Sono de Amianto escrita por Salomão


Capítulo 3
Terzo passo: Addio, Rayo


Notas iniciais do capítulo

Finalmente criei ânimo para finalizar essa história que pertence a "Contos do Milênio". Enfim, fiquei muito feliz com o que consegui criar para esse final. A ideia simplesmente surgiu! Hahaha. Boa leitura



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III

Todos estavam reunidos ao redor do caixão de Beatriz. A família Zarravelas encontrava-se presente e entristecida pela garota que falecera. Uma música fúnebre interpretava as notas do adeus, enquanto às nuvens teimosas e carregadas desabavam sobre o cemitério napolitano. Debaixo daqueles guarda-chuvas negros e sombrios, não seria possível cenário mais mórbido e assassino. O corpo branco e pequeno de Beatriz estava embelezado para o pós-morte. Ó, a vida é tão rara.

Os rostos dos que compareceram pareciam gêmeos: todos aparentavam aquela expressão carrancuda de desespero. Os homens agasalhados com seus coturnos e sobretudos mantinham uma postura tão forte quanto suas mãos de ferro, entretanto, choravam silenciosamente. Eram membros da máfia italiana que se viam perdidos quanto à escolha de um sucessor. “Não haverá machismo e, sim, Triz”, disse Ângelus Zarravelas, pai da sucessora, e que chorava copiosamente, derramando suas lágrimas sobre o caixão de mogno... semelhante ao balcão da cafeteria no qual Rayo lançara suas moedas de bronze.

Rayo Grizzi encarava o rosto da boneca de porcelana, encolhido em suas vestimentas que acenavam o luto. Um diadema de rosas enfeitava o rosto da garota como uma auréola. Tal rosto marcado pelo tom avermelhado das flores o lembrava das lágrimas de sangue que escorreram dos olhos de Beatriz.

A cerimônia foi finalizada e o corpo sepultado. Todos partiram para os seus respectivos carros de luxo. As lágrimas dos entes queridos já haviam sido interpretadas e, após as palavras serem cuspidas incessantemente pelo padre, eles deveriam retornar às suas casas. De um lado, a minoria que realmente lamentava a perda, e do outro, aqueles que lançavam sorrisos travessos e despercebidos de glória.

Rayo tomou a direção contrária e seguiu rumo ao bosque, embrenhando-se em meio às árvores pantanosas. O cheiro do musgo penetrava-lhe as narinas e o entorpecia. Ele estava sozinho e cercado por relvas e árvores apodrecidas. O chão úmido e fofo parecia querer assaltar seus sapatos, levando-os. Ele esforçava-se para continuar a caminhar.

Não notara quanto tempo se passou, pois estava imerso em seus pensamentos. Desconhecia o quão distante estava e a pessoa que o seguia. Ele levantou seu rosto graças a um barulho que irrompeu das árvores. O ambiente escurecia e um arrependimento súbito nascia em sua alma.

Ele ouvia o estalar de gravetos sendo quebrados vindo de todas as direções e uma risada infernal. MEDO. Lançou perguntas a esmo e ninguém respondera. Virou o tronco de seu corpo e avançou para um caminho aleatório. Sua visão começava a ficar turva e ele perdia os sentidos. Uma forte náusea embrulhava seu estômago.

Começou a correr. Seus sapatos perderam-se em meio ao mar de musgo, entretanto, ele ignorou. O calçado pouco importava. Afundava seus pés em meio à sujeira e folhas mortas num ritmo frenético. Arriscou uma olhadela para trás e tropeçou.

Ele ficou preso em meio aos cipós e não conseguia levantar devido à suas roupas pesadas e encharcadas. Seu coração palpitava rapidamente e sentia uma aura sombria aproximar-se cada vez mais. Nunca sentiu tanto medo em sua vida. Em meios a uivos de loucura, ele conseguiu desvencilhar-se do chão que reivindicava seu desespero.

Rayo levantou alarmado e observou atonitamente o cenário a sua frente. Ficou de pé e, rapidamente, recobrou os sentidos. Imaginou que estava ficando louco e lançara um sorrisinho irônico, como se dissesse “Bobagem!”. Entretanto, sua certeza foi traída quando notou uma lâmina que trespassava seu abdome. Ele apalpou incrédulo o artefato que perfurara seu coração e caiu sobre os seus joelhos.

