa desta linha. Entendeu?

O garoto para, encarando-me.

— Você é insuportável – replica.

— Igualmente.

E dou as costas para ir embora. Ando alguns passos, e quase suspiro de alívio ao perceber que o cara não me seguiu. Quase. Porque, na hora em que eu ia fazer isso, ele puxa meu braço.

— Mas que diabos você está fazendo? Me solta! Vou chamar a polícia! Vou gritar! Vou dizer que você é um estuprador! Me solta! – debato-me em seu braço.

— Não vou soltá-la. Agora, escuta aqui, Samantha, você não vai fazer nada. Você entendeu? Você não pode mudar…

— Para o Tártaro que eu não posso mudar! Aquela Página foi alterada! E eu vou consertar as coisas!

— Páginas são alteradas o tempo todo, Samantha!

— Se forem por seus próprios donos, sim! Mas você sabe que aquela não foi. Não foi ele que alterou.

Paro de lutar. Talvez porque meu desespero esteja evidente demais em meus olhos, o cara solta meu braço.

— Tudo bem, Sam…

— Não me chame de Sam! – rosno.

— Ok, Samantha. Tudo bem. Faça o que quiser, mas eu vou estar de olho em você. Sou seu anjo da guarda.

Olho para ele, cética. Não sei se rio ou faço pouco caso dele.

— Pessoas como nós não possuem anjos da guarda, seu imbecil.

— Rael.

— Hein?

— Meu nome. Rael.

— Como se eu me importasse…

— Certo, Samantha. Sou seu anjo da guarda, quer você queira, quer não. E vou segui-la até o fim do mundo.

— Anjos não possuem anjo da guarda, ou você esqueceu desta regra?

— Você é impossível!

— Você é irritante…! – retruco.

É. É isso aí que você leu.

Eu sou um anjo.