O homem conseguiu olhar para trás e encarou seu algoz: a Liliana. Ela sorriu e beijou seus lábios. Afagou os cabelos negros de Rayo e dançou seus dedos sob a cicatriz que lhe riscava o pescoço. Tal dívida que ela deixara no corpo de Grizzi, quando, em meio ao prazer, arranhara seu pescoço com vivacidade e ódio. Ele notara após longos dias e não associara com o ocorrido.

Quando os olhos de Rayo tornaram-se vítreos e sangue começou a escorrer do canto inferior dos lábios do homem, ela decidiu ir embora. Retirou a faca do corpo inválido e limpou com um pano branquíssimo, completamente contrário a tonalidade de sua alma. Ela deu de ombros e caminhou de volta para o cemitério.

O chão biótico e movediço absorveu seu prêmio: o corpo de Rayo. Entretanto, deixou que a alma do homem vagasse rumo à menina chorosa e a linha tênue que dividia os sentidos de vida e morte.

. . .

Rayo acordou em outra dimensão. Estava deitado em um chão que se assemelhava a um eterno tecido branco. Averiguou a eternidade daquela superfície e notou sua imensidão. Longe dali, uma pequena árvore negra despontava dos solos, lançando vergalhões negros para um céu branquíssimo e que não possuía um sol. Tudo era branco e puro.

Ele levantou e começou a andar. A árvore negra despertou curiosidade em seu âmago e ele redirecionou seus passos vacilantes até ela. Sua consciência não havia recobrado lucidez suficiente para que a dúvida despertasse e a incredulidade aflorasse em seus pensamentos. Por enquanto, as luzes daquele admirável novo mundo não irritavam seus olhos.

Quando se aproximou o suficiente para ter uma visão mais concreta da árvore, ele notou que debaixo daquele mausoléu de madeira escura e retorcida, uma menina encontrava-se de pé. Um cavalete encontrava-se logo à sua frente. A desconhecida pintava e não notou a aproximação de Rayo.

– Olá! Onde estou? – Grizzi perguntou.

A garota parou seu ato artístico de supetão, pois ficou assustada. Suas roupas eram tão brancas quanto o ambiente. Ó, Beatriz, quando irá parar de mesclar-se aos cenários onde adormece? Até quando irá se esconder? Ela virou seu tronco e encarou as faces de seu amado. Empurrou alguns cachos dourados para detrás de suas orelhas. Um gesto tímido e atraente. Largou o pincel no chão e correu para os braços de Rayo.

– RAYO! FINALMENTE! – ela gritou.

O homem demorou a aguçar seus sentidos e compreender que aquilo era real. Aquilo não era o céu e nem o inferno. Sua alma dirigiu-se para a terra que Beatriz produzira, utilizando os alicerces das palavras profetas de seu amado. Não queria esbanjar cores em sua realidade, pois, na concepção de Triz, elas nunca seriam suficientes para expressar sua compaixão por Rayo.

Graças a morte, a alma de Rayo lavou-se. Nas crateras mais profundas de seu âmago, a maldade ainda pulsava, entretanto, sua bondade somou-se com a de Triz: unidos pela vingança contra Liliana.

– Siga-me, por favor – a garota disse, enquanto tomava uma das mãos de Grizzi. – A nossa vingança será bela!

. . .

Liliana caminhava por Nápoles embelezada pela glória de seus atos. Sentia-se estupendamente feliz por sua sagacidade e seu ar estratégico. Ela se livrara de dois inúteis com uma única cajadada. Pobre, Liliana. Achava-se tão esperta e acreditava piamente que poderia enganar o destino. O semáforo piscava seu tom vermelho ardente, logo, ela parou no chão constituído de pedregulhos que situava-se anterior a faixa de pedestres.

Uma dupla de risadas tardias ricocheteou contra as dobras de sua mente. Uma era doce e infantil... a outra era vulgar e máscula: duas gargalhadas não tão premeditadas nos sonhos mais íntimos da ardilosa Liliana.

Duas mãos etéreas a empurram contra o caos nervoso do trânsito. Seu corpo virou-se com a queda, a câmera dos bastidores travou suas lentes na cena que decorria lentamente e ela avistou duas infelizes (felizes) almas com sorrisos tão cheios de pérolas brancas que pareciam a ponto de rasgar suas faces.

Escuridão...

Sangue...

Destino...

Três palavras que completam uma única frase tão significativa quanto às almas de milhares de centenas de homens: a escuridão da alma nunca permitirá um destino sem sangue para os traídos. Justiça seja feita.


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Notas finais do capítulo

ACABOU. É ISSO. Hahahaha. Espero que tenham gostado. Agradeço pela leitura de vocês, de verdade.



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